Neste Dia Internacional da Mulher, a RTP transmitiu o documentário "Era bonito vê-la pensar", que pode agora ser visto AQUI. O vídeo fora apresentado em 2023 simultaneamente no Hospital de Santo António, no I3S - Instituto de Investigação e Inovação em Saúde e no Hospital de S. Sebastião, por ocasião do primeiro aniversário do seu falecimento. Para este último lugar, preparei o texto seguinte que acabei por não ler todo visto o documentário referir tudo o que pudesse dizer. Fica aqui só para memória futura,
Conheci a Paula Coutinho em 1975 – há 48 anos! Estava a começar o internato complementar no Santo António e ela tinha acabado de chegar da Suíça, de onde trazia o título de Chefe de Clínica. Era a Especialista mais nova do Serviço, tinha já uma aura de competência.
Devo-lhe muito. Devo-lhe, desde logo, a forma
como me ensinou os primeiros passos na Neurologia. Com 5 anos de diferença de
idade, a “chefe”, a breve prazo, possibilitou
que nos tratássemos por tu, mas isso
nunca foi obstáculo a que me repreendesse quando era preciso.
Numa época de grande efervescência política em que me
envolvi intensamente como representante eleito pelos internos na direção do Hospital
e na direção do Internato Médico, senti
sempre a sua empatia e apoio.
Recordo, em
especial, a visita de trabalho que
fizemos, com Corino de Andrade, a 4 ilhas dos Açores, durante três semanas em 1977. O
“patrão”, já aposentado, fazia as honras com as autoridades de
saúde locais, a Paula examinava proficientemente
os doentes de Machado-Joseph (confirmados ou suspeitos), enquanto eu anotava as observações e esboçava as árvores
genealógicas, aprendia o rigor da
avaliação clínica e a cordialidade dos contactos, levava as malas e conduzia os carros. Uma experiência
inesquecível! Via-se como Corino de Andrade estimava a Paula como a uma filha sabedora
e promissora.
Participámos na redação do primeiro Programa do
Internato Geral, ainda em 1976. Participámos
também na redação do Guia de Diagnóstico de Morte Cerebral, publicado em 1998 na “Acta Médica Portuguesa”. A Paula sempre demonstrou, sem necessidade de o alardear, uma consistência ética e uma sensatez
exemplares, tanto ao nível
profissional como pessoal.
A minha vida profissional decorreu durante mais de 20
anos (1979-2001) noutras paragens, até
que, por seu convite, voltei a trabalhar sob a sua orientação
no Hospital da Feira. Assisti, neste novo hospital, ao modo como fazia a
supervisão clínica dos serviços da área médica de forma inovadora e eficaz, com gestão comum de camas, com uma justa avaliação de desempenhos.
Deixara para trás a docência universitária pré-graduada do ICBAS mas manteve
uma efetiva atividade académica, orientando
doutorandos e publicando os resultados das suas investigações.
Depois da aposentação, almoçávamos todos os meses,
juntando de cada vez um terceiro conviva. Testemunho o quanto lhe agradava
esse convívio e como, quando começou
a tropeçar nas armadilhas da memória, conseguia
elegantemente disfarçar as conversas com esses amigos e amigas.
Perdê-la do convívio foi como perder a minha irmã mais velha, eu que só tive irmãos rapazes. O luto, dizem, também se desfaz na recordação e, por isso, deixem-me felicitar a Sociedade Portuguesa das Doenças do Movimento por celebrar desta forma a memória da Paula Coutinho. Obrigado.
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