08 junho 2022

Plano Antecipado de Cuidados e Diretivas Antecipadas de Vontades

Aging Clinical and Experimental Research (2022) 34:325–330

Plano Antecipado de Cuidados e Diretivas Antecipadas de Vontades: uma visão geral sobre as principais questões críticas

Cristina Sedini (a), Martina Biotto, Lorenza M. Crespi Bel’skij,
 Roberto Ercole Moroni Grandini, Matteo Cesari

Tradução espontânea do artigo 

Resumo O plano antecipado de cuidados (PAC) é um processo que garante o respeito pelos valores e prioridades do doente sobre os seus futuros cuidados no fim da vida. Consiste em múltiplas conversas com o profissional de saúde que podem levar à redação de Diretivas Antecipadas de Vontade (DAV), um conjunto de documentos legais úteis aos clínicos e familiares para a tomada de decisões críticas em nome do doente, se este ficar incapaz. Nos últimos anos, o PAC tornou-se particularmente relevante dado o crescimento de doenças crónicas, o aumento da esperança de vida e a crescente tendência para a autonomia de decisão do doente. Vários países introduziram regulamentações específicas do PAC e das DAV. No entanto, a sua difusão é acompanhada de limitações e questões imprevistas, dificultando a sua adoção completa e sistemática. O presente artigo descreve vários aspetos controversos do PAC e alguns dos desafios mais significativos nos cuidados em fim de vida.

Introdução

O plano antecipado de cuidados (PAC) é um processo concebido para ajudar o doente (desde o início da doença até ao fim da vida) a definir as futuras intervenções médicas e de cuidados em fim de vida de acordo com os seus valores, desejos e preferências [1]. O PAC implica uma comunicação clara entre a pessoa, a sua família e o pessoal médico que irá cuidar dela. Embora não seja o objetivo principal do processo, o PAC pode levar à elaboração das chamadas Diretivas Antecipadas de Vontade (DAV). Nestes documentos escritos, o indivíduo expressa as suas preferências pessoais sobre futuros tratamentos médicos no caso de ficar incapacitado de os apresentar [2]. Contudo, um indivíduo pode escrever uma DAV sozinho em qualquer altura da sua vida, mesmo na ausência de doença.

O aumento mundial das doenças crónicas, o aumento da esperança de vida e a importância da personalização dos cuidados suscitaram significativamente o interesse e as discussões em torno do PAC. Nestes últimos anos, muitos países têm vindo a desenvolver leis específicas para regular e melhorar a qualidade dos cuidados oferecidos no final da vida. No entanto, muitas fragilidades e questões críticas surgem frequentemente (e não surpreendentemente), dada delicadeza de um assunto que envolve aspetos éticos relevantes. No presente artigo, apresentamos os pontos mais significativos discutidos na literatura e damos exemplos de como alguns países tentaram resolvê-los.

Consentimento informado

A essência dos cuidados de saúde e sociais é respeitar a autonomia da pessoa que tem o direito de aceitar ou recusar as intervenções propostas. O consentimento informado é amplamente considerado como uma forma de respeito pela autonomia do indivíduo. Contudo, só é válido se a pessoa for capaz, adequadamente informada e não for coagida [3].

Em termos práticos, procurar o consentimento informado de uma pessoa pode ser desafiante, especialmente quando o indivíduo perdeu a capacidade para compreender informações médicas relevantes e para distinguir criticamente as alternativas. Esta é uma questão bastante comum na medicina geriátrica, onde as pessoas mais velhas apresentam frequentemente fragilidades, doenças crónicas e/ou declínios funcionais que afetam a sua capacidade de decisão [4]. Um DAV pode, assim, representar um instrumento ideal para o adequado plano de cuidados médicos de acordo com os desejos da pessoa quando esta ainda é capaz de os descrever [5]. O preenchimento atempado da DAV é crítico e exige que os valores e preferências da pessoa sejam debatidos e desde logo registados. De salientar um comprovado possível impacto positivo das DAV na gestão dos cuidados de saúde de pessoas com doenças degenerativas e/ou terminais. Por exemplo, foi demonstrado que as DAV estão associadas a uma diminuição do risco de hospitalização, maior concordância entre os desejos de fim de vida do indivíduo com os cuidados prestados [6], redução de procedimentos desnecessários/invasivos (por exemplo, inserção de tubos de alimentação) [7] e a uma menor pressão sobre os prestadores de cuidados [8].

Autonomia da pessoa e ética na medicina

Na vida real, muitas vezes não é fácil conciliar as decisões anteriormente expressas pela pessoa com as decisões que o médico pode tomar com base na sua competência e princípios éticos. Tanto o indivíduo como o clínico podem correr o risco de prolongar a vida a qualquer custo com tratamentos desproporcionados, desnecessários ou inúteis. Da mesma forma, os doentes podem recusar propostas de tratamento, sem atender ao processo diagnóstico-terapêutico e ao alívio do sofrimento. Este ponto controverso pode ser expresso pelo chamado conceito de “força vinculativa”, descrevendo a relação conflituosa do clínico com uma DAV de que discorda.

Alguns clínicos podem dar prioridade à autonomia do indivíduo no processo de tomada de decisões, apesar das suas crenças e objeções pessoais. Por outro lado, alguns clínicos podem recusar-se a seguir a DAV de um doente devido a verem um erro na não intervenção perante uma condição potencialmente reversível, baseando-se em provas científicas. Além disso, pode ser possível que o clínico considere irrelevante um pedido incluído na DAV, quando a intervenção não seria do interesse da pessoa (por exemplo, adoção de tratamentos invasivos na presença de uma doença em fase terminal) [9]. Também está relatado que há doentes que receberam tratamentos com subsequente prolongar da vida nos seus últimos dias, apesar de terem previamente manifestado a sua preferência apenas pelo controlo de sintomas [10].

Em situações de emergência, a importância de agir com intervenções rápidas torna a DAV um obstáculo para os clínicos devido à falta de tempo para encontrar, ler e interpretar a documentação. Por esta razão, os tratamentos agressivos são muitas vezes administrados nos serviços de emergência sem ter em conta, igualmente, a vontade do indivíduo [9,11]. É também digno de nota que alguns clínicos acreditam que as pessoas carecem de conhecimentos médicos necessários para julgar corretamente os prós e os contras das intervenções. Outro obstáculo à aplicação das DAV é, por vezes, representado pela oposição da família às decisões da pessoa [12]. Se um membro da família solicitar um desvio da DAV da pessoa, o médico pode encontrar-se a ter de mediar, adotando subjetivamente soluções.

Como informar uma pessoa sobre o PAC

Normalmente, os sistemas de saúde não são concebidos para abordar o PAC de forma sistemática e adequada. Até à data, não existem diretrizes atualizadas para orientar este processo para resultados apropriados centrados na pessoa [13]. Contudo, algumas recomendações gerais [14-17] mostram que a discussão do PAC deve ser iniciada por uma pessoa formalmente treinada, que poderia ser um profissional de saúde (por exemplo, um clínico, um enfermeiro, um psicólogo), um assistente social ou um advogado. Nem sempre é claro quem deve ajudar a pessoa (1) na redação do PAC e (2) na recolha de eventuais mudanças futuras. É necessária uma orientação profissional com conhecimentos adequados sobre doenças, prognóstico e possíveis tratamentos para preencher uma DAV de forma clinicamente relevante, exequível e com a melhor informação possível.

Informar a pessoa está, evidentemente, na própria base de um plano de intervenção partilhado e acordado. De facto, recomenda-se uma abordagem em equipa, em que os clínicos e a equipa de cuidados trabalham em conjunto no apoio à pessoa, possibilitando explicações, reflexões e aconselhamento sobre o PAC conforme a especificidade e experiência de cada um [8,13].

Momento e definições para o PAC e a DAV

Embora não haja indicações precisas sobre o “timing perfeito” para escrever uma DAV, há algumas sugestões. Depende certamente de a pessoa ser saudável, ter doenças crónicas ligeiras a moderadas, ou apresentar uma doença avançada com risco de vida com risco de morte iminente. Uma crise médica ou uma admissão recente no hospital podem ser identificadas como ocasiões para pensar em futuras decisões de cuidados de saúde, mas não representam o melhor momento para este tipo de discussão. De facto, as decisões feitas na presença de uma condição aguda potencialmente reversível (por exemplo, delírio) podem afetar a capacidade de decisão do indivíduo, resultando numa DAV não fidedigna e imprecisa [18]. Furthermore, Enguidanos e Ailshire [19], num estudo de coorte com adultos americanos, viram que as DAV concluídas nos últimos três meses de vida estão associadas a uma maior probabilidade de preferências por cuidados agressivos. Os autores admitiram que isto poderia resultar de conversas apressadas conduzidas durante procedimentos urgentes, de pressões provenientes do sistema de saúde e/ou do medo de morrer do indivíduo. Diferentemente, as pessoas que prepararam a sua DAV um ano ou mais antes da morte eram mais propensas a preferir cuidados limitados/conservadores.

Imaginar doenças e incapacidades futuras pode ser um desafio para jovens adultos saudáveis, afetando potencialmente a exatidão das preferências expressas. De facto, recomenda-se a revisão regular da DAV, particularmente quando haja mudanças no estado de saúde do indivíduo e/ou alteração de valores [17].

Independentemente da idade, não é recomendado adiar a decisão de discutir o PAC e a DAV em algumas situações clínicas. Por exemplo, quando uma pessoa está em risco de perder as suas capacidades mentais devido a doenças degenerativas (por exemplo, demência).

Idealmente, o PAC deveria ser proposto durante uma consulta clínica de rotina antes que o indivíduo se torne agudamente doente. Alguns autores sugerem o início do PAC nos cuidados primários ou no ambiente de consulta externa [20]. O Médico de Família (MF) é de facto o profissional de saúde que poderia melhor do que outros iniciar a conversa sobre o PAC com a pessoa porque está na posição de melhor conhecer as suas condições clínicas e por, potencialmente, o seguir ao longo do tempo. O MF deve encorajar ativamente o indivíduo a considerar o PAC se as suas condições clínicas (em particular, mentais) piorarem [21]. O MF deve dar regularmente orientações sobre o PAC, documentar todas as conversas relevantes, rever periodicamente o PAC existente, avaliar as capacidades mentais atuais para tomar decisões antecipadas e até mesmo envolver outros especialistas para informar melhor a pessoa [22]. Ao mesmo tempo, outras questões estão sem dúvida presentes neste contexto, tais como restrições de tempo e treino adequado na comunicação específica sobre tratamentos médicos que sustentam a vida [23,24].

Os lares de idosos também aparecem como um cenário adequado porque, uma vez que os indivíduos estão mais sedentários, há tempo para os conhecer, conhecer as suas famílias e discutir as escolhas médicas futuras. Todavia, muitas pessoas são admitidas num lar de idosos quando estão sozinhas, as suas capacidades já não lhes permitem permanecer em casa e/ou têm uma deficiência cognitiva [24].

Conteúdos da DAV

Questionar a informação incluída numa DAV significa tentar compreender como o seu conteúdo pode influenciar a sua utilidade. Até agora, não existem diretrizes internacionais sobre o conteúdo mínimo das DAV. As leis que regulam as DAV e a terminologia são altamente heterogéneas entre países. Por exemplo, as DAV são entendidas nos Estados Unidos como Testamento Vital (TV) e Procuração Permanente para Cuidados de Saúde. Em contraste, no Reino Unido, as DAV são conhecidas como Decisão Antecipada de Recusa de Tratamentos ou TV. A maioria dos países propôs como deve ser redigida uma DAV, por vezes desenhando formulários específicos [25,26]. Nesta tentativa de padronizar a metodologia, as organizações sem fins lucrativos que apoiam os direitos humanos e os cuidados em fim de vida têm também desempenhado um papel importante [27,28].

Uma DAV pode ser muito detalhada mas também muito geral, com os consequentes prós e contras. Como discutido no documento do Conselho da Europa [29], se as DAV forem “demasiado estritas, não deixam espaço para qualquer interpretação médica que as adaptem; por outro lado, se são demasiado gerais, fica impossível ter a certeza de que a vontade manifestada tem algo a ver com a situação clínica.” (b)

Outra limitação é a redação da DAV estar concluída antes da sua eventual aplicação. A opinião da pessoa pode mudar com o tempo, também de acordo com o seu estado de saúde. Também pode acontecer que possíveis mudanças nas preferências da pessoa não possam ser comunicadas devido ao agravamento das suas condições, constituindo uma barreira a ultrapassar [9].

A maioria das DAV inclui informação sobre as preferências do doente por intervenções (por exemplo, antibióticos, hidratação, alimentação, uso de ventiladores, ressuscitação cardiopulmonar, analgesia), tratamentos de suporte de vida, ressuscitação e por um decisor substituto.

Por vezes, a DAV inclui instruções vagas ou ambíguas que levam o médico procurar a confirmação envolvendo, se possível, a pessoa no processo de tomada de decisão. Se a pessoa for incapaz de esclarecer, um decisor substituto pode apoiar o profissional de saúde para melhor compreender o que o doente quis dizer.

Embora mais fáceis de normalizar e divulgar, as diretivas escritas baseadas em formulários com caixas de seleção podem ser insuficientes para resolver problemas específicos sobre a forma de prestar os cuidados esperados. Há também o risco de se tornarem uma complicação burocrática adicional na relação entre a pessoa e o clínico. Para estas limitações, a preparação multidisciplinar e multifatorial do PAC pode ser mais eficaz para satisfazer as preferências da pessoa do que apenas os documentos legais escritos [30].

Decisor substituto

Uma DAV pode incluir as “procurações permanentes de cuidados de saúde” e a “nomeação de um procurador de cuidados de saúde”, que permitem que um indivíduo escolha um substituto que toma decisões em seu nome em caso de incapacidade. Como discutido anteriormente, nem todas as decisões podem ser esclarecidas pelas DAV; por tal motivo, é altamente recomendável identificar um procurador de cuidados de saúde.

O decisor substituto terá de estar disponível e contactável, ter 18 anos ou mais, e estar preparado para defender clara e confiadamente em nome da pessoa quando falar com os clínicos. Independentemente dos antecedentes culturais, a maioria das pessoas prefere escolher o decisor substituto entre os membros da sua família [31,32]. A identificação de um decisor substituto tem algumas vantagens para a pessoa e parentes mais próximos, incluindo melhores cuidados no fim da vida e mais satisfação (da pessoa e da família) sobre os cuidados recebidos [8].

No entanto, podem também surgir alguns problemas com os decisores substitutos. Em primeiro lugar, alguns estudos demonstraram possíveis não-concordâncias entre as preferências das pessoas e as dos familiares [33]. Por exemplo, tem sido relatado que os familiares escolheriam tratamentos de fim de vida mais agressivos do que o próprio doente [34]. Por vezes, o clínico e o decisor substituto não estão na posição de seguir as instruções de um TV porque o pedido do doente é contrário às leis do país. Ou, outras opções terapêuticas não previsíveis no momento da subscrição da DAV se tornaram disponíveis. Se as decisões do decisor substituto estiverem em contraste com os valores do doente e o TV escrito, se o parente mais próximo estiver a agir no seu próprio interesse e/ou não concordar com os cuidados médicos, a intervenção de um tutor legal nomeado pelo tribunal é possível em muitos países. Nestes casos, o TV parece ser apenas mais uma complicação burocrática e atrasa os cuidados de apoio.

Informação partilhada sobre PAC

É difícil partilhar as preferências expressas pelo doente com todos os profissionais que cuidam e cuidarão dele em cenários diferentes ao longo do tempo. O modelo SOP (decisão partilhada com oncologistas e especialistas em cuidados paliativos), que consiste na integração de oncologistas e profissionais de cuidados paliativos, é um exemplo para a implementação das preferências DNR (Do Not Resuscitate) em doentes com cancro avançado, permitindo a atribuição de cuidados personalizados. O processo de decisões partilhadas pode efetivamente ajudar a que os doentes recebam cuidados em fim de vida de acordo com as suas preferências [35].

Outra forma de partilhar as decisões de fim de vida da pessoa é a utilização de bases de dados nacionais, que em alguns países existem desde há muitos anos. Um exemplo é o “US Advance Care Registry”, uma base de dados que contém todos os tipos de documentos de fim de vida e que os disponibiliza a todos os clínicos na web [36].

Em Itália, após a aprovação da lei 217/2019 [37] (c), foi criada uma base de dados nacional [38] (d). Esta recolhe as instruções de processamento antecipado armazenadas pelos municípios e notários. A base de dados pode ser acedida pelo indivíduo, por um representante por si nomeado e pelo clínico que está a tratar o doente [39].

Estratégias e perspetivas futuras

Embora existam várias limitações e questões críticas, o PAC está associado a resultados positivos [40] e deve ser encorajado. Na base do PAC, há a oportunidade certa, a partilha da informação médica, a conversa empática e a decisão final. A DAV deve resultar de um debate multissetorial, multidisciplinar e de boa qualidade entre a pessoa, a sua família e os profissionais de saúde. Uma DAV demasiado centrada em instruções médicas nem sempre é apropriada, enquanto as que incluem os valores da pessoa permitem à equipa médica interpretar melhor suas preferências [9].

Ao longo dos anos, algumas inovações têm sido desenvolvidas para ajudar a pessoa na tomada de decisões relacionadas com o PAC. Estes são três tipos de instrumentos: os utilizados em encontros presenciais, os concebidos para utilização fora das consultas clínicas (por exemplo, materiais para levar para casa) e os que adotam instrumentos como o telefone ou o vídeo [41-43]. Embora nem todos os instrumentos tenham sido formalmente testados em ambientes de investigação, alguns deles já são utilizados, mostrando benefícios práticos. Por exemplo, o PREPARE [44] é um website sobre o PAC com vídeos que o apresentam ao indivíduo e o preparam para as decisões. O Conversation Project [45] é uma caixa de ferramentas escrita com perguntas baseadas em valores que ajudam os indivíduos a iniciar conversas sobre PAC. Da mesma forma, o “Making your Wishes Known” é uma ferramenta que dá instruções em vídeo e explicações sobre como preencher as DAV [46]. Estas intervenções ajudam as pessoas a pensar, autonomamente ou em colaboração com a sua família, sobre as diferentes opções e a considerar os aspetos relevantes [41].

São necessárias campanhas de informação sobre as DAV através dos meios de comunicação social, televisões, rádio e jornais para chegar a todas as gerações e minorias étnicas. O ensino de competências bioéticas e de comunicação a estudantes de medicina é também importante para melhorar e aumentar a adoção do PAC. O especialista que diagnostica uma doença com mau prognóstico deve estar mais preparado para tomar conta do doente, informando-o sobre estratégias alternativas (por exemplo, cuidados paliativos), planeando o percurso dos cuidados a longo prazo, e certificando-se de que todos os clínicos que estarão envolvidos na futura gestão do caso estarão cientes das preferências da pessoa. (e)

Em conclusão, a relação entre os clínicos e a pessoa não deve ser regulada por leis demasiado rígidas, mas sim modulada no âmbito de uma aliança terapêutica. Esta é uma relação entre uma pessoa que necessita de ajuda e um profissional de saúde que se põe na perspetiva de oferecer cuidados melhores e individualizados.


(a) Cristina Sedini, Department of Clinical Sciences and Community Health, University of Milan; Hospice Cascina Brandezzata, IRCCS Ca’ Granda-Ospedale Maggiore Policlinico; Geriatric Unit, IRCCS Istituti Clinici Scientifici Maugeri, Milan, Italy
(b) NT: Versão em português: “Guia sobre o processo de decisão relativo a tratamentos médicos em situações de fim de vida“, Conselho da Europa, 2014
(c) NT: Em Portugal, ver Lei n.º 25/2012, Portaria n.º 104/2014 8
(d) NT: Em Portugal, ver RENTEV 
(e) NT: Em Portugal, ver CNECV, Parecer 95/2017 

ver Referências no artigo original

06 junho 2022

Perspetivas dos doentes sobre a formação clínica e o consentimento informado

Int. J. Environ. Res. Public Health 202219(13), 7611

Educação médica: Perspetivas dos doentes sobre a formação clínica e o consentimento informado
Inês Gil-Santos, Cristina Costa SantosIvone Duarte


Resumo: Existem dilemas éticos complexos inerentes ao ensino da medicina, particularmente na prática clínica que envolve doentes reais. Devem ser levantadas questões sobre a satisfação das necessidades de formação dos estudantes de medicina, respeitando simultaneamente os direitos fundamentais dos doentes à autonomia e à privacidade. O nosso objetivo foi avaliar as perspetivas dos doentes relativamente ao envolvimento dos estudantes de medicina nos seus cuidados médicos. Foi desenvolvido um estudo observacional e transversal, tendo sido aplicado um questionário, de forma aleatória, a doentes que aguardavam consulta/admissão em três serviços distintos: Cirurgia Geral, Obstetrícia/Ginecologia e Doenças Infeciosas. Dos 77% de doentes entrevistados que referiram experiências anteriores com estudantes de medicina, apenas 59% afirmaram que lhes foi pedido consentimento para a sua participação e 28% afirmaram que os estudantes se apresentaram adequadamente. Os doentes de Ginecologia/Obstetrícia foram os que menos referiram estas práticas e foram também os que mais se incomodaram com a presença dos estudantes, afirmando que se sentiriam mais confortáveis sem a presença de estudantes de medicina. Os pacientes do sexo masculino receberam mais explicações do que os do sexo feminino sobre os mesmos assuntos. Trinta e cinco por cento dos pacientes afirmaram que se sentiriam mais confortáveis sem a presença dos estudantes de medicina. O estudo revela a necessidade de prestar mais atenção ao cumprimento dos direitos fundamentais dos doentes.

[…]

Conclusões: Perante os resultados deste estudo, foi possível verificar que a atitude da equipa médica está longe de ser a esperada. O consentimento informado é um dever ético e legal para qualquer intervenção que vise proteger a autodeterminação do doente. A ausência de um consentimento informado válido constitui uma violação das boas práticas médicas, podendo ser invocada a responsabilidade disciplinar, civil ou criminal do médico responsável. Concluindo, apesar de estarmos numa época em que as pessoas estão cada vez mais informadas e em que a prática médica atual consiste numa prática clínica orientada para o doente, guiada pelas suas vontades e necessidades, a evidência sugere que a prática atual do ensino médico nem sempre respeita a autonomia do doente. Os doentes são uma parte essencial da formação clínica e podem ser, ou vir a ser, menos recetivos à participação dos estudantes de medicina devido a um comportamento inadequado tanto dos estudantes como dos seus professores. As práticas éticas estão fundamentalmente incorporadas na medicina e devem ser respeitadas; existe uma necessidade óbvia de implementar medidas que forneçam aos profissionais médicos as ferramentas necessárias para lidar adequadamente com os dilemas éticos que enfrentam todos os dias. Embora a ética médica faça parte do currículo médico formal, é necessário intervir e fornecer aos estudantes de medicina conhecimentos adequados sobre valores éticos e práticas clínicas justas, o que pode significar que o ensino da ética pode ter de ser alterado e adaptado às necessidades crescentes dos estudantes de medicina neste domínio. É igualmente necessário proporcionar-lhes professores de medicina clínica com boa formação, que possam servir de educadores e modelos a seguir.