01 janeiro 2013

Pensar solidariamente o final de vida

Relatório Sicard (*)
Penser solidairement la fin de vie
Tradução espontânea das páginas 88-97 do original sito AQUI

 Recomendações e reflexões

A primeira recomendação é, sobre todas as outras, a de dar a máxima importância à palavra e à vontade das pessoas doentes no final de vida de modo que sejam compreendidas na sua situação de extrema vulnerabilidade.

1. Princípios gerais

• Fazer a máxima força para a apropriação da lei Leonetti (1, 2) pela sociedade e pelo conjunto de médicos e cuidadores, nomeadamente com campanhas regulares de informação e com um reforço especial na formação, para lhe dar a necessária eficácia, pois não é aceitável que não esteja a ser aplicada sete anos depois de ter sido aprovada.

• Realizar uma avaliação do financiamento e dos requisitos em pessoal de saúde necessários a um real acesso de todos a estes cuidados. Atuar de modo que estes financiamentos sejam atribuídos. Favorecer a afetação de acompanhantes benévolos.

• Ter consciência de que o recurso apenas a unidades de cuidados paliativos nunca poderá resolver a totalidade das situações, mesmo que estas estruturas existam em número muito elevado.

• Ter consciência de que a morte diretamente ligada a uma prática letal não representaria também senão uma proporção mínima de falecimentos se esta prática fosse legalizada, como se pode ver noutros países que não a França.

• A grande desigualdade em termos de acesso a um acompanhamento humano adequado ao final de vida e, a contrario, a sensação forçada de que os cuidados paliativos são a única resposta boa, podem estar na origem de uma profunda angústia social que explica em parte a procura insistente da eutanásia.

• Chamar a maior atenção para as necessidades da imensa maioria das pessoas em final de vida, cuja situação não se limita às unidades de cuidados paliativos. Ter uma política proativa de desenvolvimento de cuidados paliativos no domicílio prevendo “pausas reparadoras” para os conviventes.

• Fazer acompanhar o anúncio de uma doença grave com um projeto específico para o final de vida, concedendo toda a atenção às preferências da pessoa.

2. Propostas sobre condutas previstas nas leis relativas aos direitos dos doentes em final de vida

Para assegurar a efetividade dos textos legais (Lei relativa ao acesso a cuidados paliativos 1999, Kouchner 2002, Leonetti 2005), adotar disposições regulamentares sobre:

• as condições em que é disponibilizada uma informação exata, inteligível, clara e adequada ao doente e aos seus próximos, relativa à abstenção, limitação ou interrupção de tratamentos, ou à intensificação de tratamentos da dor e de sintomas, ou à sedação terminal;

• as condições que respeitem a vontade da pessoa;

• as condições de seguimento dos procedimentos efetuados.

O conjunto de propostas da comissão adiante enunciado deve ter prioridade na alocação de meios financeiros e pode ser financiado por uma reafetação de recursos desproporcionalmente centrados e pouco questionados nos cuidados curativos, sendo mais bem aproveitados na assistência em final de vida.

a) As diretivas antecipadas

Realizar regularmente uma ampla campanha de informação junto dos cidadãos, dos médicos e dos curadores sobre a importância das diretivas antecipadas, a qualidade da sua redação e a efetividade do seu uso; assim como sobre a possibilidade de designar uma pessoa de confiança e sobre a função que lhe é confiada (3). Diferenciar nitidamente dois procedimentos:

• De acordo com a lei, um primeiro documento de diretiva antecipada poderá ser proposto pelo médico assistente a todo o adulto que o deseje, sem qualquer obrigatoriedade, qualquer que seja o estado de saúde, e mesmo que esteja de boa saúde, o qual deve ser regularmente atualizado (4).

A comissão recomenda que o ministério da saúde formalize a partir de 2013 um modelo de documento inspirado nos exemplos estrangeiros. [Por exemplo as diretivas suíças (Academia médica suíça), alemãs, americanas (por exemplo Oregon Health Decisions)]

• Em caso de doença grave diagnosticada, ou em caso de intervenção cirúrgica comportando grande risco, deve ser proposto um outro documento [Tendo em conta por exemplo o programa seguido por um número crescente de Estados nos EUA (Physician orders for life-sustaining treatment)] de vontades relativo especificamente aos tratamentos de final de vida, a acrescentar ao primeiro, nomeadamente no quadro de um diálogo entre a equipa médica e o subscritor.

- Este documento é assinado pelo doente que o deseje (o doente tem o direito total de se manter na ignorância da sua doença e de não querer manifestar as suas escolhas) e também pelo seu médico assistente.

- Este documento, facilmente identificado pela sua cor própria, deve ser obrigatoriamente inserido do processo clínico do doente.

- Para esse efeito, a comissão recomenda que seja publicado um decreto em 2013 e que o ministério da saúde aí formalize um tal documento, inspirando-se nomeadamente no modelo dos EUA.

• Criar um ficheiro nacional informatizado destes dois documentos, que seja facilmente utilizável em situações de urgência.

b) A formação

Pedir à conferência de decanos das faculdades de medicina para, a partir de 2013:

• Criar em cada universidade um curso universitário especificamente destinado a cuidados paliativos.

• Repensar em profundidade o ensino médico de modo que as atitudes curativas não se apropriem da totalidade do ensino:

- Tornar obrigatório um ensino de cuidados paliativos que aborde em profundidade as diferentes situações clínicas.

- Desenvolver a formação sobre o bom uso de opiáceos e de medicamentos sedativos.

- Suscitar um ensino universitário e de formação contínua sobre o que se entende por «obstinação irracional».

- Realçar, ao longo do curso, na formação dos estudantes de medicina, a exigência da relação humana nas situações de final de vida, com o concurso das ciências humanas e sociais, e leválos a uma reflexão sobre os excessos da medicalização.

- Tornar obrigatório para os internos, generalistas e especialistas primordialmente dedicados a doenças graves, um estágio em cuidados paliativos durante o internato.

Para os institutos de formação de outros cuidadores devem ser adotadas iniciativas análogas.

• Na formação contínua dos médicos (Développement Professionnel Continu), exigir que um dos programas de formação anual seguido por um médico no ativo, pelo menos em cada três anos, seja dedicado a cuidados paliativos e a atitudes a adotar face a uma pessoa doente em final de vida.

Para a formação contínua de cuidadores, devem ser adotadas iniciativas análogas.

c) Exercício profissional

O objetivo dos cuidados paliativos é prevenir e aliviar o sofrimento, preservar o mais possível a qualidade de vida dos doentes e dos seus conviventes, independentemente do estádio da doença e das necessidades terapêuticas. Assim, os cuidados paliativos consubstanciam-se mais como cuidados de apoio do que como cuidados de final de vida:

• Por conseguinte, introduzir cuidados paliativos desde o primeiro dia em que se anuncia ou descobre uma doença grave.

• Por conseguinte, incluir um especialista em cuidados paliativos, desde o início do seguimento do doente, nas comissões interdisciplinares de oncologia.

• Por conseguinte, inscrever o recurso a cuidados de apoio e cuidados paliativos nas recomendações de boas práticas elaboradas pelo alto-comissário da saúde [haute autorité de santé (HAS)], com o mesmo grau de exigência dos cuidados curativos.

Nesse sentido, pedir à HAS que elabore, para as doenças crónicas mais graves, recomendações sobre currículos na saúde que tenham em conta as vontades das pessoas doentes, incluindo o contexto de final de vida e a articulação das diversas competências no âmbito médico, médico-social e social (designadamente os assistentes sociais), coordenadas pelo médico de família, assistido, se for o caso, por pessoal preparado para essa coordenação.

d) Os hospitais e os estabelecimentos médico-sociais

• Pedir à HAS que se promova ações junto dos intensivistas sobre as suas práticas de reanimação tendo em vista evitar o mais possível criar situações de prolongamento irracional da vida.

• Fazer da qualidade dos tratamentos das pessoas em final de vida seguidas em estabelecimentos de saúde e em estabelecimentos médico-sociais, de acordo com as recomendações deste relatório, um elemento obrigatório da respetiva certificação.

• Reapreciar, com as autoridades competentes, o inadequado preçário de atividades cujas consequências são especialmente desastrosas para a cultura paliativa.

• Pedir às agências regionais de saúde (ARS) que a parir de 2013 garantam que cada estabelecimento de saúde ou médico-social possa ter acesso direta ou indiretamente a uma equipa móvel de cuidados paliativos. A comissão recomenda que o ministério da saúde promova a elaboração de um relatório que identifique até ao fim de 2013 as necessidades nesta área.

• Desenvolver a epidemiologia do final de vida pelo INSERM e pelo "Observatoire National de la Fin de Vie”.

• Tornar obrigatória para cada estabelecimento de saúde ou médico-social a transmissão dos dados epidemiológicos nos seus relatórios anuais de atividade.

e) O domicílio

• Pedir a cada ARS que disponibilize informação no seu sítio de Internet que identifique e dê visibilidade às diversas estruturas e competências, às quais os doentes e seus próximos se possam dirigir, assegurando a continuidade de cuidados curativos e de apoio (24 sobre 24 horas, todos os dias) no domicílio até ao final de vida.

• Pedir às ARS que assegurem a cobertura do território em cuidados paliativos ao domicílio 24 sobre 24 horas, todos os dias, conforme as recomendações da HAS citadas acima.

• Permitir que os médicos de família tenham acesso livre a todos medicamentos sedativos, sem o qual é ilusório conseguir ter tratamentos de final de vida ao domicílio adequados.

• Inscrever nas primeiras prioridades das ARS o reforço da coordenação entre a hospitalização no domicílio (HAD), os serviços de enfermagem ao domicílio (SSIAD) e os cuidados paliativos; e pedir aos poderes públicos que se envolvam numa reflexão sobre a fusão entre a HAD e os SSIAD, para garantir uma perfeita continuidade de todas as fases da assistência.

• Desconcentrar para as ARS as ajudas nacionais do setor médico-social de modo que possam contratualizar com as coletividades territoriais respetivas os programas de aperfeiçoamento da assistência ao domicílio e nos estabelecimentos que acolhem pessoas dependentes (EHPAD).

f) O acompanhamento

Pedir aos poderes públicos para:

• Reforçar ao apelo à solidariedade familiar de acordo com as situações.

• Apoiar as associações sem fins lucrativos de apoio ao fim de vida, tanto nos hospitais como no domicílio, facilitando, por exemplo, isenções fiscais aos doadores e classificação como serviço cívico.

• Considerar como trabalho as pausas compensadoras em contexto de assistência ao domicílio.

g) A neonatologia

A cultura paliativa pediátrica, que é mais recente que a das estruturas do adulto, tem beneficiado, em especial junto dos neonatologistas, de uma reflexão mais forte sobre as questões do final de vida do que a dos adultos. Deve continuar a desenvolver-se no mesmo sentido com reforço dos programas de formação e atenção às questões da obstinação irracional. Obstinação que nunca é a única base da medicina.

Toda a decisão de suspender tratamentos, como sejam os cuidados de apoio vital, deve ser sempre tomada com os pais e no quadro de uma permuta interdisciplinar. O trabalho em equipa protege sempre a criança, a sua família e os profissionais de saúde.

h) A decisão de um gesto letal nas últimas fases da assistência em final de vida

Quando a pessoa em final de vida, ou face a diretivas antecipadas incluídas no processo clínico, pede expressamente que se interrompa todo o tratamento suscetível de prolongar a sua vida, como seja toda a alimentação e hidratação, seria cruel “deixá-la morrer” ou “deixá-la viver”, sem lhe proporcionar um ato médico que acelere a ocorrência da morte.

É o que também acontece:

• Quando tal pedido se exprime pelos conviventes próximos se a pessoa estiver inconsciente, e na ausência de diretivas antecipadas incluídas no processo clínico, donde a comissão continuar a atribuir-lhes grande importância. Este pedido deve ser necessariamente submetido a uma discussão colegial a fim de se assegurar que está de acordo com os reais desejos da pessoa.

• Quando o tratamento em si mesmo é considerado, após discussão colegial com o doente e os seus conviventes, como uma obstinação irracional, e os cuidados de apoio passam a não ser mais do que um prolongamento artificial da vida.

Esta grave decisão assumida por um médico atuando em consciência, sempre fundamentado numa discussão colegial, e registada no processo clínico, pode corresponder, na opinião da comissão, às circunstâncias concretas de uma sedação profunda como está prevista na lei Leonetti.

Para a comissão, os critérios que uma lei necessitaria impor para este tipo de decisão, nunca poderão conter toda a complexidade e variabilidade da realidade. Mas parece evidente à comissão que, no espírito da lei Leonetti, seria uma espécie de brutalidade “deixar morrer” ou “deixar viver” uma pessoa após a paragem de todos os tratamentos e de cuidados de suporte.

Na opinião da comissão, esta grave decisão baseia-se mais nas orientações de boas práticas de uma medicina responsável do que numa qualquer nova disposição legislativa.

******

A comissão considera que estas propostas devem mobilizar os poderes públicos e o conjunto da sociedade de modo prioritário. Por tal razão não recomenda que se adotem apressadamente novas disposições legislativas para situações de final de vida. Apresenta aqui algumas reflexões sobre condutas não previstas pelas atuais leis.

3. Reflexões sobre condutas não previstas em leis relativas aos direitos dos doentes em final de vida

a) A assistência ao suicídio

Para a comissão, a assistência ao suicídio não pode em nenhum caso ser uma solução proposta como alternativa à ausência de cuidados paliativos ou de assistência condigna e real.

Mas para certas pessoas afetadas por uma doença evolutiva e incurável em estado terminal, a perspetiva de ser obrigada a viver até ao extremo fim, o seu final de vida, num ambiente medicalizado, onde a perda de autonomia, a dor e o sofrimento não podem ser aliviados senão por cuidados paliativos, pode parecer insuportável. Do que resulta que o desejo de interromper a sua existência e o seu pedido seja uma assistência ao suicídio sob a forma de medicamentos prescritos por um médico.

Estes pedidos, que são muito raros quando existe realmente uma possibilidade de acompanhar com cuidados paliativos, podem corresponder mais a uma vontade de poder dispor de um recurso último do que a uma verdadeira decisão de interromper a sua vida antes do tempo. Com efeito, no Estado do Oregon, EUA, onde o suicídio assistido atinge dois por mil falecimentos, metade das pessoas em final de vida que pedem – o obtêm – os medicamentos que conduzem ao suicídio, não os utilizam.

Se o legislador assume a responsabilidade de fazer uma lei sobre a assistência ao suicídio, os elementos seguintes devem ser tidos em conta:

• Garantir que a pessoa manifesta de modo explícito e repetido a sua vontade de pôr termo à sua vida com essa assistência.

• Reconhecer em sede de equipa médica a existência de uma situação de final de vida da pessoa doente.

• Garantir que a decisão da pessoa em final de vida seja tomada:

- na medida em que esteja com capacidade para um gesto autónomo.

- na medida em que esteja informada e livre na sua escolha.

- na medida em que tenha verdadeiro acesso a todas as soluções alternativas de acompanhamento e alívio da dor física e psíquica.

- na medida em que esteja informada das condições concretas do suicídio assistido.

- no quadro de uma troca colegial pluridisciplinar que envolva o doente, os seus conviventes próximos, o médico assistente, um médico não envolvido no tratamento em curso e um cuidador acompanhante do doente.

• Exigir a presença do médico assistente, ou em caso de objeção de consciência deste, do médico prescritor, tanto quando do gesto como da agonia.

• Garantir a objeção de consciência dos farmacêuticos.

• Assegurar que os medicamentos utilizados satisfazem as exigências da regulamentação e da segurança sanitária e farmacológica.

• Garantir a ausência de um calendário preestabelecido para a consumação do gesto.

• Garantir a notificação das informações (natureza da doença, motivos da decisão, ocorrências do gesto) feita pelo médico a uma estrutura nacional encarregada de fazer um relatório anual sobre o conjunto das informações recolhidas.

Nunca a administração por terceiros de uma substância letal a uma pessoa poderá ser considerada como uma assistência ao suicídio, quaisquer que sejam as diretivas antecipadas e mesmo que uma pessoa de confiança seja designada. Isso será sempre uma eutanásia ativa.

E, se o pedido for feito por uma pessoa consciente mas incapaz de concretizar por si mesma o gesto de suicídio assistido, a lei não poderá, por definição, autorizar que seja feito. Contudo a medicina não pode considerar-se satisfeita e ponderar que, a pedido da pessoa, se interrompam as medidas de suporte vital acompanhando com sedação.

b) A eutanásia

O gesto eutanásico a pedido de pessoas doentes, tal como atualmente é autorizado apenas na Bélgica e Holanda, é um ato médico que, pela radicalidade da sua execução, e pela programação precisa no tempo, interrompe súbita e prematuramente a vida.

Difere totalmente da decisão apresentada no ponto precedente. Difere igual e totalmente de uma assistência ao suicídio onde o ato letal é executado pela própria pessoa doente.

A eutanásia assenta profundamente na ideia que uma sociedade tem das missões da medicina, tendendo a torná-la no agente do dever universal da humanidade na prestação de cuidados e no acompanhamento de uma ação tão fortemente contestada. A comissão não vê como uma disposição legislativa favorável à eutanásia, tomada em nome do individualismo, poderia evitar esta tendência.

A comissão chama ainda a atenção para que toda a retirada de uma proibição cria outras situações extremas imprevistas à partida e suscetíveis de necessitarem de novas e repetidas leis. A título de exemplo, na Bélgica, foram apresentados 25 projetos de extensão de casos previstos na lei após 2002.

Conclusão

Toda a comunicação com as pessoas que conhecemos, os muitos depoimentos e viagens por toda a França e estrangeiro, as reuniões e audições revelam uma inquietação real sobre as preocupações, muitas vezes escondidas, com o final de vida e o impasse das respetivas respostas em França. A comissão reafirma duas observações centrais :

• a insuficiente aplicação 13 anos depois da lei destinada a garantir o acesso a cuidados paliativos, 10 anos depois da lei relativa aos direitos dos doentes (lei Kouchner) e, por fim, 7 anos depois da lei Leonetti.

• o caráter particularmente dramático das desigualdades quando do final de vida. De acordo com as suas extensas recomendações, a comissão sublinha fortemente: • antes do mais, o imperativo respeito pela palavra do doente e da sua autonomia.

• o desenvolvimento absolutamente necessário de uma cultura do paliativo e a abolição da fronteira entre cuidados curativos e paliativos.

• a predominância das decisões colegiais.

• a exigência de aplicar corajosamente as leis atuais em vez de estar sempre a imaginar novas. • a utopia de resolver pela lei a grande complexidade das situações do final de vida [«Não legislar sem vacilar, ou melhor, entre duas soluções prefira sempre a que requer menos direito e pede mais à moral e aos bons costumes» CARBONNIER, Jean. Flexible droit, Librairie Générale de Droit et de Jurisprudence, EJA, Paris, 1998].

• o perigo de ultrapassar a barreira do proibido.

Se o legislador assumir a responsabilidade de uma despenalização da assistência ao suicídio, devem ser aqui afirmados dois pontos sem hesitação:

• a garantia estrita da liberdade de escolha demonstrativa da autonomia da pessoa.

• a obrigatoriedade de envolver principalmente a responsabilidade do Estado e a responsabilidade da medicina.

Do mesmo modo, se o legislador assumir a responsabilidade de despenalizar a eutanásia, a comissão entende alertar para a importância simbólica da alteração desta proibição pois:

• a eutanásia assenta profundamente na ideia que a sociedade faz do papel e dos valores da medicina.

• qualquer modificação duma proibição cria necessariamente novas situações extremas, suscitando uma procura indefinida de novas leis.

• toda a medicina comporta uma intervenção nos confins da vida sem que seja necessário legislar a todo o transe.

A comissão pretende enfatizar com o seu trabalho que seria ilusório pensar que o futuro da humanidade se resume à afirmação de uma liberdade individual sem limites, esquecendo que o ser humano apenas vive e se reinventa quando em ligação aos outros e dependendo dos outros. Um verdadeiro acompanhamento no final de vida só tem sentido no quadro de uma sociedade solidária que não se substitui à pessoa mas que mostra que a ouve e respeita no termo da sua existência.

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(1) NT: a lei Leonetti sobre os direitos dos doentes em final de vida foi publicada em abril de 2005 em França http://www.senat.fr/dossier-legislatif/ppl04-090.html
(2) NT: Jean Leonetti é cardiologista e deputado (UMP) francês http://fr.wikipedia.org/wiki/Jean_Leonetti 2
(3) NT: Em Portugal, a Lei n.º 25/2012, de 16 de julho, prevê (artigos 11.º a 14.º) a figura de procurador de cuidados de saúde que qualquer pessoa pode nomear, independentemente, em alternativa ou cumulativamente à redação do “testamento vital”. http://dre.pt/pdf1sdip/2012/07/13600/0372803730.pdf
(4) NT: Em Portugal, a referida lei define (artigo 2.º, 1) que «As diretivas antecipadas de vontade, designadamente sob a forma de testamento vital, são o documento unilateral e livremente revogável a qualquer momento pelo próprio, no qual uma pessoa maior de idade e capaz, que não se encontre interdita ou inabilitada por anomalia psíquica, manifesta antecipadamente a sua vontade consciente, livre e esclarecida, no que concerne aos cuidados de saúde que deseja receber, ou não deseja receber, no caso de, por qualquer razão, se encontrar incapaz de expressar a sua vontade pessoal e autonomamente» e não aponta qualquer iniciativa ao médico, apenas referindo (artigo 3.º, 2) que «No caso de o outorgante recorrer à colaboração de um médico para a elaboração das diretivas antecipadas de vontade, a identificação e a assinatura do médico podem constar no documento, se for essa a opção do outorgante e do médico.»

(*) Penser solidairement la fin de vie // Rapport a Francois Hollande President de la Republique Francaise // Commission de reflexion sur la fin de vie en France // 18 décembre 2012 // La commission de réflexion sur la fin de vie: Président: Didier Sicard; Membres: Jean Claude Ameisen, Régis Aubry, Marie-Frédérique Bacqué, Alain Cordier, Chantal Deschamps, Eric Fourneret, Florence Gruat, Valérie Sebag-Depadt. Jean-Claude Ameisen, nommé Président du Comité Consultatif National d’Ethique en octobre 2012, a souhaité s’abstenir en raison de la demande qui pourrait être faite au CCNE par le Président de la République de questions concernant la fin de vie. Nous remercions Catherine Hesse, inspectrice générale des affaires sociales pour son aide précieuse et, Amélie Puccinelli, étudiante de cinquième année à Sciences Po Paris, pour l’intelligence de son regard, sa disponibilité extrême et son aide technique si décisive pour ce rapport. Quatre journalistes ont accompagné la commission en Belgique, Hollande, et dans quelques débats publics: Laetitia Clavreul (Le Monde), Béatrice Gurrey (Le Monde), Marine Lamoureux (La Croix), Violaine de Montclos (Le Point).