01 março 2007

Objeção de consciência – o direito e os deveres relacionados

Revista OM - março/2007

O nosso Código Deontológico (CD), aliás como a Constituição da República e a Associação Médica Mundial, prevê que o Médico possa invocar objeção de consciência para se recusar a praticar um ato que se lhe pede ou que se espere que ele pratique.

O direito de recusa de assistência necessita, contudo, de regulamentação já que importa prever que nem tudo o que se pode fazer, se deve fazer. Essa é, aliás, uma das dimensões éticas da nossa profissão – o dever é mais importante do que o poder, como o lícito é mais importante que o útil e a pessoa mais importante que a técnica.

O nosso velho Código Deontológico no seu Artigo 30.º (Objeção de consciência) deveria, a meu ver, ter a seguinte redação: «O Médico tem o direito de recusar a prática de ato da sua profissão quando tal prática entre em conflito com a sua consciência, ofendendo os seus princípios morais, religiosos, culturais ou filosóficos, ou quando haja manifesta contradição com este Código», já que os Médicos não têm várias consciências.

Por outro lado, o direito enunciado deve ter limites e, por isso, o CD deveria prever um parágrafo que os indique. Por exemplo: «Comete falta deontológica grave o Médico que, declarando-se objetor de consciência para um determinado ato, o pratique sem curar de anular a sua situação de objetor ou de apresentar clara justificação ética em caso de exceção.»

No entanto, todos sabemos que, para além da objeção de consciência (aquela em que invocamos os nossos princípios), há outras situações em que queremos ter o direito de recusar um ato que nos é imposto pelas chefias ou por normas de orientação (guidelines ou protocolos).

Torna-se assim necessário criar um novo artigo denominado “Objeção técnica” que poderia ter o seguinte texto: «A recusa de subordinação a ordens técnicas oriundas de hierarquias institucionais, legal ou contratualmente estabelecidas, ou a normas de orientação adotadas institucionalmente, só pode ser usada quando o Médico se sentir constrangido a praticar ou deixar de praticar atos médicos contra a sua opinião técnica, devendo justificar-se de forma clara.» O CD atual dedica vários artigos a situações de recusa de assistência. Note-se que o código devia enumerar os deveres pois, neste particular, mais parece uma carta de direitos ao enumerar, de acordo com os artigos 36.º a 38.º, vários casos em que os Médicos podem invocar esse direito.

Ora, a meu ver, esses artigos deveriam ter uma formulação algo diferente e, além disso, englobar o caso da greve que o CD acolhe noutro capítulo. Assim, impõe-se que aqueles artigos tenham uma redação clara e transparente, definindo os deveres dos Médicos quando entendam recusar assistência. A saber:

1. O Médico só pode recusar a assistência ou a continuidade de assistência a um doente desde que desse facto não resulte prejuízo para o doente e desde que haja outro Médico de qualificação equivalente a quem o doente possa recorrer.

2. O Médico que invoque objeção, técnica ou de consciência, para não executar um ato ou opte pela recusa de assistência tem o dever de fornecer todos os esclarecimentos necessários para a continuidade da assistência e de advertir o doente ou a família com a devida antecedência.

3. Quando a recusa de assistência resulte de adesão a greve legal, o Médico deve, sejam quais forem as circunstâncias, assegurar-se da continuidade dos cuidados terapêuticos necessários aos seus doentes, bem como da assistência a doentes urgentes e graves.

4. Quando a recusa de assistência resulte da discordância, por parte do doente, da família ou do representante legal, sobre os exames ou tratamentos indicados pelo Médico, este deve, previamente, assegurar-se de que esgotou todas as formas de esclarecimento acerca dos atos que pretendia promover e de que respeitou, na medida do possível e de acordo com a sua capacidade de discernimento, as opções do doente.

Estas propostas, como outras que tencionamos apresentar sobre outras áreas de Deontologia Médica, são um contributo para um debate que se pretende alargado e resulte num CD em que todos os Médicos se possam rever.