30 outubro 2022

Problemas éticos da simpatia em cuidados de saúde


Problemas éticos da simpatia em cuidados de saúde 
Edwin Jesudason, Rehabilitation Medicine, NHS Lothian, Edinburgh, UK

Resumo A simpatia* e os seus conceitos afins, a compaixão e a empatia, são fortemente valorizadas nos cuidados de saúde. Mas, ao mesmo tempo, os sistemas de saúde tratam demasiadas vezes as pessoas de forma injusta e causam problemas. Será possível que a simpatia contribua efetivamente para estes resultados antipáticos? Neste artigo, defendo que, apesar das suas apelativas qualidades, a simpatia pode causar e manter problemas sistémicos nos cuidados de saúde. Pelo facto de ser arbitrária, pode interferir com a justiça e a não-maleficência. Também pode ser problemática para a autonomia. A utilização da perspetiva principialista permite-nos ver a simpatia de forma mais clara e dissecar as suas principais qualidades. Idealmente, a simpatia não deve ser apenas benéfica, mas também respeitosa para com a pessoa, justa e não-maleficente. Utilizo exemplos para ilustrar os impactos adversos da simpatia quando esta corre mal. Por último, proponho que podemos melhorar esta situação, diversificando a nossa abordagem da inclusão. Os exogrupos† devem ser mais incluídos, como forma de atenuar a discriminação provocada pela simpatia arbitrária. Mas podemos fazer melhor. Os profissionais de saúde dos endogrupos† situam-se, com demasiada frequência, “à margem”. Também estes devem ser mais incluídos, mas agora como sujeitos de investigação, para que possamos compreender em conjunto como beneficiam da simpatia arbitrária e como a podemos pôr habilmente a funcionar a seu favor e dos seus.

* NT: Optamos pela palavra “simpatia” para traduzir sempre a palavra “kindness”. Contudo, diversas vezes, hesitamos em usar outras alternativas (afabilidade, amabilidade, atenção, benevolência, carinho, complacência, condescendência, cordialidade, cortesia, delicadeza, generosidade, gentileza) que talvez expressassem melhor o pensamento do autor ou se ajustassem ao contexto da frase. A simpatia do leitor será a chave dessas hesitações…

† NT: «Um endogrupo é uma categoria ou grupo social com o qual nos identificamos fortemente. Um exogrupo, pelo contrário, é uma categoria ou grupo social com o qual não nos identificamos. Uma caraterística importante da dicotomia dentro-fora do grupo é que os grupos marcam as suas identidades de forma comunicacional mediante linguagem e estilos de discurso distintos que criam e utilizam, pelos códigos de vestuário que adotam e os festivais e concursos que realçam as suas tradições e rituais únicos, etc.» Ingroups and Outgroups, Howard Giles and Jane Giles  in: Inter/Cultural Communication: Representation and Construction of Culture, Chapter 7, Sage Publications, 2013

ver tradução do texto completo AQUI

10 outubro 2022

Guia para a promoção da Integridade na investigação

Guia para a promoção da Integridade na investigação nas instituições que fazem investigação

O Código Europeu de Conduta para a Integridade da Investigação estabelece que fiabilidade, honestidade, respeito e responsabilidade são princípios fundamentais da integridade na investigação. A maioria dos investigadores aspira a traduzir estes princípios em práticas de investigação responsáveis para alcançar resultados de alta qualidade e de confiança. É crucial que as instituições que fazem investigação (IFI) capacitem os investigadores, permitindo-lhe agir de forma responsável e minimizando o risco de violações à integridade na investigação. Para fomentar práticas de investigação responsáveis e para identificar e lidar com violações das normas delineadas no Código Europeu de Conduta para a Integridade na Investigação, as IFI, tanto no sector público como no privado, precisam de assegurar que há políticas, acordos de gestão, instalações e procedimentos apropriados. Especificamente, as IFI devem desenvolver, implementar e manter um Plano de Promoção da Integridade na Investigação (PPII). Um PPII descreve a um nível geral como a instituição promove a integridade na investigação e refere-se aos métodos concretos que a instituição emprega ou está a desenvolver para promover a integridade na investigação. Um PPII deve estar alinhado com os regulamentos, nacionais e internacionais, e deve ser flexivelmente adaptado à missão, perspetiva disciplinar e necessidades organizacionais da IFI. Com base em extensas revisões de documentos e consultas através de entrevistas, grupos de interesse e inquéritos Delphi, este Guia aponta nove tópicos que devem ser abordados num PPII.

 Ambiente de Investigação: Para promover a integridade na investigação e minimizar a má con­duta na investigação e as práticas de investigação questionáveis, as instituições que fazem investigação precisam de promover um ambiente acolhedor. A su­percompetição, as pressões ilícitas para publicação, os equilíbrios de poder e conflitos negativos devem ser explicitamente enfrentados e adequadamente tra­tados. Devem ser aplicadas políticas justas, transpa­rentes e responsáveis para avaliar, nomear e promover os investigadores. A diversidade e a inclusão devem ser ativamente estimuladas. A lealdade, abertura, re­flexão e responsabilidade partilhadas são elementos vitais de um ambiente de trabalho em que o risco de grandes ou pequenas violações da integridade na inves­tigação é minimizado.

 Supervisão e tutela: Tem de haver supervisão e tutela com­petentes dos investigadores em todas as fases das suas carreiras. O Plano de Promo­ção da Integridade na Investigação deve especificar os procedimentos e critérios de qualificação como super­visor ou mentor e deve incluir orientações para a su­pervisão e tutela de investigadores em diferentes fases da carreira, com a devida atenção a práticas de inves­tigação responsáveis.

 Formação em Integridade na Investiga­ção: A formação adequada em integridade na investi­gação deve ser ministrada aos investigadores em todas as fases da carreira por formadores qualificados. De­vem ser proporcionadas formação específica e opor­tunidades de troca de experiências ao pessoal que lida com questões de integridade na investigação e aos que ministram cursos de integridade na investigação. As instituições que fazem investigação devem também as­segurar que os investigadores tenham acesso online a informação adequada sobre integridade na investiga­ção e práticas responsáveis de investigação.

 Estruturas Éticas da Investigação: Para as­segurar que os investigadores da instituição possam aderir aos requisitos éticos da investigação, as insti­tuições que fazem investigação devem desenvolver e manter mecanismos de apoio adequados. As estrutu­ras de ética na investigação devem incluir comissões de ética da investigação dedicadas e adequadamente for­madas, refletindo o caráter das atividades de investi­gação dentro da instituição. O Plano de Promoção na Integridade deve incluir procedimentos para análises éticas relevantes para as várias áreas e disciplinas de investigação dentro da instituição.

 Práticas e Gestão de Dados: As instituições que fazem investigação devem prover orientação, for­mação e infraestruturas adequadas relacionadas com a gestão de dados e assegurar que as práticas são con­formes à legislação e aos códigos de conduta aplicá­veis. As políticas e procedimentos específicos incluí­dos no Plano de Promoção da Integridade na Investi­gação devem abordar preocupações legítimas como a proteção de dados, privacidade e direitos de proprie­dade intelectual, bem como assegurar o cumprimento de regulamentos nacionais e internacionais como o Regulamento Geral de Proteção de Dados (GDPR, na sigla inglesa) da União Europeia. A instituição deve ter infraestruturas adequadas para a recolha, armaze­namento, conservação, arquivo e partilha segura de dados. Além disso, as instituições devem facilitar os procedimentos de gestão e curadoria de dados con­forme os princípios FAIR, com vista a tornar os da­dos acessíveis, interoperáveis e reutilizáveis.

 Colaboração na Investigação: A colabora­ção entre disciplinas, setores e países é uma parte in­tegrante da investigação. As instituições que fazem in­vestigação devem ter políticas e procedimentos para assegurar que a colaboração na investigação possa ser feita de forma responsável em situações que exijam atenção específica, por exemplo, quando investigado­res de diferentes disciplinas ou com diferentes antece­dentes profissionais colaboram, quando investigado­res da UE colaboram com investigadores de países não abrangidos pelo GDPR e pelo Código Europeu de Conduta para a Integridade na Investigação, ou quando as instituições que fazem investigação colabo­ram com setores diversos.

 Publicação e Comunicação: As instituições que fazem investigação devem especificar as suas ex­pectativas sobre os procedimentos relacionados com a publicação e comunicação dos resultados da inves­tigação. As políticas e procedimentos específicos a se­rem incluídos no Plano de Promoção da Integridade na Investigação devem abordar a utilização de pré-re­gisto, pré-impressões e repositórios online, diretrizes para a atribuição de autoria, procedimentos para o tra­tamento de disputas de autoria, o modo institucio­nal do acesso aberto, curadoria de dados FAIR [fin­dability, accessibility, interoperability, reusability], expec­tativas sobre a utilização de diretrizes de comunica­ção, procedimentos para evitar publicações predatórias, es­tratégias para práticas responsáveis de revisão pelos pares e mecanismos para apoiar e reconhecer a comu­nicação pública dos resultados da investigação.

 Declaração de interesses: É importante que as instituições que fazem investigação capacitem os investigadores a apresentar declarações de interes­ses transparentes e se assegurem de que os conflitos de interesses são tratados adequadamente. Os investi­gadores devem ser apoiados por políticas e procedi­mentos no Plano de Promoção da Integridade na In­vestigação que especifiquem a abordagem da institui­ção à declaração de interesses e ao tratamento de con­flitos de interesses em relação à condução da investi­gação, financiamento, análise por pares, avaliação, valorização, promoções e colaboração entre diferen­tes setores. Em relação a trabalhos de investigação e consultoria encomendados, o Plano de Promoção na Integridade na Investigação deve delinear as medidas que a instituição toma para ser transparente e clara so­bre potenciais conflitos de interesses.

 Lidar com Violações da Integridade na In­vestigação: Mesmo em ambientes com uma forte cultura de integridade na investigação, ocorrem vio­la­ções de práticas de investigação responsável. As insti­tuições que fazem investigação devem criar pro­cedi­mentos transparentes para receber, detetar, tratar e sancionar as violações de integridade. Os procedi­mentos para assegurar que os investigadores possam consultar os responsáveis pela integridade na investi­gação ou consultores de confiança devem fazer parte do Plano de Promoção da Integridade na In­ves­tigação. Para assegurar que os denunciantes, bem como os acusados de má conduta na investigação, se­jam protegidos e que as alegações sejam investiga­das de forma justa, as instituições que fazem investi­gação devem estabelecer organismos de integridade na in­vestigação e procedimentos normalizados den­tro da instituição ou basear-se em disposições nacio­nais. O Plano de Promoção da Integridade na Inves­tigação deve também delinear soluções na sequência da dete­ção de violações da integridade na investiga­ção, tais como correção ou retirada de artigos, san­ção de inves­tigadores que se tenham envolvido em má conduta e medidas adequadas para prevenção no futuro. 

Recursos e Inspiração para o Desenvolvimento de um

Plano de Promoção da Integridade na Investigação

O projeto SOPs4RI identificará os Procedimentos Operacionais Normalizados existentes e as pertinentes Diretri­zes existentes e criará novos para cada um dos tópicos apresentados neste documento. Estes serão fornecidos numa caixa de ferramentas de fácil navegação onde as instituições que fazem investigação se poderão inspirar ao desenvolverem políticas, disposições de governação, instalações e procedimentos a serem incluídos no seu Plano de Promoção da Integridade na Investigação. É importante notar que as ferramentas serão diversificadas e relevantes numa vasta gama de disciplinas, perfis institucionais e países. Isto permite às instituições que fazem investigação extrair ferramentas que satisfaçam as suas necessidades organizacionais específicas.

Sobre este Documento

Este Guia para a Promoção da Integridade na Investigação em Instituições que fazem Investigação foi desenvol­vido pelo consórcio SOPs4RI. Os nove tópicos a serem abordados no Plano de Promoção da Integridade na Investigação organizacional foram identificados com base em revisões do âmbito (ver aqui), entrevistas a peritos (ver aqui) e um grupo Delphi (ver aqui). Para examinar as diferenças disciplinares, foram também realizados 30 grupos focais em toda a Europa (ver aqui).