01 abril 1997

Colégios, Sociedades e Associações

  Revista OM - abril/maio 1997

Algumas vezes têm surgido dúvidas quanto às eventuais sobreposições de tarefas e às vantagens em particular nas diversas formas do associativismo médico. Há quem entenda que deveria haver só uma organização visto serem os Colegas, os Sócios ou os Associados sempre os mesmos.

Sou de opinião que o papel dos Colégios é agrupar todos e só aqueles que estão credenciados pela Ordem dos Médicos com um determinado título. O Colégio elege periodicamente uma direção ou comissão diretiva que funciona como órgão de consulta dos restantes órgãos da Ordem – tem funções consultivas e dá pareceres técnicos que mais ninguém pode dar. A direção eleita pelos Colegas de uma determinada especialidade ou sub- especialidade recebe assim un mandato que também inclui o de credenciar e admitir novos Colegas. A escolha da direção de um Colégio recai assim em personalidades com méritos profissionais reconhecidos pelos seus pares. Os Colégios são o garante da qualidade do ato médico tal como, em última análise, a Ordem preconiza .

Penso, por outro lado, que as Sociedades Científicas procuram atingir um objetivo que se torna difícil ser assumido pelos Colégios. As Sociedades têm uma dinâmica própria já que visam a promoção da qualidade na área do conhecimento a que se dedicam. Pelo facto de organizarem reuniões e de estimularem os seus membros a apresentarem os seus trabalhos, assim como pela criação de prémios e bolsas, as sociedades criam as condições para o aparecimento de progressos científicos e ajudam à formação de boas normas de conduta técnica. Os especialistas que não frequentam as reuniões das suas sociedades são habitualmente aqueles que mais dificuldades têm em se manter atualizados. As direções das Sociedades não precisariam de ser constituída pelos sócios mais cotados cientificamente mas apenas pelos mais ativos e empreendedores mas, naturalmente, os sócios acabam escolhendo os que reúnem ambas as facetas. O papel das Sociedades Científicas nos avanços da medicina portuguesa é da maior importância e mereceria estudo apropriado, sem esquecer o contributo de outros técnicos não-médicos que a pluridisciplinaridade atual chamou para o seio das Sociedades. As Sociedades Científicas são os motores da qualidade.

Creio que as Associações de interesse são organizações que resultam da necessidade de reunir esforços e de promover a defesa dos interesses surgidos nos diversos tipos de relações que os médicos têm. Desde logo, cite-se o papel incontestado dos Sindicatos ao assumir as relações próprias de quem trabalha por conta ele outrem. Do mesmo modo, têm surgido Associações de índole empresarial que visam a defesa de interesses comuns a certas formas de prestação de serviços médicos. Durante muito tempo alguns sectores tiveram as suas associações, de dimensão variável, trabalhando isoladamente. As leis do mercado conduziram já a que se formasse uma Federação de associações de prestadores de serviços. Tornou-se evidente que a discussão dos contratos coletivos de trabalho com os representantes dos assalariados assim como a discussão das cláusulas das convenções não eram devidamente asseguradas por pequenas associações. As associações criadas para a defesa de interesses comuns a certas formas de prestação de serviços médicos têm um papel específico na sociedade civil o qual não é, nem pode ser, contraditório com a garantia da qualidade dos atos médicos praticados.

Cada tipo de organização pode ter uma estrutura similar – um grupo de pessoas, uma escolha democrática dos dirigentes, uma contribuição pecuniária sob a forma de quota, um estatuto regulador, uma responsabilização dos eleitos perante os eleitores e perante a lei. Cada tipo de organização pode ter até os mesmos colegas, sócios ou associados. O que as diferencia são os objetivos diferentes na mesma organização não ajuda a fazer consensos – ajudar a criar conflitos. E não há que temer que uma associação de tipo empresarial possa tomar um caminho perverso só por visar interesses económicos – a sua atividade está constantemente sob os olhares dos seus associados e das outras organizações.

Estas reflexões surgiram a propósito da revisão dos estatutos da Associação Portuguesa de EEG e Neurofisiologia Clínica (uma sociedade científica) na qual se pretendia manter o obsoleto princípio de juntar a defesa empresarial dos prestadores à promoção científica. O projeto em discussão previa mesmo que algumas empresas se constituíssem como sócios e tivessem assento em alguns órgãos ao mesmo tempo que os próprios gerentes dessas empresas a título individual.

Sou de opinião que a clara "separação das águas'' é a melhor forma de defender a qualidade. A delimitação dos objetivos, como a delimitação dos setores (público e privado), só pode contribuir para a adequada defesa dos interesses dos consumidores assim como para o respeito pelos legítimos interesses dos prestadores.