28 fevereiro 2007

É preciso regulamentar a objeção de consciência

 
Público, 28.02.2007
As alterações ao regime da licitude da interrupção voluntária da gravidez podem originar uma nova onda de objetores

Tem-se falado muito, nos últimos tempos, no direito que os médicos têm a usar a "objeção de consciência" para se recusarem a praticar um ato para o qual sejam escalados na instituição onde prestem serviço. Em boa verdade, esse direito não é só dos médicos mas também de outros profissionais de saúde (enfermeiros, farmacêuticos e outros). Sendo certo que a objeção de consciência é um direito garantido pela Constituição e pelas regras deontológicas da profissão, convirá não esquecer que quem o invoque deverá ter de aceitar "pagar" um determinado preço por lhe ser reconhecida uma situação de exceção em relação a outros profissionais que cumpram os que lhes é legitimamente pedido. Assim acontece na Lei 7/92, que estipulava que os cidadãos que apresentassem "motivos de ordem religiosa, moral, humanística ou filosófica", para se recusarem a cumprir o serviço militar obrigatório, deveriam "prestar um serviço cívico adequado".

No caso dos profissionais de saúde, entendo que deveria haver uma iniciativa legislativa que clarificasse a situação e prevenisse a ocorrência de perturbações ou conflitos de consequências mais ou menos graves. Se, até agora, temos vivido sem lei que regule esta matéria, acredito que as novas alterações ao regime da licitude da interrupção voluntária da gravidez (IVG) podem originar uma onda de objetores, a qual, porventura, vai incluir não só os profissionais sinceramente inibidos pela sua consciência mas também alguns que sejam levados a usar esse estatuto para não verem recair sobre si as tarefas que outros recusam.

Considero, assim, que urge prever que os profissionais que tenham motivos de ordem religiosa, moral, humanística ou filosófica para não realizar certos serviços no âmbito da saúde reprodutiva da mulher se devam inscrever num registo nacional e que, por isso, assumam o compromisso de prestar serviços alternativos a título de compensação. Um tal registo deveria também passar por uma declaração indicativa dos concretos atos objetados - IVG até determinada idade gestacional, planeamento familiar, reprodução medicamente assistida, etc.

Julgo ainda que o diploma que defina este estatuto, no Ministério da Saúde, deveria também prever sanções severas para aqueles que, invocando objeção de consciência, comprovadamente executem em regime privado os atos que recusam executar em regime público.

O direito à objeção de consciência está previsto em vários diplomas (estatuto dos médicos, dos enfermeiros, dos farmacêuticos) e a sua clara regulamentação adquire agora uma especial importância. No entanto, importa também que as associações profissionais se envolvam num debate clarificador que distinga a objeção técnica, por natureza ocasional, da objeção de consciência, por natureza permanente. Os profissionais deverão saber explicar-se quando, perante uma determinada situação concreta, não praticam um ato que lhes é pedido pelo seu doente ou indicado pelas suas chefias. Este tipo de "objeção" sempre existiu e continuará a existir. Estas questões sempre encontraram solução no relacionamento institucional e deontologicamente regulado. Saibam as comissões de ética locais agir proativamente onde haja desleixo das Ordens profissionais!