01 março 2024

Acordai, caros colegas… estais a ser usados!


Acordai, caros colegas… estais a ser usados!
John Mandrola
 
Tradução espontânea da crónica

Não gosto mesmo nada de ser repreendido. Hesitei em escrever este pequeno texto porque pode parecer que estou a repreender alguém.

Porém, não consigo conter-me.

Esta semana vi no meu feed do Facebook uma fotografia que celebrava o 500.º implante de um dispositivo cardíaco preventivo. A fotografia mostrava médicos sorridentes e representantes da indústria muito contentes. O autor expressava a sua felicidade por estar a ajudar tantas pessoas.

O problema é que não foi demonstrado que este dispositivo ajuda as pessoas. Pode ajudar as pessoas, mas as provas não são conclusivas. Os ensaios regulamentares foram extremamente fracos.

O meu feed do Twitter (ou X) inclui muitas imagens semelhantes a estas – grupos de médicos a celebrar o seu primeiro ou centésimo implante de algum produto da indústria. A imagem tem normalmente um ou dois representantes da indústria, alguns médicos e uma embaçagem ou um logótipo do produto.

Lamento muito, mas isto é inaceitável.

Não sou contra a colaboração entre a indústria e os médicos. A indústria conseguiu muitos progressos importantes. Não gostaria de regressar às tecnologias dos anos 90. Também não sou contra a motivação do lucro como estímulo à inovação.

Mas, se nos pomos nas redes sociais junto de produtos e de pessoas do setor, estamos a ser utilizados como publicidade.

E, na maior parte das vezes, os produtos promovidos têm fundamentos duvidosos.

O Professor John Ioannidis defendeu que os médicos – muitas vezes inadvertidamente – se tornam nos grandes publicitários da indústria. No passado, a indústria tinha de empregar os principais líderes de opinião do meio académico para promover os seus produtos.

Agora, com as redes sociais, a indústria pode transformar em influenciadores quaisquer médicos que utilizem os seus produtos.

Penso que é melhor resistir à tentação de sermos usados. Com o crescimento do papel do mercado nos cuidados de saúde, os médicos estão a perder o seu estatuto de profissionais. Estas cenas promocionais apenas aceleram tal declínio.

P.S. Muitas destas imagens também quebram o vínculo sagrado de confidencialidade para com os doentes.