13 dezembro 2023

Pausa humanitária

Há uma petição pública, de que sou um dos 50 primeiros subscritores, que está disponível para subscrição de todas e todos quantos queiram associar-se :: basta clicar AQUI. Convido-vos a fazê-lo o mais cedo possível.
Está em curso, desde julho, uma greve dos médicos de família ao trabalho extraordinário, que se reflete sobretudo nos atendimentos complementares de fim de semana e no atendimento aos utentes sem médico de família. Esta greve está convocada até dia 31 de dezembro, prevendo-se que possa ser prolongada até 15 janeiro. Está ainda convocada uma greve de enfermeiros entre 21 de dezembro e 2 de janeiro. Além destas greves, está em curso um outro protesto, realizado por médicos hospitalares que já ultrapassaram, em muitos casos largamente, o número máximo de horas extra a que são obrigados por lei e que, simplesmente, se recusam a realizar mais trabalho extraordinário até ao final do ano. Isto não é uma greve, mas uma decisão individual de não fazer algo a que não se está contratualmente ou legalmente obrigado.
Independentemente de concordarmos ou não com estas lutas, o que pedimos é uma PAUSA que, acredito, pode bem ser entendida como uma prova de boa vontade em benefício dos doentes.
Peço também que esta iniciativa seja partilhada com todos os Vossos contactos, sejam ou não profissionais de saúde. Obrigado!

ADENDA 25/12/2023

Apesar do rotundo falhanço do apelo que eu e outros fizemos para uma pausa humanitária nos protestos laborais na área da Saúde (independentemente da justeza dos objetivos), não consigo deixar de nos compararmos com os similares apelos de Francisco e de Guterres (salvas as devidas distâncias!). Afinal os "falcões" não deixam de o ser por mais que vítimas inocentes sofram com o seu agir... É por isso que dirijo os meus votos de Boas Festas e Feliz Ano Novo, em primeiro lugar, às "pombas"!

10 dezembro 2023

Cuidados paliativos em medicina clínica aguda e de emergência



«Questões dos cuidados paliativos em medicina clínica aguda e de urgência, bem como em medicina intensiva»

Tradução espontânea do 
Documento de Consenso aprovado por várias sociedades científicas alemãs: 

Resumo: A integração dos cuidados paliativos é uma componente importante no tratamento médico de várias doenças avançadas. Embora exista uma diretriz alargada da S3 sobre cuidados paliativos para doentes com cancro incurável, continua a faltar uma diretriz para doentes não oncológicos ou uma recomendação específica para doentes tratados em serviços de urgência ou unidades de cuidados intensivos. As presentes orientações de consenso abordam as questões médicas paliativas das respetivas especialidades. A integração atempada dos cuidados paliativos deverá conduzir a uma melhoria da qualidade de vida e ao alívio dos sintomas na medicina clínica aguda e de emergência, bem como na medicina intensiva.

Ver tradução completa do texto AQUI

04 dezembro 2023

A recusa dos médicos em usar máscaras


 

A recusa dos médicos em usar máscaras para proteger doentes vulneráveis - um dilema ético para a profissão médica

Doron Dorfman, LLB, JSD; Mical Raz, MD, PhD, MSc; Zackary Berger,MD, PhD (*)

Tradução espontânea do artigo «Physicians’ Refusal toWear Masks to ProtectVulnerable Patients — An Ethical Dilemma for the Medical Profession»

Em 11 de maio de 2023, o governo federal dos EUA pôs fim à emergência de saúde pública relacionada com a COVID-19. Os Centros de Controlo e Prevenção de Doenças (CDC) dos EUA já não recomendam o uso rotineiro de máscaras universais na maioria dos contextos de cuidados de saúde. Muitos médicos e funcionários de hospitais, clínicas e lares de idosos em todo o país deixaram de usar máscaras regularmente. Pode surgir um conflito quando doentes imunocomprometidos ou com outros fatores de risco que aumentam a sua suscetibilidade a complicações da COVID-19 procuram cuidados de saúde e encontram um médico sem máscara. As pessoas que sofrem de tais condições são consideradas deficientes ao abrigo da Lei dos Americanos com Deficiência (ADA). Atualmente, esses doentes com deficiência têm de embarcar numa “cruzada pessoal pela saúde pública”1 para verem as suas necessidades satisfeitas.

Em teoria, a solução para o problema deveria ser simples: os doentes que usam máscaras para se protegerem, tal como recomendado pelo CDC, podem pedir ao clínicos que usem também uma máscara quando os virem e os clínicos deveriam obedecer, dada a eficácia que as máscaras têm demonstrado na redução da propagação de doenças respiratórias.2 No entanto, os doentes com deficiência relatam que os médicos e outro pessoal clínico se recusaram a usar uma máscara quando os tratam.3,4 Embora seja difícil saber até que ponto este fenómeno é predominante, que recurso têm os doentes? Como é que os sistemas de cuidados de saúde devem abordar os médicos e o pessoal que se recusam a usar máscara quando tratam um doente com deficiência?

Os médicos têm um historial de antagonismo à ideia de que eles próprios podem representar um risco para a saúde dos seus doentes. Quando o médico húngaro Ignaz Semmelweis propôs inicialmente a lavagem das mãos como medida para reduzir a febre purpúrea, foi ridicularizado e ostracizado da profissão.

Os médicos também se mostraram historicamente relutantes em adotar novas práticas para proteger não só os doentes mas também os próprios médicos contra a infeção no meio da epidemia de SIDA. Em 1985, o CDC apresentou as suas diretrizes sobre a transmissão no local de trabalho, instruindo os médicos a prestarem cuidados, “independentemente de se saber se os HCWs [profissionais de saúde] ou doentes estão infetados com HTLVIII/ LAV [vírus linfotrópico T humano tipo III/vírus associado à linfadenopatia] ou HBV [vírus da hepatite B]”.5 Estas diretrizes do CDC propunham precauções universais, métodos padronizados de senso comum e não estigmatizantes para reduzir a infeção. No entanto, alguns médicos não gostaram da ideia de que precisavam de tomar medidas simples e universais de saúde pública para prevenir a transmissão, mesmo nos casos em que a infeciosidade é desconhecida, e, em vez disso, defenderam uma abordagem medicalizada: testar ou usar máscara apenas nos casos em que se sabe que um doente está infetado.6 Esta abordagem individualizada e medicalizada não satisfaz as necessidades de saúde pública do momento.

São os doentes que pagam o preço das objeções dos médicos às mudanças de práticas, quer se trate da lavagem das mãos ou da recusa de cuidados por precaução injustificada contra o VIH. No entanto, atualmente, com a promulgação da lei antidiscriminação de deficientes, os doentes estão protegidos, pelo menos na letra.

Tal como escrevemos noutro local, a legislação federal apoia o direito de uma pessoa com deficiência a solicitar o uso de máscara como uma posição razoável no local de trabalho e nas escolas.7 Desde que publicámos o nosso argumento inicial, surgiu uma divisão nos tribunais federais relativamente a este tópico, no que diz respeito às escolas. Os tribunais distritais da Virgínia, Pensilvânia, Iowa, o Oitavo Circuito e o Décimo Primeiro Círculo aprovaram o uso de máscara como uma posição razoável em ambientes escolares, enquanto os tribunais distritais da Flórida, Pensilvânia, Geórgia, o Quinto Círculo, o Quarto Círculo e o Sexto Círculo não o fizeram. Defendemos agora que os doentes também têm o direito de pedir e exigir que as pessoas que os tratam em ambientes de cuidados de saúde usem uma máscara quando os tratam, como uma posição razoável para uma deficiência, mesmo que deixado de o fazer universalmente.

O uso de máscaras como uma medida de controlo da deficiência em contextos de cuidados de saúde deve ser reconhecido como parte das obrigações éticas dos médicos. O acesso aos cuidados de saúde é uma questão particularmente preocupante, uma vez que as pessoas com deficiência necessitam frequentemente de cuidados de saúde mais frequentes e especializados do que as pessoas sem deficiência. Os médicos têm a responsabilidade ética de promover o bem-estar dos seus doentes e de não causar danos. Usar uma máscara a pedido de um doente com deficiência para o proteger de contrair a COVID-19, que pode ser mortal, enquadra-se perfeitamente na obrigação ética dos médicos de prestar cuidados aos doentes e de garantir a sua capacidade de participar em segurança nos cuidados de saúde.

As medidas de proteção às pessoas com deficiência, uma caraterística única da lei em vigor, são um recurso legal individualizado que visa permitir o acesso total e igualitário às pessoas com deficiência em todas as áreas da vida, incluindo o acesso a instalações e serviços de saúde. A obrigação de proceder a ajustes inclui permitir “adaptações ou modificações apropriadas de... políticas”8 , o que, neste caso, seria usar uma máscara a pedido do doente. De acordo com o Supremo Tribunal dos EUA, para determinar se a utilização de uma máscara durante o tratamento de um doente com deficiência pode ser um a adaptação razoável, o doente tem de demonstrar que é “razoável à primeira vista, ou seja, normalmente ou na maioria dos casos”.9 A utilização de máscaras em determinados contextos de cuidados de saúde estava bem estabelecida mesmo antes da pandemia de COVID-19. No entanto, a pandemia tornou as máscaras ainda mais comuns e menos dispendiosas, sendo essencialmente utilizadas de forma habitual e em casos correntes. Por conseguinte, não se pode argumentar que a utilização de máscaras constitui uma dificuldade indevida para os médicos e para o pessoal dos estabelecimentos de cuidados de saúde (o que significa uma ação que exige uma dificuldade ou despesa significativa com base nos fatores enumerados na ADA, como a natureza do ato, o custo financeiro da adaptação ou os recursos financeiros da entidade abrangida [o hospital]).10

Assim, temos um quadro jurídico (os doentes têm o direito de solicitar ajustes) associado a um quadro ético (os médicos devem proteger os doentes vulneráveis). Como é que podemos aplicar estes princípios para resolver este fenómeno de recusa de máscara por parte dos médicos? O panorama fragmentado do emprego dos médicos, em que a maioria dos médicos trabalha para grupos de médicos (quer pertencentes aos próprios médicos quer a hospitais) e outros trabalham diretamente para hospitais, dificulta a regulação do comportamento dos médicos. Por conseguinte, acreditamos que esta questão requer debates por parte dos organismos reguladores relevantes, incluindo os conselhos médicos estatais e os conselhos de especialidade, os conselhos de credenciação dos hospitais e as agências federais competentes, como o CDC ou os Centros dos EUA para os Serviços Medicare e Medicaid (CMS).

Começando pela Ordem dos Médicos, os médicos devem ser informados das suas obrigações legais para com os doentes com deficiência no que respeita ao uso de máscaras como forma de adaptação. Uma campanha semelhante foi lançada recentemente em relação à disseminação da desinformação sobre a COVID-19, tendo sido tomadas medidas disciplinares em alguns estados. As comissões administrativas, de ética e de credenciação dos hospitais devem estabelecer e aplicar regras que exijam que os médicos e o pessoal se mascarem se tal lhes for pedido por um doente com deficiência. A Joint Commission, uma organização não governamental, deve incluir esta questão nos seus relatórios, tal como outras organizações (por exemplo, o Leapfrog Group) que classificam os hospitais em termos de qualidade e segurança. A desclassificação de um hospital devido à recusa de usar máscara criará um incentivo para que a instituição ponha em prática uma política.

As agências competentes do governo federal, como o CDC (como o fez durante a epidemia de VIH) e o CMS devem também intervir, promulgando diretrizes para médicos e hospitais sobre a importância das adaptações para deficientes. Estas poderiam ser associadas ao reembolso, tal como acontece com outros erros de qualidade e segurança que podem ser comunicados. Em particular, os hospitais devem estabelecer parcerias com pessoas com deficiência para ajudar a efetuar mudanças e ouvir e responder às suas preocupações.

Reconhecer os deveres éticos e os direitos legais é um primeiro passo importante para o desenvolvimento de um quadro que acomode os doentes com deficiência, agora que o uso de máscaras universal já não é a norma em muitos contextos clínicos e, em particular, porque os casos de COVID-19 estão novamente a aumentar. 

________________________

(*) Seton Hall University School of Law, Newark, New Jersey (Dorfman); University of Rochester / Department of History and University of Rochester Medical Center, Department of Medicine, Rochester, New York / (Raz); Johns Hopkins School of Medicine, Johns Hopkins Berman Institute of Bioethics, Baltimore, Maryland (Berger).
REFERÊNCIAS 
1. Macfarlane K. Personal crusades for public health. Bill of Health, Harvard Law Petrie-Flom Center. 2. Palmore TN, Henderson DK. For patient safety, it is not time to take off masks in health care settings. Ann Intern Med. 2023;176(6):862-863. 3. Molteni M. As masks are shed, a routine visit to a medical office can pose Covid risks for some patients. Stat. 4. Macfarlane K. A patient’s right to masked health care providers. Bill of Health, Harvard Law Petrie-Flom Center. 5. Recommendations for preventing transmission of infection with human T-lymphotropic virus type III lymphadenopathy-associated virus in the workplace. 6. Restak R.Worry about survival of society first then AIDS victims’ rights.Washington Post. 7. Raz M, Dorfman D. Bans on COVID-19 mask requirements vs disability accommodations: a new conundrum. JAMA Health Forum. 2021;2(8):e211912. 8. Americans With Disabilities Act, 42 USC §12111(9)(B) (1990). 9. US Airways, Inc v Barnett, 535 US 391 (2002). 10. Americans With Disabilities Act, 42 USC §12111(10) (1990).

01 dezembro 2023

Declaração de Helsínquia

Declaração de Helsínquia

sobre os Princípios Éticos para a Investigação Médica em Seres Humanos

[Adotada pela 18.ª Assembleia Geral da Associação Médica Mundial, Helsínquia, Finlândia, junho 1964, e corrigida pela 29.ª AG da AMM, Tóquio, Japão, outubro 1975, pela 35.ª AG da AMM, Veneza, Itália, outubro 1983, pela 41.ª AG da AMM, Hong Kong, setembro 1989, pela 48.ª AG da AMM, Somerset West, República da África do Sul, outubro 1996, pela 52.ª AG da AMM, Edimburgo, Escócia, outubro 2000, pela 53.ª AG da AMM, Washington 2002 (acrescentado esclarecimento ao parágrafo 29), pela 55.ª AG da AMM, Tóquio 2004 (acrescentado esclarecimento ao parágrafo 30), pela 59.ª AG da AMM, Seul, Coreia, outubro 2008 e 64.ª AG da AMM, Fortaleza, Brasil, outubro 2013.] 

Ver original AQUI

Preâmbulo

1. A Associação Médica Mundial (AMM) elaborou a Declaração de Helsínquia como um enunciado de princípios éticos para a investigação clínica envolvendo seres humanos, incluindo investigação sobre dados e material humano identificáveis. A Declaração deve ser lida como um todo e cada um dos seus parágrafos constituintes deverá ser aplicado tendo em conta todos os outros parágrafos relacionados.

2. De acordo com a missão da AMM, a Declaração dirige-se em primeira linha aos médicos. A AMM incentiva outros participantes da investigação médica em seres humanos a adotar estes princípios.

Princípios gerais

3. A Declaração de Genebra da AMM compromete o médico com as seguintes palavras: "A saúde do meu doente será a minha primeira preocupação" e o Código Internacional da Ética Médica declara que "Um médico deve agir no melhor interesse do doente quando presta cuidados de saúde".

4. É dever do médico promover e proteger a saúde, o bem-estar e os direitos dos doentes, incluindo dos que são alvo de investigação médica. O saber e a consciência do médico são consagrados ao cumprimento deste dever.

5. O progresso médico baseia-se em investigações que, naturalmente, incluem estudos em seres humanos.

6. O objetivo primário da investigação médica em seres humanos é compreender as causas, a evolução e os efeitos das doenças e melhorar as intervenções preventivas, diagnósticas e terapêuticas (métodos, procedimentos e tratamentos). Mesmo as melhores e mais comprovadas intervenções atuais têm de ser continuadamente avaliadas através de investigação sobre a sua segurança, eficácia, eficiência, acessibilidade e qualidade.

7. A investigação médica está sujeita a padrões éticos que promovem e garantem o respeito por todos os seres humanos e protegem a sua saúde e direitos.

8. Embora o objetivo primário da investigação médica seja gerar novo conhecimento, essa finalidade nunca prevalece sobre os direitos e interesses individuais dos participantes na investigação.

9. É dever dos médicos que participam em investigação médica proteger a vida, a saúde, a dignidade, a integridade, o direito à autodeterminação, a privacidade e a confidencialidade da informação pessoal dos participantes. A responsabilidade pela proteção dos participantes sujeitos de investigação cabe sempre ao médico ou outro profissional de saúde e nunca deve ser transferida para o sujeito de investigação, mesmo que este tenha dado consentimento.

10. Os médicos têm de ter em consideração as normas éticas, legais e regulamentares e os padrões de investigação em seres humanos em vigor nos seus países, assim como as normas e padrões internacionais aplicáveis. Nenhum requisito ético, legal ou regulamentar, nacional ou internacional deve reduzir ou eliminar qualquer das proteções relativas a participantes sujeitos de investigação indicadas nesta Declaração.

11. A investigação médica deve ser realizada de modo a minimizar eventuais danos ambientais.

12. A investigação médica em seres humanos só deve ser realizada sob a direção de pessoas com formação, treino e qualificações éticas e científicas apropriadas. Investigar em doentes ou em voluntários saudáveis exige a supervisão de médico ou outro profissional de saúde competente e adequadamente qualificado.

13. Às populações insuficientemente representadas na investigação médica deverá ser proporcionado acesso apropriado a essa participação.

14. O médico apenas pode associar investigação médica com cuidados médicos quando a investigação se justifique pelo seu potencial valor preventivo, diagnóstico ou terapêutico e se o médico tiver boas razões para acreditar que a participação no projeto de investigação não afeta desfavoravelmente a saúde dos doentes participantes sujeitos da investigação.

15. Devem ser assegurados indemnizações e tratamentos adequados aos sujeitos que sofrerem danos por participarem em investigações.

Riscos, incómodos e benefícios

16. Tanto no exercício profissional como na investigação médica, muitas intervenções implicam riscos e incómodos. A investigação médica em seres humanos só deve ser realizada se a importância de o objetivo ultrapassar os inerentes riscos e incómodos para os participantes sujeitos de investigação.

17. Todo o projeto de investigação médica em seres humanos deve ser precedido de uma cuidadosa avaliação dos riscos e incómodos previsíveis para os indivíduos e grupos envolvidos, comparando-os com os benefícios expectáveis, para eles e para outros indivíduos ou grupos afetados pela situação sob investigação. Devem ser implementadas medidas que minimizem os riscos. Os riscos têm de ser sempre monitorizados, avaliados e documentados pelo investigador.

18. Os médicos não devem participar num projeto de investigação em seres humanos a menos que se assegurem de que os riscos em presença tenham sido adequadamente avaliados e possam ser satisfatoriamente controlados. Os médicos devem avaliar se devem continuar, modificar ou interromper imediatamente um estudo quando os riscos pareçam ultrapassar os potenciais benefícios ou logo que haja provas conclusivas de resultados positivos e benéficos.

Grupos e indivíduos vulneráveis

19. Alguns grupos e indivíduos sob investigação são particularmente vulneráveis e têm uma probabilidade aumentada de ser lesados ou de ocorrência de danos adicionais. Todos os grupos e indivíduos vulneráveis necessitam de proteção que lhes seja especificamente dirigida.

20. A investigação médica que envolva grupos vulneráveis apenas é justificada se der resposta a prioridades e necessidades de saúde desse grupo e se a investigação não puder ser feita num grupo não-vulnerável. Além disso, este grupo deve beneficiar do conhecimento, práticas ou intervenções que resultem da investigação.

Requisitos científicos e protocolos de investigação

21. A investigação médica em seres humanos tem de se conformar com os princípios científicos genericamente aceites, fundamentar-se nos conhecimentos da literatura científica e de outras fontes relevantes de informação, na experimentação laboratorial e, se apropriado, animal. O bem-estar dos animais usados para investigação deve ser respeitado.

22. O desenho e o desempenho de cada estudo envolvendo seres humanos têm de ser claramente descritos e fundamentados num protocolo de investigação. O protocolo deve conter um enunciado das questões éticas presentes e deve indicar como foram respeitados os princípios desta Declaração. O protocolo deve incluir informação sobre financiamento, patrocinadores, ligações institucionais, potenciais conflitos de interesse, incentivos para os sujeitos de investigação e informação sobre ajudas e/ou indemnizações para quem seja prejudicado em consequência da participação no estudo. No caso de ensaios clínicos, o protocolo tem também de descrever as disposições relativas às ajudas após o ensaio.

Comissões de ética para a investigação

23. O protocolo de investigação deve ser submetido, para apreciação, comentários, orientação e aprovação, à respetiva comissão de ética para a investigação antes de o estudo começar. Esta comissão tem de ser transparente no seu funcionamento, tem de ser independente do investigador, do patrocinador e de qualquer outra influência e tem de ser qualificada atempadamente. Deve ter em consideração as leis e regulamentos do país ou países onde a investigação decorra, assim como as normas e padrões internacionais aplicáveis, mas sem que isso conduza a uma redução ou eliminação de qualquer das proteções previstas nesta Declaração. A comissão deve ter o direito de monitorizar os estudos em curso. O investigador deve proporcionar à comissão as informações necessárias à monitorização, especialmente as informações referentes a quaisquer acontecimentos adversos graves. Não poderá ser feita qualquer alteração ao protocolo sem apreciação e aprovação pela comissão. No final do estudo, os investigadores têm de submeter um relatório final contendo um resumo dos achados do estudo e as conclusões.

Privacidade e confidencialidade

24. Devem ser tomadas todas as precauções para proteger a privacidade de cada sujeito de investigação e a confidencialidade dos seus dados pessoais.

Consentimento informado

25. A participação de pessoas capazes de dar consentimento informado para serem participantes sujeitos de investigação médica tem de ser voluntária. Embora possa ser apropriado consultar membros da família ou líderes comunitários, nenhuma pessoa capaz deve ser selecionada para um projeto de investigação sem que livremente o aceite.

26. Na investigação médica em seres humanos capazes de consentir, cada potencial sujeito tem de ser informado adequadamente das finalidades, métodos, fontes de financiamento e possíveis conflitos de interesse, ligações institucionais do investigador, benefícios expectáveis, potenciais riscos do estudo e incómodos que lhe possam estar associados, ajudas após o estudo, bem como outros aspetos relevantes do estudo. O potencial participante tem de ser informado do direito a recusar-se a participar no estudo ou de, em qualquer altura, revogar o consentimento de participar sem represálias. Deve ser dada atenção especial às exigências específicas de informação de certos potenciais participantes assim como aos métodos usados para prestar a informação. Após assegurar-se de que o potencial participante compreendeu a informação, o médico ou outro profissional qualificado deve então obter o consentimento livre e informado do potencial participante, preferencialmente por escrito. Se o consentimento não pode ser feito por escrito, o consentimento verbal tem de ser formalmente documentado e testemunhado. Deve ser dada a todos os participantes em investigações médicas a opção de serem informados dos efeitos gerais e resultados do estudo.

27. Quando pede o consentimento informado para a participação num projeto de investigação, o médico deve ser particularmente cauteloso se o potencial participante tem uma relação de dependência consigo ou possa consentir sob coação. Em tais situações o consentimento informado deve ser pedido por pessoa adequadamente qualificada que seja completamente independente dessa relação.

28. Para o caso de um potencial participante na investigação ser incapaz de decidir, o médico tem de pedir o consentimento informado ao seu representante legal. Estas pessoas não devem ser incluídas num projeto de investigação que não ofereça a probabilidade de os beneficiar, salvo se houver a intenção de promover a saúde da população representada pelo potencial participante, se a investigação não puder, em alternativa, ser feita com participantes sujeitos capazes de decidir e se a investigação implicar apenas risco mínimo e incómodo mínimo.

29. Quando se trate de um potencial participante na investigação considerado incapaz para decidir, mas que pode dar assentimento a decisões acerca da sua participação na investigação, o médico deve procurar esse assentimento em acréscimo ao consentimento do representante legal. O dissentimento do potencial participante deve ser respeitado.

30. A investigação envolvendo sujeitos que são incapazes física ou mentalmente de dar consentimento, por exemplo, doentes inconscientes, apenas pode ser feita se a condição física ou mental que os impede de dar o consentimento informado for uma caraterística necessária da população investigada.

Em tais circunstâncias, o médico deve procurar o consentimento informado do representante legal. Se tal representante não está disponível e se a investigação não pode ser adiada, o estudo pode prosseguir sem consentimento informado desde que as razões específicas para incluir sujeitos com uma condição que os impede de dar consentimento estejam expressas no protocolo de investigação e o estudo tenha sido aprovado por uma comissão de ética para a investigação. O consentimento para permanecer na investigação deve ser obtido logo que possível do sujeito ou do seu representante legal.

31. O médico tem de informar inteiramente o doente sobre quais os aspetos da assistência que estão relacionados com a investigação. A recusa de um doente em participar no estudo ou a decisão de um doente interromper a sua participação no estudo nunca pode interferir com a relação médico-doente.

32. Para a investigação médica que usa dados e material humano identificáveis, como investigação com material e dados de biobancos ou repositórios similares, os médicos têm de procurar obter o consentimento para a sua recolha, guarda e/ou reutilização. Pode haver situações excecionais em que o consentimento seja impossível de obter ou inexequível para a investigação em apreço ou ponha em causa a validade da mesma. Em tais situações a investigação apenas pode ser feita após apreciação e aprovação por uma comissão de ética para a investigação.

Uso de placebo

33. Os benefícios, riscos, incómodos e a eficiência de uma nova intervenção têm de ser comparados com a(s) melhor(es) intervenção(ões) comprovada(s), exceto nas seguintes circunstâncias: O uso de placebo, ou a não-intervenção, é aceitável em estudos em que não exista intervenção comprovada; ou Quando, por razões metodológicas convincentes e cientificamente robustas, o uso de qualquer intervenção menos eficaz do que a comprovadamente melhor, o uso de placebo ou a não-intervenção sejam necessários para determinar a eficácia ou a segurança de uma intervenção e os doentes que recebam qualquer intervenção menos eficaz do que a comprovadamente melhor, o placebo ou a não-intervenção não sejam sujeitos a risco adicional de dano grave ou irreversível resultante de não receberem essa intervenção comprovadamente melhor. Devem ser adotadas cautelas extremas para evitar o abuso desta opção.

Ajudas após estudo

34. Os promotores, investigadores e os governos dos países onde se realizam ensaios clínicos devem, antecipadamente, tomar providências sobre o acesso a ajudas após o estudo de todos os participantes que ainda necessitem de uma intervenção identificada como benéfica pelo estudo. Esta informação deve também ser dada a conhecer aos participantes durante o processo de obtenção do consentimento informado.

Registo de estudos e publicação de resultados

35. Todo o ensaio clínico deve ser registado numa base de dados com acesso público antes de se iniciar o recrutamento do primeiro participante.

36. Os investigadores, autores, promotores, revisores e editores têm, todos, obrigações éticas quanto à publicação e disseminação dos resultados da investigação. Os investigadores têm o dever de colocar os resultados das suas investigações em seres humanos publicamente acessíveis e são responsáveis pela exatidão e pela completitude dos seus relatórios. Todos devem acatar normas de orientação em vigor sobre relatórios éticos. Devem ser publicados, ou pelo menos tornados publicamente disponíveis, não só os resultados positivos, mas também os negativos ou inconclusivos. As fontes de financiamento, as ligações institucionais e os conflitos de interesse devem ser declarados quando da publicação. Os relatórios da investigação que não estejam conformes com os princípios desta Declaração não devem ser aceites para publicação.

Intervenções não comprovadas na prática clínica

37. No tratamento de um determinado doente, em que não haja intervenções comprovadas ou estas tenham sido ineficazes, o médico, após procura de aconselhamento especializado, tendo o consentimento informado do doente ou do representante legal, pode usar uma intervenção não comprovada se, em sua firme convicção, tal intervenção oferecer a esperança de salvar a vida, restabelecer a saúde ou aliviar o sofrimento. Esta intervenção deve, de seguida, tornar-se o objeto de investigação, destinada a avaliar a sua segurança e eficácia. Em todos os casos, a nova informação deve ser registada e, quando apropriado, disponibilizada publicamente.

Juramento - Declaração de Genebra

 

Declaração de Genebra

[Adotada pela 2.ª Assembleia Geral da Associação Médica Mundial, Genebra, 1948, revista pela 22.ª Assembleia, Sydney, 1968, pela 35.ª Assembleia, Veneza, 1983 e pela 46.ª Assembleia, Estocolmo 1994, revista na 170.ª Sessão do Conselho, Divonne-les-Bains, 2005, na 173.ª Sessão do Conselho, Divonne-les-Bains, 2006 e na 68.ª Assembleia, Chicago, 2017. Ver original AQUI

Como membro da profissão médica:

PROMETO solenemente consagrar a minha vida ao serviço da humanidade;

A saúde e o bem-estar do meu doente SERÃO as minhas primeiras preocupações;

RESPEITAREI a autonomia e a dignidade do meu doente;

GUARDAREI o máximo respeito pela vida humana;

NÃO PERMITIREI que considerações sobre idade, doença ou deficiência, crença religiosa, origem étnica, sexo, nacionalidade, filiação política, raça, orientação sexual, estatuto social ou qualquer outro fator se interponham entre o meu dever e o meu doente;

RESPEITAREI os segredos que me forem confiados, mesmo após a morte do doente;

EXERCEREI a minha profissão com consciência e dignidade e de acordo com as boas práticas médicas;

FOMENTAREI a honra e as nobres tradições da profissão médica;

GUARDAREI respeito e gratidão aos meus mestres, colegas e alunos pelo que lhes é devido;

PARTILHAREI os meus conhecimentos médicos em benefício dos doentes e da melhoria dos cuidados de saúde;

CUIDAREI da minha saúde, bem-estar e capacidades para prestar cuidados da maior qualidade;

NÃO USAREI os meus conhecimentos médicos para violar direitos humanos e liberdades civis, mesmo sob ameaça.

Juramento de Louis Lasagna

Moderno Juramento de Louis Lasagna

Faculdade de Medicina da Universidade Tufts, 

Medford / Somerville, Massachusets, EUA, 1964. 

Ver original AQUI

JURO cumprir, do melhor modo que possa e saiba, esta declaração:

RESPEITAREI os progressos científicos arduamente alcançados pelos médicos cujos passos seguirei e partilharei com gosto tais conhecimentos, como se fossem meus, com os que vierem depois de mim.

USAREI, em prol dos doentes, todas as medidas que forem necessárias, evitando tanto o tratamento excessivo como o niilismo terapêutico.

RECORDAREI que há arte na medicina, como na ciência, e que cordialidade, simpatia e compreensão podem valer mais que o bisturi do cirurgião ou o medicamento da farmácia.

NÃO ME ENVERGONHAREI de dizer “não sei”, nem deixarei de pedir ajuda aos meus colegas quando sejam necessárias outras competências para a recuperação de um doente.

RESPEITAREI a privacidade dos meus doentes, pois os seus problemas não me são revelados para que todos os conheçam. Especialmente terei todo o cuidado em matéria de vida e morte. Se puder salvar uma vida, assim farei. Mas pode acontecer que esteja nas minhas mãos perder-se uma vida – esta assustadora responsabilidade deve ser enfrentada com grande humildade e com o sentido da minha fragilidade. Acima de tudo, não pretenderei ser Deus.

LEMBRAR-ME-EI que não trato um gráfico de temperaturas ou o crescimento de um cancro, mas sim um ser humano doente cuja doença pode afetar a família dessa pessoa e a sua estabilidade económica. A minha responsabilidade inclui também estes problemas, se quiser cuidar adequadamente deste doente.

TENTAREI PREVENIR doenças sempre que puder, já que prevenir é melhor do que remediar.

LEMBRAR-ME-EI que serei sempre um membro da sociedade com obrigações especiais para com os seres humanos meus semelhantes, tanto os sãos de corpo e espírito como os enfermos.

Se não violar este juramento, poderei desfrutar a vida e a arte, respeitado enquanto viver e recordado com afeto depois. Possa eu agir sempre de modo a preservar as mais admiráveis tradições da minha profissão e por muito tempo sentir a alegria dos que procuram a minha ajuda.

Juramento de Hipócrates (430-370 a.C.)

Tradução de Maria Helena da Rocha Pereira, 1965, 
revista por Wilson Ribeiro Júnior, 1999

Ver original AQUI

JURO por Apolo médico, Asclépio, Hígia, Panaceia e todos os deuses e deusas, e os tomo por testemunhas que, conforme minha capacidade e discernimento, cumprirei este juramento e compromisso escrito:

CONSIDERAR igual a meus pais aquele que me ensinou esta arte, compartilhar com ele meus recursos e se necessário prover o que lhe faltar; considerar seus filhos meus irmãos, e aos do sexo masculino ensinar esta arte sem remuneração ou compromisso escrito, se desejarem aprendê-la; compartilhar os preceitos, ensinamentos orais e todas as demais instruções com os meus filhos, os filhos daquele que me ensinou, os discípulos que assumiram compromisso por escrito e prestaram juramento conforme a lei médica, e com ninguém mais;

UTILIZAREI a dieta em benefício dos que sofrem, conforme minha capacidade e discernimento, e além disso repelirei o mal e a injustiça;

NÃO DAREI, a quem pedir, nenhuma droga mortal, nem recomendarei essa decisão; do mesmo modo, não darei a mulher alguma pessário para abortar;

Com pureza e santidade CONSERVAREI minha vida e minha arte;

NÃO OPERAREI ninguém que tenha a doença da pedra, mas cederei o lugar aos homens que fazem isso.

Em quantas casas eu entrar, ENTRAREI para benefício dos que sofrem, evitando toda injustiça voluntária e outra forma de corrupção, e também atos libidinosos no corpo de mulheres e homens, livres ou escravos.

O que vir e ouvir, durante o tratamento, sobre a vida dos homens, sem relação com o tratamento, e que não for necessário divulgar, CALAREI, considerando tais coisas segredo.

Se cumprir e não violar este juramento, que eu possa desfrutar minha vida e minha arte afamado junto a todos os homens, para sempre; mas se eu o transgredir e não cumprir, que o contrário aconteça. 

Guia sobre o processo de decisão relativo a tratamentos médicos em situações de fim de vida (Conselho da Europa)

Este guia foi elaborado pela Comissão de Bioética (DH‑BIO) [Departamento da Bioética – Direção-Geral dos Direitos Humanos] do Conselho da Europa no quadro do seu trabalho sobre os direitos dos doentes e com a intenção de facilitar a aplicação dos princípios consagrados na Convenção sobre os Direitos do Homem e a Biomedicina (Convenção de Oviedo, ETS n.º 164, 1997) 

Ler AQUI

[NT: ratificada em Portugal pela Resolução da Assembleia da República n.º 1/2001]. 

28 novembro 2023

Cuidados paliativos pediátricos e para adultos: aspetos comuns e diferenças

J Anesth Analg Crit Care 3, 1 (2023)

Cuidados paliativos pediátricos e para adultos: aspetos comuns e diferenças

Tradução espontânea do artigo The adult and pediatric palliative care: differences and shared issues. 

Resumo

Os cuidados paliativos (CP) pediátricos e para adultos partilham objetivos e princípios éticos comuns, mas diferem em muitos aspetos organizacionais e práticos. O objetivo desta revisão narrativa é analisar estas diferenças e centrar-se nos aspetos fundamentais dos cuidados paliativos pediátricos que possam integrar os serviços para adultos, a fim de prestar melhores cuidados aos doentes em sofrimento.

As intervenções que são específicas dos CP pediátricos comparativamente aos CP para adultos incluem uma referenciação mais precoce para os serviços de CP, a fim de identificar as necessidades e planear as intervenções numa fase mais precoce da doença; consequentemente, uma cooperação mais sistemática com os médicos especializados na doença, a fim de reduzir o peso dos tratamentos; uma melhor integração na comunidade e no meio social dos doentes, a fim de evitar o isolamento social e preservar o seu papel social; uma organização mais dinâmica dos serviços de CP, para dar aos doentes a possibilidade de serem estabilizados em ambientes hospitalares ou residenciais e, subsequentemente, receberem alta e serem tratados no domicílio sempre que possível e desejado; a implementação de cuidados temporários para adultos, para ajudar as famílias a lidar com o peso da doença do seu ente querido e promover os CP no domicílio.

Esta revisão sublinha a relevância de alguns aspetos-chave dos CP pediátricos que podem ser benéficos também nos CP dos adultos. As suas conclusões permitem uma organização mais dinâmica e moderna dos serviços de CP para adultos e podem servir de base para a investigação futura de novas intervenções.

ver tradução do texto completo AQUI

25 novembro 2023

Efeméride - 25 de novembro de 1873

Neste dia nasceu, há 150 anos, o meu avô Rosalvo da Silva Almeida, vindo a falecer em 1937. Filho de pai português e mãe brasileira, fundou quando tinha 21 anos, com Manuel Santos Pereira (1868-1958), marido de sua irmã Josefina, a Saboaria e Perfumaria Confiança, em Braga. Casou com Carolina Peixoto (1877-1950) e tiveram 5 filhos – Maria Luísa (1901-61), José Maria (1903-82), Alda (1906-50), Georgina (1907-89) e João Eulálio (1911-94). O mais novo casou com Maria do Céu (1909-75) e tiveram 3 filhos – José António (1942-2010), João Maria (1944-2023) e Rosalvo Manuel (1946).

02 novembro 2023

A justificação da greve nos cuidados de saúde

 A justificação da greve nos cuidados de saúde: Uma síntese interpretativa crítica sistemática

Ryan Essex e Sharon Marie Weldon - Universidade de Greenwich, Reino Unido

Tradução espontânea, para distribuição sem fins lucrativos, do resumo e conclusões do artigo publicado em abril de 2022 na revista Nursing Ethics: Thejustification for strike action in healthcare: A systematic criticalinterpretive synthesis

Resumo As greves no setor da saúde têm sido um fenómeno comum a nível mundial. Uma vez que essa ação é concebida para ser perturbadora, cria uma tensão ética substancial, a mais citada das quais está relacionada com os danos causados aos doentes, ou seja, uma greve pode não só perturbar o empregador, mas também pode ter sérias implicações para a prestação de cuidados. Este artigo fez uma revisão sistemática da literatura sobre a greve nos cuidados de saúde, com o objetivo de traçar uma panorâmica das principais justificações para a greve, identificando os pontos fortes e as deficiências relativas desta literatura e dando orientações para futuros debates e investigação teórica e empírica. Surgiram três temas principais relacionados com (1) a relação entre os trabalhadores do setor da saúde, os doentes e a sociedade; (2) as consequências da greve; e (3) a condução da greve. Os que argumentam contra as greves citam geralmente os danos de tais ações, especialmente no que diz respeito aos doentes. Muitos argumentam também que os profissionais de saúde, devido às suas competências e à sua posição na sociedade, têm uma obrigação especial para com os seus doentes e a sociedade em geral. Aqueles que veem esta ação não só como permissível, mas também, em alguns casos, como necessária, têm avançado vários pontos em resposta, argumentando que os profissionais de saúde não têm necessariamente qualquer obrigação especial para com os seus doentes ou a sociedade e, mesmo que tenham, essa obrigação não é absoluta. Na sua esmagadora maioria, ao falarem dos riscos potenciais da greve, os autores centraram-se no bem-estar dos doentes e no impacto que uma greve poderia ter. São identificadas várias direções para o trabalho futuro, incluindo uma maior exploração da forma como as questões estruturais e sistémicas têm impacto nas greves, a necessidade de uma maior consideração sobre os fatores contextuais que influenciam os riscos e as características das greves e, finalmente, a necessidade de ligar esta literatura às provas empíricas existentes.

[…]

Orientações e conclusões futuras Dada a frequência e a natureza de alto risco das greves, é talvez surpreendente que não tenha havido mais discussão sobre estas questões. Escusado será dizer que há margem para fazer avançar os trabalhos sobre esta matéria de várias formas. Muitas das questões relacionadas com a admissibilidade de uma greve estão relacionadas com pressupostos fundamentais sobre o que os profissionais de saúde devem aos seus doentes e à sociedade. Embora tenha havido um debate substancial sobre este tópico em geral, sabemos relativamente pouco sobre a forma como os trabalhadores do setor da saúde e, em particular, os doentes e o público em geral percecionam as greves no setor da saúde. Poder-se-ia argumentar que os profissionais de saúde têm obrigações para com os seus doentes e para com a sociedade em geral, nomeadamente no que se refere à manutenção de um sistema de saúde funcional, por exemplo. Pelo contrário, poder-se-ia argumentar que a obrigação primordial de um trabalhador do setor da saúde é para com os seus doentes. Poderá ser feito um trabalho mais aprofundado para explorar estes pressupostos, bem como as suas implicações relacionadas com a greve. Também parece haver mais espaço para explorar a forma como as questões estruturais e sistémicas afetam a ação grevista. Embora vários autores tenham argumentado que a greve não é apenas uma responsabilidade individual e que, em vez disso, se deve normalmente a múltiplas falhas estruturais, há margem para explorar este ponto no trabalho teórico e empírico e a forma como os fatores históricos, estruturais, sociais e sistémicos influenciam a greve, por exemplo, o estudo de Kowalchuk. Também deve ser dada mais atenção à forma como uma greve é conduzida, podendo dizer-se mais sobre o contexto em que as greves ocorrem, as suas exigências, as contingências postas em prática durante a greve e a forma como estas ações são enquadradas. Ao apresentar os seus argumentos, vários artigos aqui analisados parecem ter feito suposições sobre a natureza da ação grevista, por exemplo, que os médicos são bem pagos. Embora seja verdade na maior parte do Norte global, isto não pode ser dito em todo o mundo. Pode acontecer que os médicos de certas partes do mundo tenham menos razões para fazer greve por aumentos salariais do que outros, por exemplo, em países com rendimentos mais baixos. Pode acontecer que a greve não se justifique em países autoritários devido aos riscos que comporta. Além disso, pouco foi dito sobre a natureza dinâmica das greves, em especial as que são prolongadas; os riscos, as reivindicações e a natureza da greve podem frequentemente evoluir, alterando o cálculo quanto à justificação de tal ação. Intimamente relacionado com este ponto, é necessário ligar esta literatura aos dados empíricos existentes. Ao longo de várias décadas, têm vindo a aumentar as provas empíricas sobre o impacto das greves; em termos gerais, esta literatura examina o impacto das greves nos resultados dos doentes e na prestação de cuidados de saúde. Embora esteja para além do âmbito deste artigo discutir esta literatura em pormenor, deve dizer-se que esta literatura não traça um quadro claro sobre o impacto das greves e, quando muito, há uma série de estudos que mostraram que, se forem tomadas medidas de contingência, os resultados dos doentes são minimamente afetados, assim como a prestação de serviços.

Nas últimas décadas, as greves no setor da saúde têm sido comuns, e mesmo nos últimos 18 meses, durante a pandemia de COVID-19, o mundo assistiu a um aumento das greves e da agitação entre os trabalhadores do setor da saúde. É pouco provável que estas questões se dissipem, uma vez que os impactos contínuos da pandemia, juntamente com décadas de negligência, se conjugam para apresentar desafios sem precedentes aos trabalhadores do setor da saúde. Esperamos que a análise acima apresentada comece não só a lançar luz sobre algumas das questões mais controversas relacionadas com este tipo de ação, mas também a fornecer alguma orientação para fazer avançar as conversações sobre estas questões. Infelizmente, as greves continuarão a ser uma caraterística de muitos locais de trabalho no setor da saúde num futuro previsível; as questões sobre a forma como essas ações podem ser levadas a cabo, minimizando o risco para os doentes e outros, continuam a ser tão prementes como sempre.

30 outubro 2023

Decisões de tratamento médico nas UCI sobre doentes não-representados

 

Am J Respir Crit Care Med. 2020 May 15;201(10):1182-1192

Decisões de tratamento médico nas UCI sobre doentes não-representados

 Tradução espontânea, para distribuição sem fins lucrativos, da seguinte Declaração: MakingMedical Treatment Decisions for Unrepresented Patients in the ICU, publicada em maio de 2020.

Antecedentes e razões de ser: Os clínicos das Unidades de Cuidados Intensivos (UCI) tratam regularmente doentes que não têm capacidade, nem uma diretiva avançada aplicável, nem um decisor substituto disponível. Embora não haja consenso sobre a terminologia, referimo-nos a estes doentes como “não-representados”. Existe uma controvérsia considerável sobre como tomar decisões de tratamento para esses doentes, e há uma variabilidade significativa tanto na lei como na prática clínica. ®Finalidade e objetivos: Esta declaração de várias sociedades apresenta aos clínicos e administradores hospitalares recomendações para a tomada de decisões em nome de doentes não-representados no contexto dos cuidados intensivos.

Ver tradução do texto completo AQUI

Quando um doente procura conselhos ou informações sobre a assistência no morrer

 

Quando um doente procura conselhos ou informações sobre a assistência no morrer


Tradução espontânea para distribuição sem fins lucrativos do guia do GMC 
«Patients seeking advice or information about assistance to die», atualizado em 2022

1. Os médicos enfrentam desafios difíceis ao responderem com sensibilidade e compaixão a um doente que procura conselhos ou informações sobre como apressar a sua morte, assegurando-se simultaneamente de que a sua resposta não viola a lei ao encorajar ou ajudar o doente a cometer suicídio.1

2. As boas práticas médicas deixam claro que ouvir os doentes, proporcionar-lhes informação e respeitar as suas decisões e escolhas são parte integrante das boas práticas. Os médicos devem:

a) demonstrar respeito pela vida humana

b) fazer do cuidado dos seus doentes a sua primeira preocupação

c) seguir as leis, as nossas orientações e outros regulamentos relevantes para o seu trabalho

d) assegurar que a sua conduta justifica sempre a confiança que os seus doentes depositam neles e a confiança do público na profissão

e) ouvir os doentes e respeitar as suas opiniões sobre a sua saúde

f) dar aos doentes as informações que eles querem ou precisam para que possam tomar decisões sobre a sua saúde ou cuidados de saúde e responder às perguntas dos doentes de forma honesta e, na medida do possível, tão completa quanto os doentes desejarem

g) tratar os doentes como indivíduos e respeitar a sua dignidade e privacidade

h) respeitar o direito dos doentes capazes de tomarem decisões sobre os seus cuidados, incluindo o direito de recusarem tratamentos, mesmo que isso conduza à sua morte2

i) prestar bons cuidados clínicos, incluindo tratamentos para lidar com a dor dos doentes e outros sintomas perturbadores.

3. Além disso, as orientações sobre Tratamento e cuidados no fim da vida: boas práticas na tomada de decisões estabelecem a obrigação de os médicos:

a) conversar com os doentes sobre as suas opções de tratamento (incluindo a opção de não receber tratamento) e os planos para o tratamento futuro, incluindo os tipos de tratamento ou de cuidados que os doentes desejariam – ou não desejariam – quando já não puderem decidir ou expressar as suas próprias decisões

b) criar oportunidades para os doentes expressarem as suas preocupações e medos sobre a progressão da sua doença e sobre a sua morte e para exporem as suas vontades.

4. Também deixam claro que os médicos não são obrigados a ministrar tratamentos que considerem não serem globalmente benéficos para o doente ou que o prejudiquem.

5. Quando os doentes abordam a questão de os ajudar a pôr termo à sua própria vida, ou pedem informações que os possam encorajar ou ajudar a fazê-lo, o respeito pela autonomia do doente não pode justificar uma ação ilegal.3

6. O médico deve:

a) estar preparado para ouvir e analisar as razões do pedido do doente
b) limitar qualquer conselho ou informação em resposta a:

i. uma explicação de que é um delito criminal que qualquer pessoa encoraje ou ajude uma pessoa a cometer ou tentar suicídio, e

ii. um aconselhamento objetivo sobre as opções clínicas legais (tais como sedação paliativa [NT: ver em Portugal a Lei n.º 31/2018] e outros cuidados paliativos) que estejam disponíveis, se os doentes chegarem a uma decisão estabelecida de pôr fim à sua própria vida.

Para evitar dúvidas, isto não impede que um médico concorde antecipadamente em aliviar a dor e o desconforto envolvidos para esses doentes, caso seja necessário gerir esses sintomas.

c) ser respeitador e compassivo e continuar a prestar cuidados adequados aos doentes
d) explorar a perceção que os doentes têm da sua situação atual e do seu plano de cuidados
e) avaliar se os doentes têm necessidades de cuidados paliativos não satisfeitas, incluindo a gestão da dor e dos sintomas, apoio psicológico, social ou espiritual.

7. É importante notar que nada nestas diretrizes impede os médicos de prescreverem medicamentos ou tratamentos para aliviar a dor ou outros sintomas angustiantes. O documento Tratamento e cuidados no fim da vida: boas práticas na tomada de decisões impõe aos médicos o dever de prestar esses cuidados.

Nota: Ler também as Guidance for the Investigation Committee and case examiners quando se trata de alegações sobre o envolvimento de um médico no incentivo ou auxílio ao suicídio. Abrange questões como os pedidos de acesso ao abrigo da lei de proteção de dados, a redação de relatórios e as ações de compaixão por parte de médicos que são familiares de doentes.

_______________
Referências
1 No presente documento, utilizamos a terminologia "pôr termo à sua própria vida" em vez de suicídio, exceto quando fazemos uma referência direta a ilícitos criminais.
2 Um doente que morre em resultado da progressão natural da sua doença, após a recusa de um tratamento de prolongamento da vida, não comete suicídio. Airedale NHS Trust v Bland [1993] 1 All ER 821, Re JT (Adult: Refusal of medical treatment) [1998] 1 FLR 48 and Re AK (Medical treatment: Consent) [2001] 1 FLR 129
3 Os médicos que não tenham a certeza sobre a forma como uma determinada ação pode ser considerada em termos legais devem procurar aconselhamento jurídico atualizado. Este pode ser obtido junto de uma organização de defesa de direitos, de uma associação profissional ou do departamento jurídico da entidade patronal.