01 novembro 2006

Sim, voto Sim

  Revista OM - novembro/2006

Aproxima-se a data do referendo e conhece-se já a pergunta que vai ser colocada para que cada português responda Sim ou Não.

Os médicos, enquanto cidadãos, vão igualmente responder na discrição das cabines de voto mas o debate está lançado no campo profissional.

O debate ganha foros de polémica pelas implicações que o resultado do referendo terá no Código Deontológico dos médicos. E, quando há polémica, é lógico e lícito que alguns manifestem em voz alta as suas próprias convicções. Entendo, por isso, que o devo fazer aqui, datando esta declaração de 03Nov2006 e enviando-a para publicação na Revista da Ordem dos Médicos.

Voto Sim à lei porque essa é uma parte importante do combate ao aborto sujo e escondido, feito com exploração da ignorância de algumas mulheres. Voto Sim à lei porque acho que, mesmo com a máxima informação sobre métodos anticoncetivos, haverá sempre gravidezes indesejadas e indesejáveis que podem ser evitadas na fase em que um pequeno agrupamento de células vivas ainda não é um verdadeiro ser vivo. Voto Sim à lei porque permite fazer sair da sombra um enorme número de interrupções, ainda que isso possa parecer um aumento de geral dos abortos. Voto Sim porque a lei deve manter um limite para além do qual deve manter-se a proibição do recurso livre à interrupção da gravidez.

O debate sobre as relações entre o legal e o ético é antigo e nunca acabado. Concordo com José Roberto Goldim quando este chama a atenção para o facto de que as regras da Moral – “assumidas pela pessoa, como uma forma de garantir o seu bem-viver” – e as do Direito – “valem apenas para aquela área geográfica onde uma determinada população ou seus delegados vivem” – nem sempre coincidem, justificando-se as situações de desobediência civil ou, acrescento eu, de objeção de consciência. Já quanto à Ética – “estudo geral do que é bom ou mau” – ela não estabelece regras, embora ajude a compreender as do Direito e da Moral.

O Código Deontológico é uma forma particular de Direito autorregulador da profissão e tem, indubitavelmente, de estar de acordo com o Direito geral. Decorre deste facto que a Ordem não poderá deixar de adaptar o seu Código Deontológico, enquanto corpo de regras que balizam os deveres próprios da profissão médica em Portugal.

A proposta de rever o Código, prevendo como sanção a "repreensão ética e pública dos médicos que intervierem na prática de abortos sem indicação [clínica]", apresentada recentemente (in jornal Público de 2006-11-02), é, em minha opinião, quase tão errada como a afirmada pelo Bastonário: “um código resultante de uma ética não é modificável por alterações legais que derivam da vontade da sociedade” (in revista Sábado de 2006-11-01). Se esta afirmação é insustentável, aquela mostra-se incongruente.

Se a Lei permitir algo que a Moral me impede, a única saída é a objeção de consciência. Se a minha consciência ética não reprova os meus atos e os meus atos são legais, não admito que outros – pretensos detentores da Ética Oficial – me apontem o dedo acusatório e me condenem publicamente, mesmo que só com uma reprimenda.