23 fevereiro 2024

Código Internacional de Ética Médica revisto

 

O Código Internacional de Ética Médica revisto:
um exercício de autorregulação ética profissional internacional
Ramin W Parsa-Parsi, Raanan Gillon, Urban Wiesing
Department for International Affairs, German Medical Association, Berlin
 
Tradução do resumo e dos títulos das secções do artigo
The revised International Code of Medical Ethics: an exercise in international professional ethical self-regulation

RESUMO A Associação Médica Mundial (AMM), que representa a profissão médica a nível mundial, aprovou pela primeira vez o Código Internacional de Ética Médica (CIEM) em 1949, com o objetivo de definir os deveres profissionais dos médicos para com os doentes, outros médicos e profissionais de saúde, para com os próprios e para com a sociedade em geral. O CIEM foi submetido a um importante processo de revisão de 4 anos, que culminou com a sua adoção unânime pela Assembleia Geral da AMM em outubro de 2022, em Berlim. Este artigo descreve e discute o CIEM, o seu processo de revisão, as questões controversas e incontroversas e o amplo consenso alcançado entre os membros constituintes da AMM, representantes de mais de 10 milhões de médicos em todo o mundo. Os autores analisam o CIEM, incluindo a sua resposta às mudanças e desafios contemporâneos, como a pluralidade ética e a globalização, à luz de teorias e abordagens éticas, chegando à conclusão de que o documento é um bom exemplo de autorregulação ética profissional internacional.

> Globalização e ethos médicos: antecedentes históricos

> O processo de revisão
> Novas orientações incontestáveis
> Novas orientações potencialmente polémicas
> Especificidade vs. possibilidade de avaliação profissional
> Acréscimos controversos
> Compromisso sobre a objeção de consciência (ver também este postal)
> Um cânone de princípios éticos para os membros da profissão médica a nível mundial
> Um documento deontológico também preocupado com as virtudes e as consequências
> O CIEM revisto coaduna-se com o "principialismo" ou com a "abordagem dos quatro princípios" da ética médica?
> Um documento ético adotado através de um procedimento político
> Será a AMM o organismo adequado para assumir a responsabilidade de estabelecer esta ética médica global?

 Ver o artigo original completo AQUI

Ver tradução do Código Internacional de Ética Médica AQUI

22 fevereiro 2024

Matrículas imaginárias

            

AA-44-AH => AAAAAH para carros espantosos

AB-10-SE => ABIOSE para carros sem vida

AB-15-MO => ABISMO para carros com bons travões

AB-41-XO => ABAIXO para carros das manifs

AC-47-AR => ACATAR para carros obedientes

AD-46-IO => ADAGIO para carros em andamento lento

AE-10-UY => AEIOUY para carradas de vogais

AF-01-TO => AFOITO para carros de valentes

AF-14-DO => AFIADO para carros comprados a prestações

AF-37-OS => AFETOS para carros do Marcelo

AF-45-TA => AFASTA para carros de principiantes

AF-01-TO => AFOITO para carros que se atrevem

AG-01-RO => AGOIRO para carros azarados

AG-05-TO => AGOSTO para carros de férias

AG-10-TA => AGIOTA para carros de banqueiros

AG-17-AR => AGITAR para carros irrequietos

AI-41-AI => AIAIAI para carros medricas

AL-14-DO => ALIADO para carros amigos

AL-31-XO => ALEIXO para carros de poetas populares

AL-61-DO => ÁLGIDO para carros sem aquecimento

AL-81-NO => ALBINO para carros brancos

AM-16-OS => AMIGOS para carros que dão boleia

AM-31-XA => AMEIXA para carros de fruta

AN-11-TA => ANIITA para carros que chamam pela pequena Ana para vir almoçar

AN-13-AL => ANÍBAL para o carro do Cavaco

AN-60-LA => ANGOLA para carros africanistas

AN-71-GO => ANTIGO para carros de coleção

AP-01-AR => APOIAR para carros campanhas eleitorais

AP-05-TA => APOSTA para carros em segunda mão

AR-15-CO => ARISCO para carros desconfiados

AR-60-LA => ARGOLA para carros para meter o pé

AR-61-LA => ARGILA para carros esculpidos

AR-71-GO => ARTIGO para carros legais

AS-51-NO => ASSINO para carros de peticionários

AU-70-RA => AUTORA um carro para a Lídia Jorge

AV-31-RO => AVEIRO para carros à beira-ria 

AX-10-MA => AXIOMA para carros que nem precisam de demonstração

AZ-14-GO => AZIAGO para carros azarentos

AZ-31-TE => AZEITE para carros temperados

BA-70-TA => BATOTA para carros falsos

BA-74-TA => BATATA para carros de merceeiros

BI-70-LA => BITOLA para carros bem medidos

BI-60-DE => BIGODE para carros que dão bigodes a outros

BL-06-UE => BLOGUE para carros na Internet

CA-54-CO => CASACO para carros com frio

CA-57-RO => CASTRO para carros de arqueólogos

CA-64-DO => CAGADO para carros sujos

CA-71-TA => CATITA para carros elegantes

CH-15-TE => CHISTE para carros engraçados

CH-31-RO => CHEIRO para carros a precisar de limpeza

CI-74-RA => CÍTARA para carros poéticos e líricos

CO-10-TE => COIOTE para carros uivantes

CO-57-AS => COSTAS para o carro da família do António

DI-74-DO => DITADO para carros da 4.º classe

DI-06-OJ => DIOGO J para o carro do filho do malogrado futebolista

EE-33-EE => ⴹⴹⴺⴺⴹⴹ para carros que andam para a frente e para trás

EL-17-ES => ELITES para carros privilegiados

EN-60-DO => ENGODO para carros que enganam

ES-71-CA => ESTICA para o carro do Bucha

ES-71-LO => ESTILO para carros especiais

ES-74-DO => ESTADO para carros de funcionários públicos

EX-17-OS => ÊXITOS para carros com muita venda

FA-15-CA => FAÍSCA para carros elétricos

FA-71-AR => FATIAR para comer em sandes mistas

FE-17-OR => FEITOR para carros das quintas

FE-57-AS => FESTAS para carros folclóricos

FI-56-AR => FISGAR para carros que apanham pardais

GN-05-EO => GNOSEO- para carros relativos ao conhecimento

HE-17-OR => HEITOR para o carro do ex-ministro da Ciência

ID-10-TA => IDIOTA para carros malucos

II-11-II => IIIIII para carros com códigos de barras

IR-51-RC => IRS IRC para carros do cobrador de impostos

LO-81-TO => LOBITO para os carros de Benguela

MA-61-CO => MÁGICO para carros com truques

MA-73-US => MATEUS para carros de evangelistas

ME-16-OS => MEIGOS para carros de namorados

MI-55-AL => MISSAL para carros de párocos

OB-17-OS => ÓBITOS para carros funerários

OB-57-AR => OBSTAR para carros de objetores de consciência

OB-71-DO => OBTIDO para carros acabados de comprar

OO-00-OO => 000000 para carros que não existem

OP-71-MO => ÓPTIMO para carros que não seguem o Acordo Ortográfico

PA-55-AR => PASSAR para carros que passam

PA-55-OS => PASSOS para carros do PSD

PA-73-TA => PATETA para carros ridículos

PL-47-AO => PLATÃO para carros de filósofos

PO-35-IA => POESIA para carros que rimam

PO-37-AS => POETAS para carros com rimas

PO-57-AL => POSTAL para carros dos correios

PR-15-AO => PRISÃO para carros da PGR

QU-10-SK => QUIOSK para carros com jornais e tabaco

QU-13-TO => QUIETO para carros que não andam

QU-15-TO => QUISTO para carros que precisam ser extraídos

QU-31-JO => QUEIJO para carros esquecidos

RA-10-SX => RAIOSX para carros de radiologistas

RA-56-AR => RASGAR para carros a precisar de estofos novos

RA-71-TO => RATITO para carros com fominha

RA-77-ON => RATTON para carros do Tribunal Constitucional

RE-51-NA => RESINA para carros do pinhal

RE-71-RO => RETIRO para carros isolados

RI-55-OL => RISSOL para carros salgados

RU-55-OS => RUSSOS para carros do leste ucraniano

RU-61-DO => RUGIDO para carros ferozes

SA-71-RA => SATIRA para carros a gozar connosco

SS-55-SS => SSSSSS para carros velozes

SU-66-IA => SUGGIA para o carro da Casa da Música

TA-74-TA => TATATA para carros com rateres

UN-61-DO => UNGIDO para carros com óleos santos

20 fevereiro 2024

Atualização da certificação

JAMA. 2024 Feb 5. doi: 10.1001/jama.2024.0374

Atualização da certificação – um valor para doentes e médicos
Robert O. Roswell (a), Erica N. Johnson (b), Rajeev Jain (c)

Em 1936, a American Medical Association e o American College of Physicians formaram em conjunto o American Board of Internal Medicine (ABIM) como uma organização de avaliação independente para diferenciar os internistas que cumpriam padrões estabelecidos e revistos por pares. A missão do ABIM é melhorar a qualidade dos cuidados de saúde através da certificação de médicos internistas e de subespecialidades que demonstrem conhecimentos, competências e atitudes exigíveis para a excelência dos cuidados prestados aos doentes.1 Durante mais de meio século, o processo de certificação terminava no início da carreira quando os médicos recebiam a primeira certificação. Em 1990, com o objetivo de garantir ao público que os médicos certificados mantinham os seus conhecimentos e competências, o ABIM começou a exigir uma reavaliação periódica dos conhecimentos médicos para manter a certificação em todas as áreas. A Medicina tem evoluído a um ritmo acelerado e, ao participarem na Atualização da Certificação (MOC = maintenance of certification), os médicos podem garantir aos doentes, aos colegas e a si próprios que estão a fazer o que é necessário para se manterem atualizados em termos de conhecimentos e práticas médicas.

Numa altura em que os médicos se sentem sobrecarregados com os requisitos burocráticos das autorizações prévias, com as formações institucionais obrigatórias sobre tantas matérias, desde a segurança no local de trabalho à faturação e codificação, e estão a recuperar coletivamente do enorme e contínuo abalo que foi a COVID-19, alguns médicos começam a questionar os benefícios da certificação.

O ABIM reconhece os desafios e as exigências que os médicos em exercício enfrentam atualmente e utiliza as respostas dos diplomados para melhorar os seus programas e processos. Com base nos comentários oriundos da comunidade de diplomados, o ABIM lançou a Auditoria Longitudinal de Conhecimentos (LKA = Longitudinal Knowledge Assessment). A LKA foi concebida para melhor se adaptar aos horários e desejos de flexibilidade dos médicos. Cerca de 80% dos médicos certificados pelo ABIM em todas as disciplinas estão a escolher a LKA em vez do tradicional exame MOC de formato longo. O LKA não requer preparação, leva em média 4 horas por ano e, depois de as perguntas serem respondidas, fornece ao diplomado um resultado imediato, com fundamentos e referências, dando-lhe a oportunidade de endereçar críticas ao ABIM. Em todas as disciplinas, 70% dos diplomados concordam, 16% são neutros e 14% discordam da afirmação de que “o LKA é uma avaliação justa dos conhecimentos clínicos nesta disciplina”.

É importante salientar que todas estas inovações ocorrem com a supervisão de uma estrutura de gestão diversificada que inclui médicos com diferentes formas de exercício da profissão e também membros públicos não médicos. No início da sua história – que remonta a 1936 – a gestão do ABIM era maioritariamente constituída por elementos da academia e das sociedades de especialidade. Mas em 2014, o ABIM modificou substancialmente a sua estrutura de gestão, adotando uma política de supervisão em cada uma das suas disciplinas e complementando o trabalho dos comités que criam os conteúdos dos exames; os membros recém-nomeados da estrutura de gestão foram selecionados para representar uma larga gama de tipos de prática e a experiência de médicos de cada disciplina, juntamente com outros membros da equipa, sejam eles doentes ou apenas não-médicos. Com o lançamento do LKA em 2022, a criação de conteúdos foi alargada a mais de 1000 voluntários. Essa expansão incluiu intencionalmente uma maioria de médicos no ativo que trabalham em variados ambientes. O ABIM tem como objetivo ser um veículo através do qual a profissão de medicina interna estabelece padrões para si mesma.

Todos os médicos envolvidos no tratamento de doentes assumem o pesado encargo de todos os custos e esforços necessários para se manterem atualizados, de modo a proporcionarem aos seus doentes os melhores cuidados de saúde de última geração baseados em provas. Para ajudar a enfrentar esses desafios, ao lançar o LKA, o ABIM baixou os custos do programa de certificação contínua a 10 anos para todos os médicos – independentemente do número de certificados que possuam – se participarem no LKA. Agora custa US$ 220 por ano para manter um certificado e US$ 120 para cada certificado adicional.2 Para garantir a transparência financeira, os demonstrativos financeiros auditados, incluindo o Formulário 990 do Internal Revenue Service, são tornados públicos pelo ABIM assim que estão disponíveis, uma ação que nem todas as organizações sem fins lucrativos seguem.2 A organização ganhou um Platinum Seal of Transparency from Candid pela sua transparência financeira, que inclui a publicação de demonstrativos financeiros e um guia sobre como ler os documentos financeiros publicados pela organização.2,3

Um grande e crescente conjunto de provas provenientes de estudos de coorte publicados e revistos por pares, com análises estatísticas ajustadas, demonstrou que os doentes que são tratados por médicos que demonstram mais conhecimentos médicos através da certificação e do MOC têm um melhor prognóstico para uma série de indicadores importantes, incluindo uma menor mortalidade por doenças cardiovasculares, menos visitas a serviços de urgência, menos hospitalizações não planeadas, melhor adesão a diretivas médicas, melhores resultados em inúmeras dimensões do processo de cuidados, como a prescrição de opiáceos e os cuidados com a diabetes, e menos ações disciplinares do conselho médico estatal.4

Os médicos que foram obrigados a completar o MOC para se manterem certificados apresentaram um custo total de cuidados 2,5% mais baixo para os beneficiários do Medicare, sem qualquer declínio na qualidade. Isto traduz-se em cerca de 5 mil milhões de dólares por ano em poupanças nos cuidados de saúde quando extrapolado para toda a população da Medicare.5 A totalidade das provas relativas à certificação e ao MOC inclui agora estudos que envolvem coletivamente dezenas de milhares de médicos e centenas de milhares de doentes. Apesar das limitações destes estudos, existem associações positivas importantes dos resultados relativos aos doentes.

Alguns médicos interrogam-se sobre se a autoavaliação, por si só, pode garantir melhores resultados e cuidados mais eficientes. O presidente e diretor executivo do Accreditation Council for Continuing Medical Education defendeu recentemente que, para que a formação médica contínua seja eficaz no preenchimento das lacunas de conhecimento identificadas, é necessário um programa de certificação contínua que utilize avaliações objetivas do conhecimento médico.6

O ABIM procura continuamente melhorar os seus procedimentos de certificação. Para garantir a justeza e o alinhamento com as forças estruturais que influenciam as avaliações, tais como as perguntas de certificação, o ABIM investiu na revisão das perguntas sobre vários exames para identificar e eliminar a parcialidade, caso fosse detetada. A equidade na saúde foi recentemente aprovada como pertencente a uma nova área nas avaliações do ABIM. Está em curso um trabalho para melhorar o conhecimento das disparidades de saúde existentes nos exames, incluindo as melhores práticas para promover a equidade na saúde. O ABIM reúne-se regularmente com as direções das sociedades de especialidades. Uma futura inovação na avaliação, solicitada por algumas sociedades médicas, incluirá a introdução de perfis de exercício em algumas disciplinas em que os dados demonstram a existência de mais práticas na disciplina; estes facilitarão a conceção de avaliações mais adaptadas que aumentarão a sua relevância.

As tecnologias emergentes, como a inteligência artificial e os modelos de linguagem de grande dimensão, criarão abordagens de avaliação inovadoras e o ABIM comprometeu-se a explorá-las, ao mesmo tempo que garante que a demonstração de conhecimentos de cada médico continua a ser a base da certificação, um processo que reconhece explícita e publicamente as competências e a especialização de um médico individualmente considerado.

Algumas negociações anteriores com médicos levaram já a mudanças significativas no MOC. Com o contributo dos médicos e mantendo os doentes em primeiro plano, os programas do ABIM continuarão a evoluir. Os médicos que obtêm e mantêm a certificação devem ser reconhecidos pelas suas realizações na obtenção e manutenção dos seus conhecimentos médicos atualizados ao longo das suas carreiras. Esperamos continuar a envolver a comunidade de internistas e subespecialistas, bem como continuar a proporcionar uma forma de reconhecer o valor da experiência arduamente adquirida que os médicos certificados oferecem aos seus doentes, aos colegas e à comunidade.

Referências:
1 American Board of Internal Medicine. About ABIM. Accessed November 17, 2023.
2 American Board of Internal Medicine. ABIM fees. Accessed November 17, 2023.
3 American Board of Internal Medicine. ABIM candid profile. Accessed December 20, 2023.
4 American Board of Internal Medicine. Evidence supporting certification and MOC. Accessed November 17, 2023.
5 Gray BM, Vandergrift JL, Johnston MM, et al. Association between imposition of a maintenance of certification requirement and ambulatory care–sensitive hospitalizations and health care costs. JAMA. 2014;312(22):2348-2357.
6 Lyness JM, McMahon GT. The role of specialty certification in career-long competence. Acad Med. 2023;98(10):1104-1106.
 
Afiliações:
(a) Department of Science Education, Donald and Barbara Zucker School of Medicine at Hofstra/Northwell, New Hyde Park, New York. (b) Department of Medicine, Division of Infectious Diseases, Johns Hopkins University School of Medicine, Baltimore, Maryland. (c) Texas Digestive Disease Consultants, GI Alliance, Dallas.

18 fevereiro 2024

Efeméride - 18 de fevereiro de 1834

Faz hoje 190 anos que aconteceu a batalha de Almoster. 
"Uma das mais importantes vitórias dos liberais, comandados pelo marechal Saldanha, sobre os absolutistas, chefiados pelo general Lemos. Travou-se em 18 de fevereiro de 1834 e nela os miguelistas [...] perderam um milhar de homens, entre mortos, feridos e prisioneiros." [Dicionário de História de Portugal, vol. 1, Joel Serrão (dir.). Livraria Figueirinhas, 1979, p. 121]


Porto, bairro de São Roque da Lameira – ruas que recordam 23 BATALHAS:
Albufeira, Almoster, Alvalade, Ameixial, Asseiceira, Buçaco, Castelo Rodrigo, Linhas de Elvas, Linhas de Torres, Matapan, Montes Claros, Montijo, Navas de Tolosa, Ourique, Roliça, Salado, São Mamede, Toro, Trancoso, Valdevez, Valverde, Vimeiro, Vimioso

06 fevereiro 2024

progressista possibilista otimista


Então, ela virou-se para mim e disse-me assim:

> Achas que o futuro é mesmo perigoso?

> Não me digas que és ludita?

> Como assim?

> Parece que há atualmente um crescendo de pessoas que se aproximam do Ludismo – um movimento que a partir de 1811 se batia contra a Revolução Industrial, considerando-a a causa de todos os males sociais da época:
A partir do final do século xx, ser ludita significa alguém que se opõe ao progresso, especialmente à ciência e à tecnologia, embora, hoje em dia, se abuse do termo para esmagar qualquer tipo de crítica ao progresso”.

> Acho que não sou tal coisa, mas reconheço que há aspetos do progresso tecnológico que me preocupam. Penso que um bom exemplo de alerta para os perigos da imoderada “corrida para o abismo” é o livro de Gerd Leonhard: Tecnologia versus Humanidade - o confronto futuro entre a Máquina e o Homem (Gradiva, 2018. Tradução de Florbela Marques, revisão científica de Carlos Fiolhais, revisão de texto de Maria de Fátima Carmo).

> Já li e também fiquei assustado, pese embora a esperança de que Leonhard põe na possibilidade de a atenção às questões éticas do progresso científico terem algum efeito moderador. Vê, por exemplo, o que ele propõe nas páginas 209-211:
«cinco [novos] direitos humanos básicos que humildemente sugiro para integrar um futuro Manifesto de Ética Digital: 1. O direito de permanecer natural, ou seja, biológico […existir num estado não aumentado…] 2. O direito de ser ineficiente se e quando tal definir a nossa humanidade […podermos escolher ser mais lentos…] 3. O direito a desligar […da conectividade, de “desaparecer” da rede…] 4. O direito a ser anónimo […ter a opção de não sermos identificados e localizados…] 5. O direito a empregar ou envolver pessoas em vez de máquinas […empresas e empregadores não serem prejudicados se quiserem utilizar pessoas…]»

> Sim, nesta obra há menos uma condenação do progresso e mais uma condenação do Transumanismo – um “movimento social que defende a ideia de que é possível, e desejável, usar a tecnologia para alargar as fronteiras do que é um ser humano e ultrapassar a nossa condição biológica para lá da própria mortalidade”.

> Também me parece. Contudo, apesar de bem argumentado e revelador de numerosos factos incontestáveis, não consigo embarcar em muitas dessas teses ameaçadoras e prefiro manifestamente o que se defende noutro livro que estou a ler e a gostar. O Iluminismo Agora – em Defesa da Razão, Ciência, Humanismo e Progresso, de Steven Pinker (Editorial Presença, 2018. Tradução de Sara P. Totta, revisão de texto de Carlos Jesus). É uma obra que pode ajudar-nos a ter confiança no sentido da história e da ciência, sem cair nos extremos de ambos os movimentos que ainda agora referimos. Olha o que diz na contracapa, só para te aguçar o apetite:
«E embora os problemas com que nos defrontamos sejam tremendos, é possível encontrar soluções no ideal do iluminismo: o uso da razão e da ciência. […] o autor estimula-nos a enjeitar as notícias alarmistas e as profecias da desgraça que influenciam a nossa visão do mundo. […] Com grande profundidade intelectual e uma escrita excecional, esta obra defende a razão, a ciência e o humanismo – ideais de que precisamos para enfrentar os problemas dos nossos dias e dar continuidade ao progresso.»


_________________________________________________
Este «diálogo comigo», escrito em 01.06.2019, é uma de muitas conversas ficcionadas (não aconteceu mas podia ter acontecido) enviadas para a RedÉtica (rede informal para a troca de opiniões e experiências dos membros e ex-membros das comissões de ética portuguesas)