Os leitores (poucos) que ainda vão ver os textos depois de
atraídos pelos títulos das notícias parecem estar já habituados à moda do
“pode”. Títulos que não indicam um trabalho jornalístico sobre factos ocorridos
mas, antes, sobre factos que podem vir a ocorrer… ou não!
É preciso ter pensamento crítico suficiente para perceber
que muitas destas notícias se enquadram numa agenda comunicacional de origens ocultas.
Imaginar que há agendas comunicacionais obscuras não é sempre significado de haver
teorias da conspiração. Difíceis de demonstrar serão, mas que as há, há!
É certo que, algumas
vezes, esta forma de “noticiar o futuro” tem algum fundamento. Por
exemplo, falar sobre o número de médicos que se “podem” reformar proximamente ou
afirmar que os videojogos “podem” causar surdez e zumbidos tem interesse
público. Porém, anunciar que A ou B “pode” ganhar ou perder deputados sem,
claramente, mostrar que também “pode” não ganhar ou não perder, levanta
suspeitas e é afinal uma prática jornalística imprópria. Por exemplo, dizer que
as medidas tomadas para resolver os problemas das urgências “podem” não
resultar talvez seja agoirar, pensamento desejoso ou processo de intenções.
Todos nós conhecemos situações no SNS que correm bem, às
vezes muito bem, e compreendemos a avidez dos media pelo que corre mal.
Insistir na tese do caos, afigura-se a muitos dos reais utilizadores dos
serviços públicos uma generalização tão abstrusa como a tese do mundo
maravilhoso.
Se uma jovem com tosse há três dias, sem febre nem mais
sintomas, vai pedir conselho a uma unidade de saúde, encontra duas respostas
possíveis: numa, o médico recomenda, depois de a examinar, que aguarde e adote
medidas não farmacológicas, disponibilizando-se para rever a situação num prazo
definido; noutra, o médico, prescreve um antibiótico de largo espectro e um
corticoide em dose alta. Adivinha: qual das respostas corresponde a uma unidade
do setor privado? Qual delas segue as melhores práticas, apesar dos aparentes resultados
imediatos? Já ouviram falar do uso e abuso de antibióticos?
Se um idoso que faz tratamento hipocoagulante cai, bate com
a cabeça no armário da sala, mostra, dois dias depois, sintomas neurológicos e recorre
a um serviço de urgência, encontra duas respostas possíveis: numa, a admissão
num serviço de neurocirurgia acontece com fluidez, dado o encaminhamento pelo
SNS24; noutra, a operação ao hematoma subdural só acontece depois de realizar e
pagar uma tomografia ou duas e de uma segunda viagem em ambulância. Adivinha:
qual das respostas corresponde a um acesso no setor privado? Quem é que ainda
não ouviu as recomendações sobre os benefícios da triagem telefónica?
“Pode” ser que as políticas de saúde anunciadas recentemente
por certas forças políticas, piscando o olho ao setor privado e aos incautos,
acabem com o que resta do SNS. Eis um título que nunca veremos numa qualquer
primeira página.