Tiphaine Lenfant, medical doctor1,2, Philippe Ravaud, professor of epidemiology1,3,4, Victor M. Montori, professor of medicine5, Gro R. Berntsen, professor of primary care6, Viet-Thi Tran, professor of epidemiology1,3
Tradução espontânea do texto
Five principles for the development of minimally disruptive digital medicine
Os especialistas preveem que nenhuma sociedade ou sistema
de saúde será capaz de cuidar de pessoas com doenças crónicas de forma
sustentável nos próximos 20 anos.(1)
Do mesmo modo, os cuidados de saúde são cada vez mais impraticáveis para os próprios
doentes, sobrecarregados pelas tentativas de aceder e utilizar os serviços de
saúde e de adotar rotinas de autocuidado. A medicina digital é frequentemente
encarada como a solução para esta crise.
A medicina digital complementa as consultas tradicionais
no “local de prestação de cuidados” com o acompanhamento e as intervenções à
distância e em tempo real “no local de domicílio”, onde os doentes vivem,
trabalham e descansam. Estão a surgir soluções tecnológicas para todos os
problemas dos doentes. Os doentes com doença de Parkinson, por exemplo, podem
ter meias inteligentes que monitorizam o risco de quedas, smartwatches
para medir os sinais vitais, adesivos inteligentes que medem os níveis
sanguíneos de L-dopa, detetores de quedas nos seus braços ou mesmo assistentes
robóticos. (2)
Embora cada uma destas inovações possa responder de forma independente a uma
indicação terapêutica ou preventiva, consideramos que a sua soma pode perturbar
muito a vida dos doentes e gerar uma carga de trabalho impossível de gerir
pelos médicos.
Com base no conceito de medicina minimamente disruptiva,
(3)
propomos cinco princípios para uma medicina digital minimamente perturbadora.
Primeiro, a
medicina digital deve respeitar o caráter humanista dos cuidados. A tecnologia deve
respeitar tanto os aspetos “biotécnicos” como os “humanos” dos cuidados.
Enquanto os aspetos biotécnicos são passíveis de eficiência técnica, os aspetos
humanos seguem o ritmo da cura. Atualmente, a medicina digital baseia-se em
algoritmos que ignoram toda a amplitude das circunstâncias da vida dos doentes,
respondendo à sua biologia sem ter em conta a sua biografia. Ao tentar
substituir a interação presencial pela tecnologia, corre-se o risco de retirar
a atenção cuidadosa que os profissionais de saúde prestam à situação de cada
doente e a consequente criação compassiva e competente de uma resposta
orientada por “aquilo que importa” para cada doente. Os cuidados integrados, um
modelo inovador que aumenta os cuidados com soluções digitais em vez de os
substituir, oferecem um caminho a seguir. A conceção de cuidados combinados
exige o envolvimento ativo dos utentes finais para desenvolver uma forte
compreensão das razões pelas quais as ferramentas digitais são necessárias,
quais são úteis, em que processos de cuidados, para quem e em que
circunstâncias.
Segundo, a
medicina digital não deve ser imposta indiscriminadamente a todos os doentes. As ferramentas digitais
transferem parte da sobrecarga de trabalho dos sistemas de cuidados para os
doentes. Para muitos doentes, isso pode aliviar o peso do tratamento, por
exemplo no tempo gasto nas deslocações para as consultas ou nas salas de
espera, e devido a eventuais adiamentos. No entanto, as soluções digitais podem
excluir alguns grupos, por exemplo, pessoas com acesso limitado a ferramentas
digitais, pessoas com deficiências que impedem a utilização de ferramentas
digitais, pessoas pouco familiarizadas ou ansiosas com a utilização da
tecnologia e pessoas com fraca literacia digital. Tal como noutros aspetos dos
cuidados de saúde, a resposta às necessidades de cada doente exigirá cuidados
presenciais ou “analógicos” para alguns doentes em determinadas circunstâncias.
Terceiro, a
medicina digital deve ter como objetivo a participação dos doentes a longo
prazo. Entre 55% e 90% dos casos, os doentes abandonam os programas de
monitorização digital à distância.(4)
As soluções existentes exigem tempo, energia e atenção, independentemente das
circunstâncias do doente. Para serem úteis, as soluções digitais devem ser
sensíveis e refletir as crenças, capacidades, necessidades conflituantes dos
doentes, bem como apoio social. Assim, os utentes devem poder ajustar as
ferramentas digitais para personalizar a sua utilização no momento da inscrição
e ao longo do tempo. Por exemplo, os doentes devem poder aumentar a frequência
da monitorização quando se sentem mal e desligá-la, contribuindo assim para a
programação dos seus cuidados e reduzindo a sua intrusão (ou bisbilhotice).
Quarto, a
medicina digital deve ter em conta a multimorbilidade. A maioria das soluções
digitais atuais responde a doenças individuais ou mesmo a sinais, ignorando não
só o contexto pessoal mas também o biológico. Por exemplo, 82% dos doentes com
diabetes têm pelo menos uma doença crónica adicional, mas a maioria das
aplicações para a diabetes não tem em conta as suas comorbilidades.(5)
Estes doentes e os seus médicos teriam de se ligar a várias plataformas e
aplicações, uma para cada um dos seus problemas. Uma solução poderia consistir
em oferecer uma interface unificada e personalizada para os dados de várias
aplicações, por exemplo, integradores como o SaaS (Software as a Service)
que apresentem calendários, comunicações e listas de tarefas numa única
visualização. Este tipo de integrador proporcionaria uma aplicação para os
doentes e uma visualização num único painel para os médicos, graças aos centros
de comando do tráfego de cuidados nos hospitais que processam todos os dados
recebidos.(6)
Quinto e último, a medicina
digital deve promover a sustentabilidade humana dos cuidados de saúde. O
acompanhamento remoto e de alta frequência dos doentes aumenta o número de
pontos de contacto e de dados introduzidos. Os alertas e as exigências do
sistema digital podem perturbar e desviar a atenção dos médicos, aumentando a
sua sobrecarga de trabalho. Os médicos ficarão ocupados com procedimentos
complexos de autenticação e de acesso à plataforma, com a introdução e
verificação de dados e com a ordenação de intervenções, o que poderá conduzir a
erros e exaustão. Para serem eficazes, tanto as soluções digitais como as
equipas de prestação de cuidados devem, essencialmente, ser concebidas para
facilitar a prestação de cuidados.