> Achas que o futuro é mesmo perigoso?
> Não
me digas que és ludita?
> Como assim?
> Parece
que há atualmente um crescendo de pessoas que se aproximam do Ludismo – um
movimento que a partir de 1811 se batia contra a Revolução Industrial, considerando-a
a causa de todos os males sociais da época:
“A partir do final do século xx, ser ludita significa alguém que se opõe ao progresso, especialmente à ciência e à tecnologia, embora, hoje em dia, se abuse do termo para esmagar qualquer tipo de crítica ao progresso”.
> Acho que não sou tal coisa, mas
reconheço que há aspetos do progresso tecnológico que me preocupam. Penso que um
bom exemplo de alerta para os perigos da imoderada “corrida para o abismo” é o livro
de Gerd
Leonhard: Tecnologia
versus Humanidade - o confronto futuro entre a Máquina e o Homem (Gradiva, 2018. Tradução de Florbela Marques, revisão científica de Carlos
Fiolhais, revisão de texto de Maria de Fátima Carmo).
> Já li
e também fiquei assustado, pese embora a esperança de que Leonhard põe na possibilidade
de a atenção às questões éticas do progresso científico terem algum efeito moderador.
Vê, por exemplo, o que ele propõe nas páginas 209-211:
«cinco [novos] direitos humanos básicos que humildemente sugiro para integrar um futuro Manifesto de Ética Digital: 1. O direito de permanecer natural, ou seja, biológico […existir num estado não aumentado…] 2. O direito de ser ineficiente se e quando tal definir a nossa humanidade […podermos escolher ser mais lentos…] 3. O direito a desligar […da conectividade, de “desaparecer” da rede…] 4. O direito a ser anónimo […ter a opção de não sermos identificados e localizados…] 5. O direito a empregar ou envolver pessoas em vez de máquinas […empresas e empregadores não serem prejudicados se quiserem utilizar pessoas…]»
> Sim, nesta obra há menos uma condenação do progresso e mais uma
condenação do Transumanismo – um “movimento social que defende a ideia de que é possível,
e desejável, usar a tecnologia para alargar as fronteiras do que é um ser humano
e ultrapassar a nossa condição biológica para lá da própria mortalidade”.
> Também
me parece. Contudo, apesar de bem argumentado e revelador de numerosos factos incontestáveis,
não consigo embarcar em muitas dessas teses ameaçadoras e prefiro manifestamente
o que se defende noutro livro que estou a ler e a gostar. O Iluminismo Agora – em Defesa da Razão, Ciência,
Humanismo e Progresso, de Steven Pinker (Editorial Presença, 2018.
Tradução de Sara P. Totta, revisão de texto de Carlos Jesus). É uma obra que pode
ajudar-nos a ter confiança no sentido da história e da ciência, sem cair nos extremos
de ambos os movimentos que ainda agora referimos. Olha o que diz na contracapa,
só para te aguçar o apetite:
«E embora os problemas com que nos defrontamos sejam tremendos, é possível encontrar soluções no ideal do iluminismo: o uso da razão e da ciência. […] o autor estimula-nos a enjeitar as notícias alarmistas e as profecias da desgraça que influenciam a nossa visão do mundo. […] Com grande profundidade intelectual e uma escrita excecional, esta obra defende a razão, a ciência e o humanismo – ideais de que precisamos para enfrentar os problemas dos nossos dias e dar continuidade ao progresso.»
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Este «diálogo comigo», escrito em 01.06.2019, é uma de muitas conversas ficcionadas (não aconteceu mas podia ter acontecido) enviadas para a RedÉtica (rede informal para a troca de opiniões e experiências dos membros e ex-membros das comissões de ética portuguesas)
Este «diálogo comigo», escrito em 01.06.2019, é uma de muitas conversas ficcionadas (não aconteceu mas podia ter acontecido) enviadas para a RedÉtica (rede informal para a troca de opiniões e experiências dos membros e ex-membros das comissões de ética portuguesas)