01 março 2009

O direito de opção e o dever de informar

Revista OM - março/2009

Receitar um medicamento é um ato médico que representa uma certa recomendação ao doente. Tal como quando propomos uma intervenção cirúrgica ou a realização de um exame de diagnóstico, cabe-nos informar o conteúdo da nossa proposta ou recomendação.

Informar é, afinal, a condição prévia à adesão do doente e essencial à sua capacidade de decisão. Informar é não só reconhecer autonomia como respeitar essa mesma autonomia.

Muitos afirmam a sua fidelidade aos princípios da ética biomédica de Beauchamp e Childress, mas outros tantos os esquecem no quotidiano. Estes princípios – autonomia, justiça, fazer bem sem fazer mal – são preceitos fundamentais da profissão e, por isso, são a base da nossa prática.

Ao prescrever, temos, assim, o dever de explicar, tendo em atenção as capacidades do destinatário, o que estamos a propor, as suas finalidades e, quando adequado, os riscos inerentes.

Não é lícito invocar que o doente não entende – pelo contrário, quanto mais limitada a capacidade de entender, mais se impõe a necessidade de explicar.

Se existem diversas marcas comerciais de um mesmo produto mas certificadas pelas autoridades competentes, é dever do médico prescrever a marca mais barata ou, pelo menos, permitir que o doente prefira a mais barata.

Se alguém tem conhecimento de que uma marca de um determinado produto não tem a qualidade exigida, deve em consciência explicar ao doente a razão da sua rejeição. Não é lícito adotar uma posição de princípio contra todo e qualquer medicamento mais barato.

A regra geral de que uma prescrição não deve ser alterada pelo vendedor é uma garantia de que o ato médico proposto responsabiliza exclusivamente o prescritor.

Permitir que o destinatário da prescrição exerça a sua autonomia e opte por uma marca mais barata, sob garantia oficial de qualidade, é, a meu ver, uma regra que faz falta.

Defender que o médico possa, arbitrária, ideológica e preconceituosamente, impedir o doente de optar é, no mínimo, uma posição insensata.

Se eu mandasse, corrigia os dizeres do receituário oficial. Em vez de “autorizo o fornecimento ou a dispensa de um medicamento genérico”, colocava o seguinte: “expliquei os motivos por que, neste caso, não recomendo que haja opção por medicamento genérico”.

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Declaração de interesses: estou aposentado, retirado de todas as atividades clínicas e não tenho qualquer interesse nos lucros de qualquer farmácia ou no poder de qualquer associação de vendedores de medicamentos – sou consumidor. Este depoimento foi-me solicitado pela redação da revista da Ordem dos Médicos