06 junho 2022

Perspetivas dos doentes sobre a formação clínica e o consentimento informado

Int. J. Environ. Res. Public Health 202219(13), 7611

Educação médica: Perspetivas dos doentes sobre a formação clínica e o consentimento informado
Inês Gil-Santos, Cristina Costa SantosIvone Duarte


Resumo: Existem dilemas éticos complexos inerentes ao ensino da medicina, particularmente na prática clínica que envolve doentes reais. Devem ser levantadas questões sobre a satisfação das necessidades de formação dos estudantes de medicina, respeitando simultaneamente os direitos fundamentais dos doentes à autonomia e à privacidade. O nosso objetivo foi avaliar as perspetivas dos doentes relativamente ao envolvimento dos estudantes de medicina nos seus cuidados médicos. Foi desenvolvido um estudo observacional e transversal, tendo sido aplicado um questionário, de forma aleatória, a doentes que aguardavam consulta/admissão em três serviços distintos: Cirurgia Geral, Obstetrícia/Ginecologia e Doenças Infeciosas. Dos 77% de doentes entrevistados que referiram experiências anteriores com estudantes de medicina, apenas 59% afirmaram que lhes foi pedido consentimento para a sua participação e 28% afirmaram que os estudantes se apresentaram adequadamente. Os doentes de Ginecologia/Obstetrícia foram os que menos referiram estas práticas e foram também os que mais se incomodaram com a presença dos estudantes, afirmando que se sentiriam mais confortáveis sem a presença de estudantes de medicina. Os pacientes do sexo masculino receberam mais explicações do que os do sexo feminino sobre os mesmos assuntos. Trinta e cinco por cento dos pacientes afirmaram que se sentiriam mais confortáveis sem a presença dos estudantes de medicina. O estudo revela a necessidade de prestar mais atenção ao cumprimento dos direitos fundamentais dos doentes.

[…]

Conclusões: Perante os resultados deste estudo, foi possível verificar que a atitude da equipa médica está longe de ser a esperada. O consentimento informado é um dever ético e legal para qualquer intervenção que vise proteger a autodeterminação do doente. A ausência de um consentimento informado válido constitui uma violação das boas práticas médicas, podendo ser invocada a responsabilidade disciplinar, civil ou criminal do médico responsável. Concluindo, apesar de estarmos numa época em que as pessoas estão cada vez mais informadas e em que a prática médica atual consiste numa prática clínica orientada para o doente, guiada pelas suas vontades e necessidades, a evidência sugere que a prática atual do ensino médico nem sempre respeita a autonomia do doente. Os doentes são uma parte essencial da formação clínica e podem ser, ou vir a ser, menos recetivos à participação dos estudantes de medicina devido a um comportamento inadequado tanto dos estudantes como dos seus professores. As práticas éticas estão fundamentalmente incorporadas na medicina e devem ser respeitadas; existe uma necessidade óbvia de implementar medidas que forneçam aos profissionais médicos as ferramentas necessárias para lidar adequadamente com os dilemas éticos que enfrentam todos os dias. Embora a ética médica faça parte do currículo médico formal, é necessário intervir e fornecer aos estudantes de medicina conhecimentos adequados sobre valores éticos e práticas clínicas justas, o que pode significar que o ensino da ética pode ter de ser alterado e adaptado às necessidades crescentes dos estudantes de medicina neste domínio. É igualmente necessário proporcionar-lhes professores de medicina clínica com boa formação, que possam servir de educadores e modelos a seguir.