31 dezembro 2013

Conferência de cidadãos sobre o fim de vida

Conferência de cidadãos sobre o fim de vida

Parecer Cívico

Instituto Francês de Opinião Pública e pela Comissão Consultiva Nacional de Ética de França

ver AQUI

18 dezembro 2013

Pagar pelas queixas? Era o que faltava!

Público, 18.12.2013

Não posso calar a minha indignação: é um disparate, uma insensatez, um erro, um susto.

Pagar para apresentar queixas na Ordem dos Médicos! Notícias não desmentidas dizem-nos que os estatutos da Ordem dos Médicos, que aguardam aprovação oficial, preveem que quem apresente queixas sobre médicos só as verá apreciadas depois do pagamento de cerca de 100 euros.

Primeiro, é disparatado, é absurdo, pois pretender instituir uma taxa moderadora para queixas não modera e, mesmo que moderasse, nunca se deveria obstaculizar o legítimo direito de alguém se queixar. A principal missão das ordens profissionais é precisamente evitar que alguns contribuam para a má fama de todos os outros profissionais. Ao contrário do que privilegiam – defender, como se fossem sindicatos, os interesses dos seus associados – as ordens foram criadas para perseguir os falsos profissionais e os maus profissionais. Receber queixas é a sua obrigação primordial, combatê-las é um desatino.

Segundo, é um clamoroso contrassenso, pois só favorece que o comum dos mortais consolide a velha acusação de que as ordens só servem para que “eles” se protejam uns aos outros. Em vez de dar sinais de que os dirigentes da Ordem dos Médicos prestam atenção aos anseios e protestos que lhes chegam, vemos a criação de barreiras. Se é verdade que a OM não tem, pelos estatutos atuais, meios legais adequados para investigar até ao fim certas queixas, não há qualquer indicação que seja por falta de meios financeiros que esteja impedida de o fazer.

Terceiro, é um erro horrível argumentar que a taxa será devolvida quando a queixa tiver fundamento. Significa que quem se atreve a propor tal medida tem dificuldades em perceber que o queixoso tem sempre razão. Não se trata de ser popular ou politicamente correto! É verdade! O “cliente tem sempre razão” ou, por outras palavras, quem reclama só o faz porque pensa que tem razões para o fazer. Não vale a pena contrapor a existência de litigantes patológicos ou de reclamantes obstinados, pois, além de minoritários, estão, quase sempre, também eles, convencidos de que têm razão. A boa análise de reclamações obriga-se a partir do princípio de que é no meio da lana-caprina que se hão de encontrar as linhas gerais do que é preciso corrigir.

Quarto, é um susto já que não se conhece o conteúdo dos novos estatutos da Ordem dos Médicos que estarão à espera de ser aprovados pela Assembleia da República. Não os encontramos no sítio da OM ou da AR, nem na revista da OM. Os estatutos que os órgãos executivos da OM aprovaram não são do conhecimento público nem dos médicos. Sabemos que uma comissão foi encarregada de elaborar uma versão. Sabemos que foram enviadas propostas e sugestões, mas não sabemos o que foi submetido ao legislador. Perceber, no dia em que o bastonário é reeleito numa eleição sem oponentes, que os estatutos propostos contêm um tal disparate, um tal erro e uma tal insensatez só pode levar a que receemos o mais que virá.

Já não exerço a profissão, mas sendo, por direito próprio, associado da OM não consigo calar a minha indignação e, se esta medida for por diante, só me resta pôr fim a um vínculo ininterrupto com mais de 40 anos.

01 dezembro 2013

Código de Conduta Ética - Hospital Escola, Universidade Fernando Pessoa (proposta)


com Manuel Cardoso de Oliveira

Este código, proposto pela APASD (associação para a segurança dos doentes), será posto à consideração dos profissionais e, depois de ter acolhido diversos contributos redatoriais e de aprovado pelos órgãos institucionais apropriados, constituirá uma referência para um profissionalismo individual respeitador do bem-estar e da dignidade dos cidadãos a quem se destinam os serviços do Hospital Escola da Universidade Fernando Pessoa.

Todos os prestadores de cuidados, sejam profissionais efetivos ou eventuais, sejam graduados ou estejam em formação, desempenham as suas tarefas, de modo a:

1. Cumprir os respetivos objetivos funcionais com a maior competência e atualização de conhecimentos, integrando-se nas equipas com espírito de entreajuda.

2. Considerar como primordiais os seus deveres para com a pessoa doente, designadamente os deveres gerais de informação e de procura do consequente consentimento livre e esclarecido para todos os atos de saúde.

3. Estabelecer relações de cortesia natural com colegas e com utilizadores dos serviços, evitando paternalismos condescendentes ou discriminações inaceitáveis.

4. Demonstrar transparência de procedimentos, recusando qualquer tipo de ofertas ou apoios de quaisquer pessoas ou entidades, a menos que estejam oficialmente aprovadas pelos órgãos próprios do Hospital Escola, e mantendo as respetivas chefias informadas da existência de eventuais conflitos de interesse que possam surgir durante a sua atividade profissional.

5. Reconhecer o seu papel individual na manutenção da confidencialidade dos dados de saúde e no respeito pelo direito à privacidade das pessoas.

6. Concorrer para a valorização científica própria e dos seus colegas, promovendo a qualidade do trabalho, a segurança dos doentes e a melhor eficiência profissional.

7. Informar as chefias, e outros organismos adequados, dos acontecimentos adversos ou factos inesperados, ainda que sem culpa ou responsabilidades, nomeadamente colaborando na boa resposta às reclamações dos utentes.

8. Contribuir, globalmente, para o bom-nome e credibilidade do Hospital Escola, da Universidade Fernando Pessoa e dos seus profissionais.

9. Proceder com atenção aos custos individuais ou coletivos, procurando aperceber-se sempre das limitações de recursos.

10. Procurar ativamente o equilíbrio dos princípios bioéticos, respeitando a justiça no acesso aos recursos disponíveis e a autonomia da pessoa, no seu máximo benefício e com o mínimo de danos.

Consentimento informado, esclarecido e livre dado por escrito (Norma 15/2013, DGS)


 Norma nº 015/2013 de 03/10/2013, atualizada a 04/11/2015

Comité Científico A. A presente Norma foi elaborada no âmbito do Departamento da Qualidade na Saúde da Direção-Geral da Saúde. B. A elaboração da proposta de Norma teve o apoio científico de Paulo Sancho designado pela Ordem dos Médicos, Rui Moreira designado pela Ordem dos Enfermeiros, Miguel Ricou designado pela Ordem dos Psicólogos, Palma Mateus e Alejandro Santos designados pela Ordem dos Nutricionistas, Paulo Santos designado pela ARS Norte, Carla Barbosa designada pela ARS Centro, Teresa Oliveira Marçal designada pela ARS Lisboa e Vale do Tejo, Susana Teixeira designada pela ARS Alentejo, Renato Santos designado pela ARS Algarve, Rosalvo Almeida designado pelo Conselho Nacional de Ética para as Ciências da Vida.

ver AQUI

Divagações Diabéticas - Os Visitantes

 
Divagações Diabéticas - Os Visitantes
Juan Irigoyen
Tradução espontânea a partir do blogue “Tránsitos intrusos”, 
cuja divulgação foi gentilmente autorizada pelo autor.

Os doentes visitam os médicos nas consultas. Neste sentido somos os visitantes. Vamos às consultas solicitar ajuda profissional para enfrentar os nossos problemas de saúde. Sou um doente diabético e, como tal, uma parte inevitável de minha vida é ser visitante de consultas.

Mas depois da visita volto à minha vida. No momento em que sou visitante da consulta, encontro-me sob a autoridade do profissional que supervisiona o meu estado, toma decisões e propõe ações. Mas, quando regresso à minha vida, recupero a soberania. Já não sou visitante – governo-me ou desgoverno-me a mim mesmo.

Muitos dos fatores que intervêm no estado da doença relacionam-se com a minha vida. Os meus comportamentos e as minhas decisões influenciam-na decisivamente. Na consulta não é possível falar da minha vida como uma totalidade. Esta só às vezes é aludida. Mas o que predomina, quando sou visitante, são as questões relacionadas com o estado da doença. Por isso, o médico, que desempenha um papel tão importante na leitura e valorização dos resultados no curso da doença, é um visitante da minha vida. Só se aproxima dela através de alguns fragmentos que surgem numa conversa dirigida a resolver problemas específicos relacionados com o tratamento.

A diferença entre a doença e a vida determina que os pacientes sejam visitantes das consultas, mas autores das suas vidas. Os médicos, que são os protagonistas nas consultas, podem ser, no melhor dos casos, visitantes das nossas vidas. Estas têm lugar no exterior das consultas e são difíceis de compreender nessa perspetiva. Só são afloradas em algumas das suas dimensões, mas permanecem mudas no fundamental. O que se entende em cuidados de saúde como “estilos de vida” é um conjunto de prescrições dispersas, como um menu, que são invadidas por uma multiplicidade de circunstâncias e situações que acontecem na vida individual de cada doente.

Os médicos tratam-nos segundo o nosso diagnóstico. Mas a verdade é que o diagnóstico não torna iguais todos os que o compartilham. Não somos como uma gama de automóveis que têm as mesmas características técnicas para os mecânicos. Pelo contrário, os doentes não são fabricados em série, mas cada um é uma recombinação de fatores individuais e atributos dos mundos que vivem como seres sociais. Dentro da etiqueta diagnóstica, coexistem muitas pessoas completamente distintas, que vivem mundos muito diferenciados e dotados de grande heterogeneidade. Não me parece claro que tenhamos que ser tratados do mesmo modo, ao jeito de algumas práticas clínicas focalizadas somente no diagnóstico.

Além da nossa doença, das nossas histórias médicas, somos identificados por distintas variáveis de situação que nos diferenciam. O nosso sexo, idade, situação familiar, educativa, profissional ou económica. Muitos profissionais sobrevalorizam essas variáveis e fazem pacotes connosco. Tão pouco é muito realista, porque, sem negar o que essas variáveis condicionam e influenciam, o que verdadeiramente nos diferencia é a nossa vida, que sempre é rigorosamente individual, de acordo com a nossa subjetividade.

Dizia Ortega y Gasset que “o homem é o Eu e a sua circunstância”. É isso mesmo. A circunstância em que evolui a sua vida de doente é um conjunto muito complexo que não se pode reduzir a uma relação entre várias variáveis. É algo mais que isso. O eu é uma relação dinâmica entre o corpo, a mente e o envolvimento social. Mas as relações entre estas componentes tão pouco se podem reduzir a um modelo simples e homogéneo para todos.

O característico da vida individual é que supõe o encontro do eu com o seu mundo específico. Cada pessoa encontra-se frente a situações e sucessos únicos, que se repetem ou renovam. Além disso, a vida só existe através da subjetividade, pela qual se selecionam e interpretam as experiências e se põe à prova as perceções de cada um. A minha vida é o vivido pela minha pessoa na minha perspetiva. Por isso a minha vida me diferencia dos outros. Nela sou insubstituível, não é possível delegá-la nem que alguém a ocupe.

Uma das dimensões relevantes da vida é o futuro. A partir do passado e do presente cada um faz uma composição acerca de seu futuro. No caso dos doentes diabéticos, o futuro apresenta-se como um horizonte sobre o qual pairam ameaças. Assim se configura um sofrimento inespecífico e sempre associado à doença. Esta situação dá lugar a um processo de pensamentos e sentimentos, não totalmente racionalizados, que crescem no interior da pessoa e que nem sempre são facilmente comunicáveis. O paciente necessita ter uma visão do seu futuro, que possa reduzir as ameaças e aspirar a conservar o controlo. Este é o fator que configura a solidão do doente crónico.

O dilema da vida de um doente diabético é resolver a tensão entre o presente e o futuro. As restrições na vida diária implicadas pela doença têm que ser compensadas mediante gratificações. Estas significam transgressões ao tratamento. Esta equação entre as restrições, assim como os sofrimentos a que conduzem, e as gratificações, tão difícil de resolver no quotidiano, está permanentemente presente. É preciso administrá-la a todos o momento.

Assim se configura o dilema de um tempo, que para nós significa dizer sempre, sem esperança fundada de reversão à situação anterior à doença. Aqui radica o cerne da vida de um doente diabético.

Por isso, quando nos apresentamos nas consultas como visitantes, o mais importante é que nos entendam. Que percebam que temos uma vida, uma temporalidade e que estas se regem pela equação enunciada, o que torna tudo difícil. Então, para que um médico te trate bem é preciso que compreenda a tua singularidade, a tua condição e a complexidade de tua vida. Se se levantam problemas de natureza clínica, o médico tem que realçar os riscos e propor alternativas. Mas, na decisiva questão da vida do doente, a sua posição é apenas uma perspetiva, que não pode substituir a do doente quando este passa a porta da consulta e volta à sua vida.

Por isso, nas consultas, os médicos só podem ser visitantes das vidas dos doentes. Manter as distâncias e perceber as suas limitações, como faz um visitante. Daí que o mais importante na consulta seja melhorar a relação entre as partes. Esta é a questão central. Uma boa relação assenta no valor dado à compreensão do doente e da sua circunstância. Assim se pode fazer a ponte entre o tratamento e a vida. Com esta premissa, a boa comunicação pode reforçar a confiança mútua, o que é um requisito essencial da boa assistência.

Mas há problemas que não se podem combater só com tecnologia. Assim, no caso dos numerosos doentes cuja direção de vida não tem rumo, a atuação do profissional é limitada. O mesmo se passa com doentes a quem faltam recursos psicossociais mínimos. Nestes casos, receio que o médico, além de possível visitante das suas vidas, se torne numa mera testemunha.