Juan Irigoyen
Tradução espontânea a partir do blogue “Tránsitos intrusos”,
cuja divulgação foi gentilmente autorizada pelo autor.
Os doentes visitam os médicos nas consultas. Neste
sentido somos os visitantes. Vamos às consultas solicitar ajuda profissional
para enfrentar os nossos problemas de saúde. Sou um doente diabético e, como
tal, uma parte inevitável de minha vida é ser visitante de consultas.
Mas depois da visita volto à minha vida. No momento em
que sou visitante da consulta, encontro-me sob a autoridade do profissional que
supervisiona o meu estado, toma decisões e propõe ações. Mas, quando regresso à
minha vida, recupero a soberania. Já não sou visitante – governo-me ou
desgoverno-me a mim mesmo.
Muitos dos fatores que intervêm no estado da doença
relacionam-se com a minha vida. Os meus comportamentos e as minhas decisões
influenciam-na decisivamente. Na consulta não é possível falar da minha vida
como uma totalidade. Esta só às vezes é aludida. Mas o que predomina, quando
sou visitante, são as questões relacionadas com o estado da doença. Por isso, o
médico, que desempenha um papel tão importante na leitura e valorização dos resultados
no curso da doença, é um visitante da minha vida. Só se aproxima dela através
de alguns fragmentos que surgem numa conversa dirigida a resolver problemas
específicos relacionados com o tratamento.
A diferença entre a doença e a vida determina que os
pacientes sejam visitantes das consultas, mas autores das suas vidas. Os
médicos, que são os protagonistas nas consultas, podem ser, no melhor dos
casos, visitantes das nossas vidas. Estas têm lugar no exterior das consultas e
são difíceis de compreender nessa perspetiva. Só são afloradas em algumas das
suas dimensões, mas permanecem mudas no fundamental. O que se entende em
cuidados de saúde como “estilos de vida” é um conjunto de prescrições
dispersas, como um menu, que são invadidas por uma multiplicidade de
circunstâncias e situações que acontecem na vida individual de cada doente.
Os médicos tratam-nos segundo o nosso diagnóstico. Mas a
verdade é que o diagnóstico não torna iguais todos os que o compartilham. Não
somos como uma gama de automóveis que têm as mesmas características técnicas
para os mecânicos. Pelo contrário, os doentes não são fabricados em série, mas
cada um é uma recombinação de fatores individuais e atributos dos mundos que
vivem como seres sociais. Dentro da etiqueta diagnóstica, coexistem muitas pessoas
completamente distintas, que vivem mundos muito diferenciados e dotados de grande
heterogeneidade. Não me parece claro que tenhamos que ser tratados do mesmo modo,
ao jeito de algumas práticas clínicas focalizadas somente no diagnóstico.
Além da nossa doença, das nossas histórias médicas, somos
identificados por distintas variáveis de situação que nos diferenciam. O nosso
sexo, idade, situação familiar, educativa, profissional ou económica. Muitos
profissionais sobrevalorizam essas variáveis e fazem pacotes connosco. Tão
pouco é muito realista, porque, sem negar o que essas variáveis condicionam e
influenciam, o que verdadeiramente nos diferencia é a nossa vida, que sempre é
rigorosamente individual, de acordo com a nossa subjetividade.
Dizia Ortega y Gasset que “o homem é o Eu e a sua
circunstância”. É isso mesmo. A circunstância em que evolui a sua vida de
doente é um conjunto muito complexo que não se pode reduzir a uma relação entre
várias variáveis. É algo mais que isso. O eu é uma relação dinâmica entre o
corpo, a mente e o envolvimento social. Mas as relações entre estas componentes
tão pouco se podem reduzir a um modelo simples e homogéneo para todos.
O característico da vida individual é que supõe o
encontro do eu com o seu mundo específico. Cada pessoa encontra-se frente a
situações e sucessos únicos, que se repetem ou renovam. Além disso, a vida só
existe através da subjetividade, pela qual se selecionam e interpretam as experiências
e se põe à prova as perceções de cada um. A minha vida é o vivido pela minha pessoa
na minha perspetiva. Por isso a minha vida me diferencia dos outros. Nela sou insubstituível,
não é possível delegá-la nem que alguém a ocupe.
Uma das dimensões relevantes da vida é o futuro. A partir
do passado e do presente cada um faz uma composição acerca de seu futuro. No
caso dos doentes diabéticos, o futuro apresenta-se como um horizonte sobre o
qual pairam ameaças. Assim se configura um sofrimento inespecífico e sempre
associado à doença. Esta situação dá lugar a um processo de pensamentos e
sentimentos, não totalmente racionalizados, que crescem no interior da pessoa e
que nem sempre são facilmente comunicáveis. O paciente necessita ter uma visão
do seu futuro, que possa reduzir as ameaças e aspirar a conservar o controlo.
Este é o fator que configura a solidão do doente crónico.
O dilema da vida de um doente diabético é resolver a
tensão entre o presente e o futuro. As restrições na vida diária implicadas
pela doença têm que ser compensadas mediante gratificações. Estas significam
transgressões ao tratamento. Esta equação entre as restrições, assim como os
sofrimentos a que conduzem, e as gratificações, tão difícil de resolver no quotidiano,
está permanentemente presente. É preciso administrá-la a todos o momento.
Assim se configura o dilema de um tempo, que para nós
significa dizer sempre, sem esperança fundada de reversão à situação anterior à
doença. Aqui radica o cerne da vida de um doente diabético.
Por isso, quando nos apresentamos nas consultas como
visitantes, o mais importante é que nos entendam. Que percebam que temos uma
vida, uma temporalidade e que estas se regem pela equação enunciada, o que
torna tudo difícil. Então, para que um médico te trate bem é preciso que
compreenda a tua singularidade, a tua condição e a complexidade de tua vida. Se
se levantam problemas de natureza clínica, o médico tem que realçar os riscos e
propor alternativas. Mas, na decisiva questão da vida do doente, a sua posição
é apenas uma perspetiva, que não pode substituir a do doente quando este passa
a porta da consulta e volta à sua vida.
Por isso, nas consultas, os médicos só podem ser
visitantes das vidas dos doentes. Manter as distâncias e perceber as suas
limitações, como faz um visitante. Daí que o mais importante na consulta seja
melhorar a relação entre as partes. Esta é a questão central. Uma boa relação assenta
no valor dado à compreensão do doente e da sua circunstância. Assim se pode
fazer a ponte entre o tratamento e a vida. Com esta premissa, a boa comunicação
pode reforçar a confiança mútua, o que é um requisito essencial da boa
assistência.
Mas há problemas que não se podem combater só com
tecnologia. Assim, no caso dos numerosos doentes cuja direção de vida não tem
rumo, a atuação do profissional é limitada. O mesmo se passa com doentes a quem
faltam recursos psicossociais mínimos. Nestes casos, receio que o médico, além
de possível visitante das suas vidas, se torne numa mera testemunha.