Não gosto mesmo nada de ser
repreendido. Hesitei em escrever este pequeno texto porque pode parecer que
estou a repreender alguém.
Porém, não consigo conter-me.
Esta semana vi no meu feed
do Facebook uma fotografia que celebrava o 500.º implante de um dispositivo
cardíaco preventivo. A fotografia mostrava médicos sorridentes e representantes
da indústria muito contentes. O autor expressava a sua felicidade por estar a ajudar tantas pessoas.
O problema é que não foi
demonstrado que este dispositivo ajuda as pessoas. Pode ajudar as pessoas, mas as
provas não são conclusivas. Os ensaios regulamentares foram extremamente
fracos.
O meu feed do Twitter (ou X)
inclui muitas imagens semelhantes a estas – grupos de médicos a celebrar o seu
primeiro ou centésimo implante de algum produto da indústria. A imagem tem
normalmente um ou dois representantes da indústria, alguns médicos e uma embaçagem ou um logótipo do produto.
Lamento muito, mas isto é inaceitável.
Não sou contra a colaboração entre
a indústria e os médicos. A indústria conseguiu muitos progressos importantes.
Não gostaria de regressar às tecnologias dos anos 90. Também não sou contra a
motivação do lucro como estímulo à inovação.
Mas, se nos pomos nas redes sociais junto de produtos e de pessoas do setor, estamos a ser utilizados como publicidade.
E, na maior parte das vezes, os
produtos promovidos têm fundamentos duvidosos.
O Professor John Ioannidis defendeu
que os médicos – muitas vezes inadvertidamente – se tornam nos grandes
publicitários da indústria. No passado, a indústria tinha de empregar os
principais líderes de opinião do meio académico para promover os seus produtos.
Agora, com as redes sociais, a
indústria pode transformar em influenciadores quaisquer médicos que utilizem os seus produtos.
Penso que é melhor resistir à
tentação de sermos usados. Com o crescimento do papel do mercado nos cuidados
de saúde, os médicos estão a perder o seu estatuto de profissionais. Estas cenas
promocionais apenas aceleram tal declínio.
P.S. Muitas destas imagens também quebram o vínculo sagrado de confidencialidade para com os doentes.