01 outubro 2023

A melhor crítica do Egoísmo Ético

 

Philosophy Now – a magazine of ideas, n.º 157,  
August/September 2023, p. 26

A melhor crítica do Egoísmo Ético
Stephen Leach

Tradução espontânea do artigo
The Best Criticism of Ethical Egoism

No mínimo, por vezes, deveríamos fazer o que é do nosso interesse. No entanto, o egoísmo ético afirma radicalmente que o nosso único dever é fazer o que é do nosso interesse. Por outras palavras, devemos ser egoístas! O egoísmo ético não diz que devemos evitar todas as ações que ajudam os outros. Diz que o que torna estas ações acertadas, quando são acertadas, é o facto de serem para nosso benefício. Assim, se devo ajudar alguém, é apenas porque isso seria bom para mim; e se devo abster-me de prejudicar alguém, mais uma vez, é apenas porque isso é benéfico para mim. Assim, por exemplo, se encontrar uma carteira caída, se eu for um egoísta ético, terei boas razões para a guardar, mesmo que saiba a quem pertence. Essa pessoa pode muito bem ser prejudicada pela minha ação; mas isso, por si só, não é uma boa razão para não ficar com a carteira, uma vez que eu beneficiarei ao ficar com ela. O mesmo se aplica a tudo o resto: ajudar as pessoas em situação de pobreza? dar de comer a quem tem fome? “Só se houver algo para mim”, responde o egoísta. (Note-se que a teoria diz que devemos ser guiados pelo interesse próprio, não que o sejamos sempre).

Estou certo de que a resposta de muitas pessoas a esta pergunta será que a posição do egoísmo ético é obviamente errada. Mas porque é que é errada? O egoísta ético argumenta que só pensamos que é errada devido à nossa aceitação inquestionável de outras teorias da moralidade mais consagradas. No entanto, essa não é uma razão suficientemente boa para rejeitar o egoísmo (diz o argumento), uma vez que estas teorias rivais são todas mais fracas do que o egoísmo ético, pelo menos em termos da minha própria sobrevivência e expectativa de sucesso. Todas as teorias rivais exigem que, por vezes, sacrifique o meu próprio bem-estar a um “bem” abstrato e não pessoal, mas sem qualquer justificação, diz o egoísta. O egoísmo ético, pelo contrário, não exige tais sacrifícios. A minha referência deve ser o meu interesse pessoal, e a tua deve ser o teu interesse pessoal. Afinal de contas, pergunta o egoísta ético, porque é que hei de sacrificar o meu interesse próprio pelo interesse de outra pessoa? Não faz sentido fazê-lo, pois saberei sempre mais sobre o que me faz feliz do que sobre o que pode fazer outra pessoa feliz. Se por acaso me sentir feliz por ajudar outra pessoa, tudo bem; mas, não se iludam, seja qual for a minha escolha, devo agir em primeiro lugar e acima de tudo em prol do meu próprio interesse.

Conflitos de interesse e contradições

Esta teoria pode ser intuitivamente rejeitada, mas é surpreendentemente difícil de refutar.

Tem sido criticada por não conseguir lidar com os conflitos de interesse. Se X é do interesse do Tomás e Y é do interesse da Joana, e X e Y entram em conflito, como é que o egoísta ético pode escolher entre X e Y? Não pode.

Mas o egoísta ético pode facilmente afastar esta objeção, não a reconhecendo sequer como uma objeção. A resposta seria que o Tomás deve seguir a orientação do seu interesse próprio e a Joana deve seguir a orientação do seu interesse próprio. Tudo bem, por vezes os seus interesses podem entrar em conflito – resultando num choque ou num compromisso – mas não existe um ponto de vista impessoal a partir do qual se deva (ou possa) escolher entre eles.

Uma segunda crítica que pode ser feita é que o egoísmo ético é logicamente contraditório. A mesma ação não pode ser moralmente errada e não moralmente errada (para o Tomás e para a Joana, respetivamente). Mas, mais uma vez, o egoísta ético pode lidar com esta objeção facilmente e da mesma forma que antes. Só existe uma contradição entre a intenção do Tomás e a da Joana se se assumir que existe um ponto de vista impessoal a partir do qual se pode julgá-los em conjunto – e isto é exatamente o que o egoísta nega.

Porquê eu?

Há, no entanto, uma crítica ao egoísmo ético que não assume um ponto de vista impessoal. Foi formulada pela primeira vez, tanto quanto sei, pelo filósofo moral James Rachels (1941-2003). Esta crítica é que o egoísmo ético é inaceitavelmente arbitrário: será que existe realmente uma diferença moral significativa entre mim e as outras pessoas que justifique que eu receba (ou me dê) um tratamento especial? O que é que me torna tão especial?

Sim, conheço-me melhor do que as outras pessoas; mas porque é que isso há de ser moralmente relevante? O mesmo se passa com a ideia de que o que me acontece a mim tem mais relevância imediata para mim do que o que acontece aos outros. E então? A distinção moral do egoísta entre mim e os outros parece arbitrária. É como uma distinção racista feita entre um grupo de pessoas e outro, com o racista a dar tratamento preferencial ao grupo a que pertence, só porque pertence a esse grupo. Que Ayn Rand (1905-1982) – sem dúvida a egoísta ética mais influente – tenha sido ela própria uma crítica do racismo, não prejudica esta crítica. A bola está de novo no campo do egoísta.

Conclusão

Esta terceira crítica é talvez a crítica mais forte que pode ser feita ao egoísmo ético. Não é feita na perspetiva de um padrão impessoal e universal de moralidade, mas é mais forte por isso mesmo. É uma crítica disponível a qualquer pessoa que, mesmo que vagamente, sinta, em relação a qualquer outra criatura, que, nas palavras de James Rachels, “estamos em pé de igualdade uns com os outros”. Está, por exemplo, aberta a qualquer pessoa cujos sentimentos morais, apesar de toda a sua imprecisão, possam, numa noite escura, fazê-la tremer perante o esmagar acidental de um caracol. n

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Stephen Leach is an honorary senior fellow at Keele University, UK. He is co-editor, with James Tartaglia, of Consciousness and the Great Philosophers (2017) and The Meaning of Life and the Great Philosophers (2018).