30 junho 2018

Vale a pena!

Revista Sinapse, volume 18, n.º 1, maio 2018

Breve reflexão, em forma de carta aberta, sobre um percurso profissional e o modo como a Neurologia pode ser vista por dentro. Tentativa de testemunhar aos jovens neurologistas o quanto pode ser importante saber lidar com o prognóstico e ter sempre presente que o doente é algo mais do que um caso clínico.

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04 junho 2018

Negligência médica: não há vencedores

Negligência médica: não há vencedores 

Tradução do editorial Medical negligence: there are no winners

Os custos com a negligência médica no Serviço Nacional de Saúde (SNS) do Reino Unido estão a atingir novos níveis insustentáveis. No início deste mês, uma menina de 9 anos conseguiu uma indemnização que pode ultrapassar os 17,1 milhões de euros por ter nascido com icterícia grave de que resultou uma lesão cerebral. O SNS gastou 2 mil milhões de euros em reclamações por negligência no ano financeiro de 2017-18 e o custo anual duplicou desde 2010. O total de passivos calculado para 2017-18 – a despesa do SNS se todas as reclamações fossem bem-sucedidas – é de 74,4 mil milhões de euros, bem acima da estimativa para 2015-16 de 64,1 mil milhões de euros.

No futuro, o número de ações judiciais parece destinado a aumentar ainda mais. A mais recente pequena falha informática, responsável por 450 mil mulheres não receberem uma convocatória para mamografias de rastreio, persistiu alegadamente no sistema desde 2004, cinco anos antes da data indicada pelo Ministro da Saúde Jeremy Hunt – como disseram Shama Sheikh e Peter Sasieni num texto publicado online na revista The Lancet.

A negligência médica tem sido objeto de análises detalhadas e repetidas. Em 1999, o relatório de referência do Instituto de Medicina dos EUA, To Err is Human: Building a Safer Health System, previu que os erros médicos evitáveis conduziram a cerca de 98000 mortes todos os anos nos hospitais dos EUA. Confirmou-se que os erros hospitalares eram a oitava principal causa de morte em todo o país e que as questões relacionadas com a responsabilidade legal desencorajavam as equipas de saúde de relatar erros. Em 2004, o então diretor clínico (Chief Medical Officer) Liam Donaldson disse numa conferência sobre segurança do doente que “Errar é humano, encobrir é imperdoável e não aprender é indesculpável”. No Reino Unido, a questão foi exaustivamente avaliada num inquérito público que levou à publicação, em 2013, do Relatório Francis, na sequência dos acontecimentos no Mid Staffordshire NHS Foundation Trust, onde, pelo menos, 1200 pessoas morreram entre 2005 e 2009 devido a cuidados inferiores ao padrão.

Mais recentemente, o documento de estratégia, Delivering fair resolution and learning from harm, publicado em abril de 2017 pela autoridade de contencioso do SNS – NHS Resolution – sublinhou a necessidade da honestidade o mais cedo possível em situações potencialmente litigiosas. Há novas formas de ver desde a revisão de casos de paralisia cerebral ou lesão cerebral em que, entre 2012 e 2016, foi estabelecida uma responsabilidade legal. As queixas relacionadas com obstetrícia e possíveis danos neonatais representam 50% do valor total de todas as especialidades. O relatório da NHS Resolution “Cinco anos de queixas a propósito de Paralisia Cerebral”, publicado em setembro de 2017, revelou que as famílias estavam envolvidas apenas em 20 das 50 investigações em que ocorreu um incidente grave. Também concluiu que as investigações dos casos se concentravam mais nas pessoas do que nos sistemas. Curiosamente, a necessidade de evitar “o risco de danos antes que aconteçam” é uma recomendação da carta publicada em The Lancet por Terence Stephenson, cuja liderança do General Medical Council foi essencial para que a jovem médica Hadiza Bawa-Garba visse cassada a sua cédula médica depois de ter sido condenada por homicídio por negligência grosseira. Ela pode ainda recorrer no Tribunal da Relação em março.

Várias soluções estão a ser utilizadas para minimizar o problema. Por exemplo, após um ensaio piloto, foi lançado em dezembro de 2016 um serviço de mediação que, depois de investigar 47 denúncias fatais ou relativas a idosos, conseguiu resolver 81% dos casos sem recorrer ao tribunal. Em 2019, será introduzido um esquema de indemnização apoiado pelo Estado para aliviar o peso do aumento dos prémios de seguro de saúde.

As medidas adicionais atualmente em fase de avaliação são a introdução de regimes de custo fixo para queixas até ao valor de 25000 libras, a utilização de um perito por processo que atue em conjunto com o queixoso e o arguido e o nivelamento dos custos com o perito num máximo de 1200 libras. O Conselho de Justiça Civil (Civil Justice Council) criou um grupo de trabalho para avaliar as propostas, e deve fazer as suas recomendações em setembro deste ano. Os opositores temem que o acesso à justiça esteja em risco, visto que os queixosos podem não conseguir encontrar um advogado preparado para trabalhar em regime de remunerações fixas. Também foram levantadas preocupações com a segurança do doente: os entrevistados defendem que, se o acesso à justiça é impedido e os casos com mérito não são tratados, então o SNS não é capaz de aprender com o que acontece.

Nenhuma medida isolada irá solucionar o problema insustentável do aumento dos custos devidos a negligência médica. No entanto, várias ações importantes – no contexto de um contínuo aumento das despesas – podem ajudar: i) a promoção da honestidade [NT: ver ou rever A importância de ser honesto], ii) a defesa de uma cultura de solução de problemas [NT: ver ou rever Mediação Bioética, por exemplo] em vez da culpabilização do indivíduo e iii) a melhoria na qualidade de um serviço que tem sido, durante 70 anos, crucial na prestação de cuidados de saúde equitativos a milhões de pessoas. Em negligência médica, não há vencedores. ¢ The Lancet