23 fevereiro 2024

Código Internacional de Ética Médica revisto

 

O Código Internacional de Ética Médica revisto:
um exercício de autorregulação ética profissional internacional
Ramin W Parsa-Parsi, Raanan Gillon, Urban Wiesing
Department for International Affairs, German Medical Association, Berlin
 
Tradução do resumo e dos títulos das secções do artigo
The revised International Code of Medical Ethics: an exercise in international professional ethical self-regulation

RESUMO A Associação Médica Mundial (AMM), que representa a profissão médica a nível mundial, aprovou pela primeira vez o Código Internacional de Ética Médica (CIEM) em 1949, com o objetivo de definir os deveres profissionais dos médicos para com os doentes, outros médicos e profissionais de saúde, para com os próprios e para com a sociedade em geral. O CIEM foi submetido a um importante processo de revisão de 4 anos, que culminou com a sua adoção unânime pela Assembleia Geral da AMM em outubro de 2022, em Berlim. Este artigo descreve e discute o CIEM, o seu processo de revisão, as questões controversas e incontroversas e o amplo consenso alcançado entre os membros constituintes da AMM, representantes de mais de 10 milhões de médicos em todo o mundo. Os autores analisam o CIEM, incluindo a sua resposta às mudanças e desafios contemporâneos, como a pluralidade ética e a globalização, à luz de teorias e abordagens éticas, chegando à conclusão de que o documento é um bom exemplo de autorregulação ética profissional internacional.

> Globalização e ethos médicos: antecedentes históricos

> O processo de revisão
> Novas orientações incontestáveis
> Novas orientações potencialmente polémicas
> Especificidade vs. possibilidade de avaliação profissional
> Acréscimos controversos
> Compromisso sobre a objeção de consciência (ver também este postal)
> Um cânone de princípios éticos para os membros da profissão médica a nível mundial
> Um documento deontológico também preocupado com as virtudes e as consequências
> O CIEM revisto coaduna-se com o "principialismo" ou com a "abordagem dos quatro princípios" da ética médica?
> Um documento ético adotado através de um procedimento político
> Será a AMM o organismo adequado para assumir a responsabilidade de estabelecer esta ética médica global?

 Ver o artigo original completo AQUI

Ver tradução do Código Internacional de Ética Médica AQUI

22 fevereiro 2024

Matrículas imaginárias

               

AA 44 AH => AAAAAH para carros espantosos

AB 10 SE => ABIOSE para carros sem vida

AB 15 MO => ABISMO para carros com bons travões

AB 41 XO => ABAIXO para carros das manifs

AC 47 AR => ACATAR para carros obedientes

AD 46 IO => ADAGIO para carros em andamento lento

AE 10 UY => AEIOUY para carradas de vogais

AF 01 TO => AFOITO para carros de valentes

AF 14 DO => AFIADO para carros comprados a prestações

AF 37 OS => AFETOS para carros do Marcelo

AF 45 TA => AFASTA para carros de principiantes

AG 01 RO => AGOIRO para carros azarados

AG 05 TO => AGOSTO para carros de férias

AG 10 TA => AGIOTA para carros de banqueiros

AG 17 AR => AGITAR para carros irrequietos

AI 41 AI => AIAIAI para carros medricas

AL 14 DO => ALIADO para carros amigos

AL 31 XO => ALEIXO para carros de poetas populares

AL 61 DO => ÁLGIDO para carros sem aquecimento

AL 81 NO => ALBINO para carros brancos

AM 16 OS => AMIGOS para carros que dão boleia

AM 31 XA => AMEIXA para carros de fruta

AN 13 AL => ANÍBAL para o carro do Cavaco

AN 60 LA => ANGOLA para carros africanistas

AN 71 GO => ANTIGO para carros de coleção

AP 01 AR => APOIAR para carros campanhas eleitorais

AP 05 TA => APOSTA para carros em segunda mão

AR 15 CO => ARISCO para carros desconfiados

AR 60 LA => ARGOLA para carros para meter o pé

AR 61 LA => ARGILA para carros esculpidos

AR 71 GO => ARTIGO para carros legais

AS 51 NO => ASSINO para carros de peticionários

AU 70 RA => AUTORA um carro para a Lídia Jorge

AV 31 RO => AVEIRO para carros à beira-ria 

AX 10 MA => AXIOMA para carros que nem precisam de demonstração

AZ 14 GO => AZIAGO para carros azarentos

AZ 31 TE => AZEITE para carros temperados

BA 70 TA => BATOTA para carros falsos

BA 74 TA => BATATA para carros de merceeiros

BI 70 LA => BITOLA para carros bem medidos

BL 06 TC => BLOG TC para o carro do autor deste BLOG Textos e Contextos

CA 54 CO => CASACO para carros com frio

CA 57 RO => CASTRO para carros de arqueólogos

CA 64 DO => CAGADO para carros sujos

CA 71 TA => CATITA para carros elegantes

CH 15 TE => CHISTE para carros engraçados

CH 31 RO => CHEIRO para carros a precisar de limpeza

CI 74 RA => CÍTARA para carros poéticos e líricos

CO 10 TE => COIOTE para carros uivantes

CO 57 AS => COSTAS para o carro da família do António

DI 74 DO => DITADO para carros da 4.º classe

EE 33 EE => ⴹⴹⴺⴺⴹⴹ para carros que andam para a frente e para trás

EL 17 ES => ELITES para carros privilegiados

EN 60 DO => ENGODO para carros que enganam

ES 71 CA => ESTICA para o carro do Bucha

ES 71 LO => ESTILO para carros especiais

ES 74 DO => ESTADO para carros de funcionários públicos

EX 17 OS => ÊXITOS para carros com muita venda

FA 15 CA => FAÍSCA para carros elétricos

FA 71 AR => FATIAR para comer em sandes mistas

FE 17 OR => FEITOR para carros das quintas

FE 57 AS => FESTAS para carros folclóricos

FI 56 AR => FISGAR para carros que apanham pardais

GN 05 EO => GNOSEO- para carros relativos ao conhecimento

HE 17 OR => HEITOR para o carro do ministro da Ciência

ID 10 TA => IDIOTA para carros malucos

II 11 II => IIIIII para carros com códigos de barras

IR 51 RC => IRS IRC para carros do cobrador de impostos

LO 81 TO => LOBITO para os carros de Benguela

MA 61 CO => MÁGICO para carros com truques

MA 73 US => MATEUS para carros de evangelistas

ME 16 OS => MEIGOS para carros de namorados

MI 55 AL => MISSAL para carros de párocos

OB 17 OS => ÓBITOS para carros funerários

OB 57 AR => OBSTAR para carros de objetores de consciência

OB 71 DO => OBTIDO para carros acabados de comprar

OO 00 OO => 000000 para carros que não existem

OP 71 MO => ÓPTIMO para carros que não seguem o Acordo Ortográfico

PA 55 AR => PASSAR para carros que passam

PA 55 OS => PASSOS para carros do PSD

PA 73 TA => PATETA para carros ridículos

PL 47 AO => PLATÃO para carros de filósofos

PO 35 IA => POESIA para carros que rimam

PO 37 AS => POETAS para carros com rimas

PO 57 AL => POSTAL para carros dos correios

PR 15 AO => PRISÃO para carros da PGR

QU 10 SK => QUIOSK para carros com jornais e tabaco

QU 13 TO => QUIETO para carros que não andam

QU 15 TO => QUISTO para carros que precisam ser extraídos

QU 31 JO => QUEIJO para carros esquecidos

RA 10 SX => RAIOSX para carros de radiologistas

RA 56 AR => RASGAR para carros a precisar de estofos novos

RA 71 TO => RATITO para carros com fominha

RA 77 ON => RATTON para carros do Tribunal Constitucional

RE 51 NA => RESINA para carros do pinhal

RE 71 RO => RETIRO para carros isolados

RI 55 OL => RISSOL para carros salgados

RU 55 OS => RUSSOS para carros do leste ucraniano

RU 61 DO => RUGIDO para carros ferozes

SA 71 RA => SATIRA para carros a gozar connosco

SS 55 SS => SSSSSS para carros velozes

SU 66 IA => SUGGIA para o carro da Casa da Música

TA 74 TA => TATATA para carros com rateres

UN 61 DO => UNGIDO para carros com óleos santos

20 fevereiro 2024

Atualização da certificação

JAMA. 2024 Feb 5. doi: 10.1001/jama.2024.0374

Atualização da certificação – um valor para doentes e médicos
Robert O. Roswell (a), Erica N. Johnson (b), Rajeev Jain (c)

Em 1936, a American Medical Association e o American College of Physicians formaram em conjunto o American Board of Internal Medicine (ABIM) como uma organização de avaliação independente para diferenciar os internistas que cumpriam padrões estabelecidos e revistos por pares. A missão do ABIM é melhorar a qualidade dos cuidados de saúde através da certificação de médicos internistas e de subespecialidades que demonstrem conhecimentos, competências e atitudes exigíveis para a excelência dos cuidados prestados aos doentes.1 Durante mais de meio século, o processo de certificação terminava no início da carreira quando os médicos recebiam a primeira certificação. Em 1990, com o objetivo de garantir ao público que os médicos certificados mantinham os seus conhecimentos e competências, o ABIM começou a exigir uma reavaliação periódica dos conhecimentos médicos para manter a certificação em todas as áreas. A Medicina tem evoluído a um ritmo acelerado e, ao participarem na Atualização da Certificação (MOC = maintenance of certification), os médicos podem garantir aos doentes, aos colegas e a si próprios que estão a fazer o que é necessário para se manterem atualizados em termos de conhecimentos e práticas médicas.

Numa altura em que os médicos se sentem sobrecarregados com os requisitos burocráticos das autorizações prévias, com as formações institucionais obrigatórias sobre tantas matérias, desde a segurança no local de trabalho à faturação e codificação, e estão a recuperar coletivamente do enorme e contínuo abalo que foi a COVID-19, alguns médicos começam a questionar os benefícios da certificação.

O ABIM reconhece os desafios e as exigências que os médicos em exercício enfrentam atualmente e utiliza as respostas dos diplomados para melhorar os seus programas e processos. Com base nos comentários oriundos da comunidade de diplomados, o ABIM lançou a Auditoria Longitudinal de Conhecimentos (LKA = Longitudinal Knowledge Assessment). A LKA foi concebida para melhor se adaptar aos horários e desejos de flexibilidade dos médicos. Cerca de 80% dos médicos certificados pelo ABIM em todas as disciplinas estão a escolher a LKA em vez do tradicional exame MOC de formato longo. O LKA não requer preparação, leva em média 4 horas por ano e, depois de as perguntas serem respondidas, fornece ao diplomado um resultado imediato, com fundamentos e referências, dando-lhe a oportunidade de endereçar críticas ao ABIM. Em todas as disciplinas, 70% dos diplomados concordam, 16% são neutros e 14% discordam da afirmação de que “o LKA é uma avaliação justa dos conhecimentos clínicos nesta disciplina”.

É importante salientar que todas estas inovações ocorrem com a supervisão de uma estrutura de gestão diversificada que inclui médicos com diferentes formas de exercício da profissão e também membros públicos não médicos. No início da sua história – que remonta a 1936 – a gestão do ABIM era maioritariamente constituída por elementos da academia e das sociedades de especialidade. Mas em 2014, o ABIM modificou substancialmente a sua estrutura de gestão, adotando uma política de supervisão em cada uma das suas disciplinas e complementando o trabalho dos comités que criam os conteúdos dos exames; os membros recém-nomeados da estrutura de gestão foram selecionados para representar uma larga gama de tipos de prática e a experiência de médicos de cada disciplina, juntamente com outros membros da equipa, sejam eles doentes ou apenas não-médicos. Com o lançamento do LKA em 2022, a criação de conteúdos foi alargada a mais de 1000 voluntários. Essa expansão incluiu intencionalmente uma maioria de médicos no ativo que trabalham em variados ambientes. O ABIM tem como objetivo ser um veículo através do qual a profissão de medicina interna estabelece padrões para si mesma.

Todos os médicos envolvidos no tratamento de doentes assumem o pesado encargo de todos os custos e esforços necessários para se manterem atualizados, de modo a proporcionarem aos seus doentes os melhores cuidados de saúde de última geração baseados em provas. Para ajudar a enfrentar esses desafios, ao lançar o LKA, o ABIM baixou os custos do programa de certificação contínua a 10 anos para todos os médicos – independentemente do número de certificados que possuam – se participarem no LKA. Agora custa US$ 220 por ano para manter um certificado e US$ 120 para cada certificado adicional.2 Para garantir a transparência financeira, os demonstrativos financeiros auditados, incluindo o Formulário 990 do Internal Revenue Service, são tornados públicos pelo ABIM assim que estão disponíveis, uma ação que nem todas as organizações sem fins lucrativos seguem.2 A organização ganhou um Platinum Seal of Transparency from Candid pela sua transparência financeira, que inclui a publicação de demonstrativos financeiros e um guia sobre como ler os documentos financeiros publicados pela organização.2,3

Um grande e crescente conjunto de provas provenientes de estudos de coorte publicados e revistos por pares, com análises estatísticas ajustadas, demonstrou que os doentes que são tratados por médicos que demonstram mais conhecimentos médicos através da certificação e do MOC têm um melhor prognóstico para uma série de indicadores importantes, incluindo uma menor mortalidade por doenças cardiovasculares, menos visitas a serviços de urgência, menos hospitalizações não planeadas, melhor adesão a diretivas médicas, melhores resultados em inúmeras dimensões do processo de cuidados, como a prescrição de opiáceos e os cuidados com a diabetes, e menos ações disciplinares do conselho médico estatal.4

Os médicos que foram obrigados a completar o MOC para se manterem certificados apresentaram um custo total de cuidados 2,5% mais baixo para os beneficiários do Medicare, sem qualquer declínio na qualidade. Isto traduz-se em cerca de 5 mil milhões de dólares por ano em poupanças nos cuidados de saúde quando extrapolado para toda a população da Medicare.5 A totalidade das provas relativas à certificação e ao MOC inclui agora estudos que envolvem coletivamente dezenas de milhares de médicos e centenas de milhares de doentes. Apesar das limitações destes estudos, existem associações positivas importantes dos resultados relativos aos doentes.

Alguns médicos interrogam-se sobre se a autoavaliação, por si só, pode garantir melhores resultados e cuidados mais eficientes. O presidente e diretor executivo do Accreditation Council for Continuing Medical Education defendeu recentemente que, para que a formação médica contínua seja eficaz no preenchimento das lacunas de conhecimento identificadas, é necessário um programa de certificação contínua que utilize avaliações objetivas do conhecimento médico.6

O ABIM procura continuamente melhorar os seus procedimentos de certificação. Para garantir a justeza e o alinhamento com as forças estruturais que influenciam as avaliações, tais como as perguntas de certificação, o ABIM investiu na revisão das perguntas sobre vários exames para identificar e eliminar a parcialidade, caso fosse detetada. A equidade na saúde foi recentemente aprovada como pertencente a uma nova área nas avaliações do ABIM. Está em curso um trabalho para melhorar o conhecimento das disparidades de saúde existentes nos exames, incluindo as melhores práticas para promover a equidade na saúde. O ABIM reúne-se regularmente com as direções das sociedades de especialidades. Uma futura inovação na avaliação, solicitada por algumas sociedades médicas, incluirá a introdução de perfis de exercício em algumas disciplinas em que os dados demonstram a existência de mais práticas na disciplina; estes facilitarão a conceção de avaliações mais adaptadas que aumentarão a sua relevância.

As tecnologias emergentes, como a inteligência artificial e os modelos de linguagem de grande dimensão, criarão abordagens de avaliação inovadoras e o ABIM comprometeu-se a explorá-las, ao mesmo tempo que garante que a demonstração de conhecimentos de cada médico continua a ser a base da certificação, um processo que reconhece explícita e publicamente as competências e a especialização de um médico individualmente considerado.

Algumas negociações anteriores com médicos levaram já a mudanças significativas no MOC. Com o contributo dos médicos e mantendo os doentes em primeiro plano, os programas do ABIM continuarão a evoluir. Os médicos que obtêm e mantêm a certificação devem ser reconhecidos pelas suas realizações na obtenção e manutenção dos seus conhecimentos médicos atualizados ao longo das suas carreiras. Esperamos continuar a envolver a comunidade de internistas e subespecialistas, bem como continuar a proporcionar uma forma de reconhecer o valor da experiência arduamente adquirida que os médicos certificados oferecem aos seus doentes, aos colegas e à comunidade.

Referências:
1 American Board of Internal Medicine. About ABIM. Accessed November 17, 2023.
2 American Board of Internal Medicine. ABIM fees. Accessed November 17, 2023.
3 American Board of Internal Medicine. ABIM candid profile. Accessed December 20, 2023.
4 American Board of Internal Medicine. Evidence supporting certification and MOC. Accessed November 17, 2023.
5 Gray BM, Vandergrift JL, Johnston MM, et al. Association between imposition of a maintenance of certification requirement and ambulatory care–sensitive hospitalizations and health care costs. JAMA. 2014;312(22):2348-2357.
6 Lyness JM, McMahon GT. The role of specialty certification in career-long competence. Acad Med. 2023;98(10):1104-1106.
 
Afiliações:
(a) Department of Science Education, Donald and Barbara Zucker School of Medicine at Hofstra/Northwell, New Hyde Park, New York. (b) Department of Medicine, Division of Infectious Diseases, Johns Hopkins University School of Medicine, Baltimore, Maryland. (c) Texas Digestive Disease Consultants, GI Alliance, Dallas.

18 fevereiro 2024

Efeméride - 18 de fevereiro de 1834

Faz hoje 190 anos que aconteceu a batalha de Almoster. 
"Uma das mais importantes vitórias dos liberais, comandados pelo marechal Saldanha, sobre os absolutistas, chefiados pelo general Lemos. Travou-se em 18 de fevereiro de 1834 e nela os miguelistas [...] perderam um milhar de homens, entre mortos, feridos e prisioneiros." [Dicionário de História de Portugal, vol. 1, Joel Serrão (dir.). Livraria Figueirinhas, 1979, p. 121]


Porto, bairro de São Roque da Lameira – ruas que recordam 23 BATALHAS:
Albufeira, Almoster, Alvalade, Ameixial, Asseiceira, Buçaco, Castelo Rodrigo, Linhas de Elvas, Linhas de Torres, Matapan, Montes Claros, Montijo, Navas de Tolosa, Ourique, Roliça, Salado, São Mamede, Toro, Trancoso, Valdevez, Valverde, Vimeiro, Vimioso

06 fevereiro 2024

progressista possibilista otimista


Então, ela virou-se para mim e disse-me assim:

> Achas que o futuro é mesmo perigoso?

> Não me digas que és ludita?

> Como assim?

> Parece que há atualmente um crescendo de pessoas que se aproximam do Ludismo – um movimento que a partir de 1811 se batia contra a Revolução Industrial, considerando-a a causa de todos os males sociais da época:
A partir do final do século xx, ser ludita significa alguém que se opõe ao progresso, especialmente à ciência e à tecnologia, embora, hoje em dia, se abuse do termo para esmagar qualquer tipo de crítica ao progresso”.

> Acho que não sou tal coisa, mas reconheço que há aspetos do progresso tecnológico que me preocupam. Penso que um bom exemplo de alerta para os perigos da imoderada “corrida para o abismo” é o livro de Gerd Leonhard: Tecnologia versus Humanidade - o confronto futuro entre a Máquina e o Homem (Gradiva, 2018. Tradução de Florbela Marques, revisão científica de Carlos Fiolhais, revisão de texto de Maria de Fátima Carmo).

> Já li e também fiquei assustado, pese embora a esperança de que Leonhard põe na possibilidade de a atenção às questões éticas do progresso científico terem algum efeito moderador. Vê, por exemplo, o que ele propõe nas páginas 209-211:
«cinco [novos] direitos humanos básicos que humildemente sugiro para integrar um futuro Manifesto de Ética Digital: 1. O direito de permanecer natural, ou seja, biológico […existir num estado não aumentado…] 2. O direito de ser ineficiente se e quando tal definir a nossa humanidade […podermos escolher ser mais lentos…] 3. O direito a desligar […da conectividade, de “desaparecer” da rede…] 4. O direito a ser anónimo […ter a opção de não sermos identificados e localizados…] 5. O direito a empregar ou envolver pessoas em vez de máquinas […empresas e empregadores não serem prejudicados se quiserem utilizar pessoas…]»

> Sim, nesta obra há menos uma condenação do progresso e mais uma condenação do Transumanismo – um “movimento social que defende a ideia de que é possível, e desejável, usar a tecnologia para alargar as fronteiras do que é um ser humano e ultrapassar a nossa condição biológica para lá da própria mortalidade”.

> Também me parece. Contudo, apesar de bem argumentado e revelador de numerosos factos incontestáveis, não consigo embarcar em muitas dessas teses ameaçadoras e prefiro manifestamente o que se defende noutro livro que estou a ler e a gostar. O Iluminismo Agora – em Defesa da Razão, Ciência, Humanismo e Progresso, de Steven Pinker (Editorial Presença, 2018. Tradução de Sara P. Totta, revisão de texto de Carlos Jesus). É uma obra que pode ajudar-nos a ter confiança no sentido da história e da ciência, sem cair nos extremos de ambos os movimentos que ainda agora referimos. Olha o que diz na contracapa, só para te aguçar o apetite:
«E embora os problemas com que nos defrontamos sejam tremendos, é possível encontrar soluções no ideal do iluminismo: o uso da razão e da ciência. […] o autor estimula-nos a enjeitar as notícias alarmistas e as profecias da desgraça que influenciam a nossa visão do mundo. […] Com grande profundidade intelectual e uma escrita excecional, esta obra defende a razão, a ciência e o humanismo – ideais de que precisamos para enfrentar os problemas dos nossos dias e dar continuidade ao progresso.»


_________________________________________________
Este «diálogo comigo», escrito em 01.06.2019, é uma de muitas conversas ficcionadas (não aconteceu mas podia ter acontecido) enviadas para a RedÉtica (rede informal para a troca de opiniões e experiências dos membros e ex-membros das comissões de ética portuguesas)

04 fevereiro 2024

Literacia climática é literacia em saúde

AMA J Ethics. 2024;26(2):E147-152.

Porque é que a literacia climática é literacia em saúde

Larry R. Churchill, Gail E. Henderson, Nancy M.P. King

Tradução espontânea do texto
WhyClimate Literacy Is Health Literacy

Resumo

Os problemas de saúde decorrentes do aquecimento global são ameaçadores em termos de gravidade e magnitude e só irão agravar-se. No entanto, a literacia sobre estes problemas é pouca e os planos para os atenuar ainda estão demasiado atrasados para responderem aos atuais níveis da ameaça global e das necessidades individuais. As determinantes sociais e ecológicas da saúde e da doença são exacerbadas pelo calor excessivo e pelas inundações; pela falta de alimentos, de água potável e de habitações seguras; e pela perda de terras aráveis para a agricultura. Este artigo tem em conta a natureza e o âmbito do papel dos eticistas no despertar dos clínicos e do público para esta crise e propõe quatro recomendações para reduzir a morbilidade e a mortalidade causadas pelas alterações climáticas.

Literacia em saúde e literacia climática

O conceito de literacia em saúde há muito que preocupa a bioética, a qual se tem centrado em duas vertentes. Em primeiro lugar, os bioeticistas têm ajudado a preparar materiais educativos, a desenvolver as capacidades de comunicação dos médicos e a capacitar os doentes para fazerem perguntas, tudo para permitir que os indivíduos compreendam informações básicas e pessoalmente relevantes sobre saúde. Em segundo lugar, os bioeticistas têm salientado que a “baixa” literacia em saúde não é uma falha individual estigmatizada, mas antes uma falha da educação pública e das instituições de saúde. A definição de literacia em saúde foi revista no Healthy People 2030 para salientar que os indivíduos devem ser capazes não só de compreender, mas também de utilizar a informação ligada à saúde em seu benefício e, mais importante ainda, para realçar o papel das organizações, definindo a literacia em saúde organizacional como “o grau em que as organizações permitem equitativamente que os indivíduos encontrem, compreendam e utilizem a informação e os serviços para informar as decisões e ações relacionadas com a saúde para si próprios e para os outros.”1 Esta definição alargada coloca a ênfase necessária na componente chave da justiça da literacia em saúde: o dever das organizações de “promover equitativamente” a literacia em saúde dos indivíduos.

A literacia climática expande este dever organizacional e as suas implicações justas porque exige não só educar as populações sobre dados complexos e politicamente contestados, mas também permitir uma utilização eficaz desses dados. Este último requisito, por sua vez, implica mudar não só o comportamento individual, mas também as práticas das próprias organizações que contribuíram para as alterações climáticas e as disparidades na saúde nos Estados Unidos e em todo o mundo. A bioética e a comunidade médica têm uma tarefa difícil e extremamente importante pela frente: ajudar todos a cumprir seu dever de entender e agir de acordo com as informações sobre as mudanças climáticas e seus efeitos adversos e discrepantes sobre a saúde.2

Problemas de saúde decorrentes do aquecimento global

Os efeitos das alterações climáticas são profundos, avassaladores e cada vez mais graves. O derretimento do gelo polar; a diminuição das regiões de permafrost (solo congelado); a subida e o aquecimento dos oceanos; temperaturas médias mais elevadas; incêndios florestais, furacões, tufões e outras tempestades semelhantes cada vez mais frequentes e graves; e inundações sem precedentes são alguns dos fenómenos que já estamos a viver e que podemos esperar que se agravem.

As consequências destas alterações ambientais para a saúde são quase inimagináveis. Um grande número de mortes, especialmente entre as populações mais pobres do mundo, ocorrerá devido ao calor implacável, às terras inabitáveis, à escassez de alimentos e de água e ao colapso das economias e dos governos nacionais. Um quarto da população mundial já não dispõe de água potável, pelo que cerca de 2 mil milhões de pessoas lutam atualmente para satisfazer as suas necessidades diárias de água potável.3 Até 2030, o aumento da salinização das terras agrícolas irrigadas, a evaporação causada pelo aumento do calor e as inundações frequentes das zonas costeiras significarão que mais mil milhões de pessoas ficarão sem uma fonte segura de água potável.4 Além disso, as alterações climáticas têm efeitos na propagação, intensidade e sazonalidade de doenças infecciosas como a malária e a cólera.5,6 De um modo geral, as alterações climáticas provocarão um aumento substancial da transmissão de doenças a nível mundial.As emergências causadas pelo calor, as perturbações da saúde mental e os problemas de saúde mais vastos, como o declínio da segurança alimentar e as suas consequências, vêm juntar-se aos danos crescentes das alterações climáticas.7

As alterações climáticas provocarão um aumento substancial da transmissão de doenças a nível mundial.

A que velocidade estão a ocorrer as alterações climáticas? Ainda não se sabe se as temperaturas irão aumentar a um ritmo previsivelmente constante com o aumento das emissões de gases com efeito de estufa ou se – o cenário mais provável – existe um ponto de viragem, causado por cadeias de retroação que se reforçam a si próprias, para além do qual as alterações devastadoras se multiplicam e aceleram.8, 9 No entanto, apesar dos avisos cada vez mais claros, a literacia climática ainda está a dar os primeiros passos. Como Al Gore sublinhou, o aquecimento global antropogénico é uma “verdade inconveniente”, uma vez que a queima de combustíveis fósseis é parte integrante do estilo de vida das nações industriais ricas em recursos.10 Um estilo de vida rico em carbono reflete-se no que comemos, onde e como vivemos, o que vestimos, a frequência com que viajamos de avião, a distância que percorremos de carro e o que consumimos em geral.

Literacia em saúde e causas sociais

Dizer que os sistemas médicos e de cuidados de saúde, especialmente os das democracias avançadas, estão mal equipados para responder eficazmente às crises sanitárias induzidas pelo aquecimento global é um eufemismo grosseiro. Os próprios cuidados de saúde têm uma pegada de carbono muito grande.11 Os sistemas médicos e de saúde têm-se concentrado quase exclusivamente na medicina curativa e muito pouco na saúde pública, o que resultou numa incapacidade generalizada de abordar as principais determinantes sociais da saúde. Os determinantes sociais referem-se à educação, ao estatuto profissional, ao stresse, à nutrição e à habitação, bem como a outros fatores estruturais e normas culturais – todos eles entendidos atualmente como poderosas “causas fundamentais” das disparidades na saúde, sendo responsáveis por uma parte substancial dos resultados na saúde.2,12,13 As pessoas que vivem em bairros pobres, com poucas oportunidades de educação, acesso inadequado a alimentos, habitação de qualidade inferior e empregos mal pagos, têm vidas mais curtas e com maiores índices de morbilidade.14 Estas profundas disparidades de saúde e bem-estar são agravadas quando os seus corpos são negros ou castanhos e estão também sujeitos a racismo explícito e implícito.15 Há décadas que se realizam investigações que demonstram as determinantes sociais da falta de saúde,16 mas continuamos a apoiar e a louvar um sistema de cuidados de saúde centrado na medicina, que trata apenas da pequena proporção de doenças em que a medicina moderna se especializa.

O que é que tudo isto significa para a nossa capacidade de responder às crises sanitárias do aquecimento global? É imperativo reconhecer que a grande preponderância dos défices de saúde decorrentes do aquecimento global se apresenta como “determinantes sociais”. Menos comunidades estarão a salvo das inundações; será mais difícil obter alimentos adequados e água potável; e o acesso aos profissionais de saúde será mais difícil, uma vez que as clínicas e os hospitais se esforçam por tratar mais doentes com elevada morbilidade. A resposta nacional fragmentada à pandemia de COVID-19 prefigura o que é provável que ocorra com o aquecimento global sem grandes mudanças na definição de prioridades. O excesso de mortes por COVID-19 nas comunidades hispânicas e negras nos Estados Unidos tem sido demonstrado repetidamente.17,18 A possibilidade de simplesmente evitarmos a repetição deste padrão, na era do aquecimento global em que estamos a entrar, é uma questão de justiça que tem sido largamente negligenciada na bioética.

Justiça no domínio da saúde

Durante a maior parte dos seus cinquenta anos de existência, a bioética tem sido uma serviçal da medicina clínica e da investigação médica, capturada pela ênfase na cura e não na prevenção da doença. As razões para esta orientação são múltiplas. Os grandes centros médicos académicos são onde estão os empregos, e o fascínio cultural pela salvação de indivíduos por meios médicos fez da medicina de “oficina de reparações” a preocupação tanto da medicina clínica como da bioética.19 Neste paradigma, as questões de justiça distributiva – quem irá receber o rim escasso, a vacina em falta ou a última cama da unidade de cuidados intensivos (UCI) – dominam a literatura. Do mesmo modo, as questões de justiça distributiva dominam as análises bioéticas da pandemia de COVID-19, uma vez que os médicos e os hospitais se têm esforçado por distribuir equitativamente os internamentos, as camas de UCI, os ventiladores, os cuidados de enfermagem e – mais recentemente – as vacinas. Em grande parte negligenciadas têm sido as forças sociais que levam as pessoas de comunidades pobres e minoritárias a necessitar de maior acesso a estes serviços e a morrer com maior frequência.

Pode observar-se uma maior atenção aos determinantes sociais da saúde no ambiente académico e político mais vasto em que se insere a bioética. Atualmente, as publicações médicas incluem com frequência artigos sobre os determinantes sociais da saúde e da doença18, 19; as instituições prestam regularmente atenção à diversidade, à equidade e à inclusão, bem como à raça e ao racismo20, 21; e o National Institutes of Health está a promover iniciativas que dedicam explicitamente atenção à inclusão de populações negligenciadas.22, 23 Os bioeticistas estão cada vez mais conscientes das determinantes sociais e reconhecem que as grandes injustiças da sociedade se traduzem em disparidades significativas no estado de saúde, no acesso aos cuidados de saúde e nos resultados em termos de saúde.24, 25, 26, 27 No entanto, é necessária muito mais atenção para que a bioética possa desempenhar um papel significativo na resposta aos desafios sanitários do aquecimento global.

As recomendações gerais que se seguem pedem aos académicos de bioética que se empenhem na educação profissional e pública e na defesa de causas para promover a compreensão e a utilização da informação sobre as alterações climáticas e as disparidades na saúde. Este trabalho exigirá uma parceria com clínicos, agentes de saúde pública, decisores políticos, epidemiologistas sociais e outros que dão contributos essenciais para a redução das disparidades na saúde, abordando as suas causas fundamentais. As recomendações são dirigidas não só a bioeticistas, mas também a profissionais e organizações de cuidados de saúde, estudantes de saúde e ao público em geral. Para combater o aquecimento global e os seus efeitos na saúde serão necessários todos os nossos esforços.

Recomendações

1. Os bioeticistas, os estudantes de medicina e os clínicos devem ajudar as instituições médicas a reduzir a sua degradação do ambiente, uma vez que os grandes centros de saúde - onde trabalham muitos bioeticistas - têm uma enorme pegada de carbono, prejudicando assim a saúde pública, mesmo quando prestam tratamento.2

2. Reconhecer as muitas causas sociais da falta de saúde significa que “todas as políticas são políticas de saúde “28 , incluindo a habitação, os transportes, a alimentação, a água, a energia, o desenvolvimento urbano e a educação e, consequentemente, que todas os intervenientes têm um papel de defesa. A força com que todas estas políticas afetam a saúde tornar-se-á cada vez mais evidente à medida que o aquecimento global se acelera. A consciência ambiental promovida pela Administração Biden para todos os sectores do governo29 deve também ser assumida pelos governos locais e estaduais e pelos líderes da indústria.

3. Enfrentar eficazmente os desafios de justiça da saúde na era do aquecimento global implica reconhecer e trabalhar para eliminar os efeitos generalizados do racismo na saúde. A escolha que temos diante de nós é entre uma era neoliberal do Antropoceno, em que se permite simplesmente que as desigualdades existentes se reproduzam, ou uma era mais democrática do Antropoceno, em que os benefícios e os encargos são partilhados e as pessoas reconhecem a sua interdependência radical e a necessidade de solidariedade.30 Qualquer sobrevivência e prosperidade humanas possíveis dependem da adoção deste último caminho.

4. É imperativo que os bioeticistas ajudem a promover uma maior literacia climática junto do público. Sem ela, os milhões que as indústrias do petróleo, do gás e do carvão gastam em campanhas (lobbying) no Congresso – mais de 124 milhões de dólares em 202231 – atrasarão qualquer resposta nacional até ser demasiado tarde. A pressão sobre os responsáveis governamentais por parte de um público mais conhecedor do clima é uma condição sine qua non para uma mudança efetiva e, talvez, para a nossa própria sobrevivência.

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