23 julho 2016

O horror do absoluto

Público, 23.07.2016

Consideremos a morte medicamente assistida (ou medicamente ajudada, em tradução mais genuína) como o conjunto excecional de ações (de prescrição e/ ou de administração) praticadas por médico, eventualmente assessorado por outros profissionais de saúde, destinadas a antecipar a morte de pessoa, maior de idade, com capacidade para decidir, afetada por doença ou lesão incurável, cujo prognóstico de sobrevida possa ser razoavelmente fixado como inferior a um ano ou que se encontre em estado de total e irreversível dependência física, que as solicita de forma livre, voluntária, assertiva e consciente, movida por sofrimento físico ou psíquico que não queira mais aceitar, ou que, se estiver fisicamente incapacitada de se manifestar, o tenha previamente feito de modo claro e expresso numa “diretiva antecipada de vontade” válida ou em instruções expressamente transmitidas por escrito a um procurador de Cuidados de Saúde credenciado.

Vejamos estes atos médicos necessários à antecipação da morte, nos termos acima referidos, como só podendo ser concretizados após o médico, a quem a pessoa se dirija pedindo ajuda à antecipação da morte, ter obtido a concordância de um segundo médico (se possível especializado na doença em causa) para conjuntamente subscreverem um documento com a identificação completa da pessoa doente e dos seus subscritores, os fundamentos da anuência, as notas clínicas relevantes (os métodos e fármacos usados, o tempo entre o início do processo e o seu desfecho, os sintomas e ocorrências adversas), assim como a data e hora da verificação do óbito, cujo original deve ficar junto ao processo clínico ou, se não houver, ficar na posse do médico assistente, devendo o duplicado ser remetido, por um dos médicos subscritores, à Direção- Geral de Saúde (que elaborará um relatório anual).

Aceitemos que, em caso de dúvidas levantadas por familiares ou membros da equipa de saúde, os dois médicos, antes de prosseguirem, têm o dever de obter a concordância de um terceiro profissional, que deverá ser psiquiatra ou psicólogo, se as dúvidas se referirem a eventual perturbação psíquica que afete a capacidade da pessoa para tomar decisões, o qual igualmente deverá subscrever o referido documento, adicionando as notas clínicas que entenda relevantes.

A cumprirem-se estas disposições, podemos afastar receios de derivas e dar por finda a atual criminalização de gestos misericordiosos ou compassivos realizados a título excecional. Os que pensam ser a vida um bem absolutamente indisponível — e que, por isso, todos quantos se atrevam a satisfazer, nestas condições, um pedido de ajuda à antecipação da morte devem ser punidos com prisão — parecem querer dizer que o sofrimento que antecede a morte “natural” tem de ser aceite em quaisquer condições. Não é preciso estudar Direito ou ter acesso a uma biblioteca para ver o horror de uma tal atitude.

15 julho 2016

Rejeição de tratamentos medicamente recomendados durante a gravidez

Rejeição de tratamentos medicamente recomendados durante a gravidez

Tradução espontânea do Parecer
American Congress of Obstetricians and Gynecologists

Resumo: Um dos cenários mais desafiantes em cuidados obstétricos acontece quando uma gestante recusa tratamentos médicos recomendados que procuram contribuir para o seu bem-estar, o bem-estar do seu feto ou de ambos. Em tais circunstâncias, a obrigação ética do obstetra-ginecologista de respeitar a autonomia da gestante pode entrar em conflito com o desejo ético de possibilitar o máximo de saúde para o feto. A adesão forçada – em alternativa a respeitar a rejeição – suscita, seriamente, importantes questões relacionadas com direitos dos doentes, respeito pela autonomia, ofensas à integridade física, divergência de competências e equidade de género. O objetivo deste documento é proporcionar aos obstetras-ginecologistas uma estratégia ética para conseguirem que a decisão da gestante de rejeitar tratamentos médicos recomendados contemple a centralidade da sua capacidade de decidir e a relação recíproca entre grávida e feto.

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