09 outubro 2024

Elogio da burocracia

Elogio da Burocracia

I - No jornal Público, como noutros escritos, não faltam evocações dos malefícios da burocracia.

II - “Todo-o-Mundo” se queixa dela. Será que a burocracia é assim tão má? “Ninguém” acredita nas sua vantagens!

III - A má fama da burocracia é, todos o sabemos, devida a lhe atribuirmos a culpa pelo tempo que gastamos a resolver coisas simples. Sendo um «sistema administrativo baseado na organização em serviços e na divisão de tarefas, que privilegia as funções hierárquicas de maneira a dispor de uma grande quantidade de trabalho de uma forma rotineira» (Dicionário da Língua Portuguesa, Porto Editora), a maldita burocracia serve, para muitos, de desculpa para não fazer o que deve ser feito.

IV - Contudo, é sabido que não há fármacos venenosos – tudo depende das doses!

V - Erasmo de Roterdão escreveu um livro sarcástico designado “Elogio da Loucura” (Guimarães Ed., tradução de Álvaro Ribeiro,1951). Este despretensioso texto não procura imitar o seu estilo nem os objetivos…

VI – Pretende-se, antes, chamar a atenção para algo a que alguns chamam “burocracia” mas que é, afinal, um “dever”.

VII - O dever de documentação, nomeadamente no atendimento dos serviços de saúde, é tão importante que precisa, constantemente, de ser recordado aos profissionais, na medida em que serve os interesses tanto dos profissionais como os dos destinatários do seu labor.

VIII - Dizem alguns médicos e alguns enfermeiros que o tempo consumido a registar os procedimentos e atos realizados mais útil seria se fosse destinado a mais procedimentos e atos próprios das respetivas profissões.

IX - Como é fácil de perceber, a ausência de registos seria tão prejudicial aos doentes (conduzindo a repetições dispendiosas de exames e consultas, atrasando decisões e diagnósticos), como aos profissionais (impossibilitando demonstrar ter havido boas práticas, dificultando sinergias entre áreas e serviços complementares).

X - Quando ouvimos queixas de excesso de burocracia, tememos estar perante profissionais que preferem agir sem assumirem responsabilidades (não "se atravessam", não equacionam os fundamentos das suas ações).

XI - A burocracia e os atos burocráticos associados aos atos próprios das profissões de saúde são maléficos quando são em demasia, certamente. Os programas informáticos, sobretudo se melhorados pela “inteligência artificial”, hão de permitir que os profissionais tenham mais tempo para “aquilo que interessa”, mas, por mais eficientes que sejam, nunca deixarão de nos “obrigar” a dedicar algum do nosso tempo a tarefas “burocráticas”, usando a inteligência natural, usando a validação humana.

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