28 julho 2024

Prontidão ética em medicina genómica

Journal of Medical Ethics 2024;50:517-522.

Prontidão ética em medicina genómica:
como os cientistas clínicos do SNS lidam com as questões éticas
Kate Sahan, Kate Lyle, Helena Carley, Nina Hallowell, Michael J Parker, Anneke M Lucassen
Ethox Centre, University of Oxford, Nuffield Department of Population Health, Oxford, UK

Tradução espontânea do resumo e conclusões do artigo publicado em 23.07.2024
Ethical preparedness in genomic medicine: how NHS clinical scientists navigate ethical issues

Resumo

Muito tem sido publicado sobre as questões éticas enfrentadas pelos clínicos em genética/genómica, mas as questões vividas pelos cientistas de laboratórios estão menos bem descritas. Atualmente, os cientistas laboratoriais enfrentam frequentemente problemas éticos no seu trabalho, mas a forma como devem ser apoiados para o fazer está pouco explorada. Esta falta de atenção também se reflete nos instrumentos de ética disponíveis para os cientistas laboratoriais, designadamente nas orientações e fóruns de ética deliberativos, desenvolvidos principalmente para gerir questões que surgem na clínica.

Estudámos quais as questões éticas que estão a ser sentidas pelos cientistas, como pensam que essas questões podem ser mais bem analisadas e geridas e se a sua prática pode ser aperfeiçoada por abordagens mais específicas relativas à deliberação e prática éticas, como a prontidão ética. A partir da análise temática de casos apresentados por cientistas numa reunião especialmente convocada para o Genethics Forum do Reino Unido, deduzimos três temas éticos principais: (1) a redistribuição do trabalho e das responsabilidades resultantes da prática da medicina genómica; (2) a interpretação e a certeza dos resultados e (3) a proposta de que uma melhor normalização e consistência das abordagens éticas (por exemplo, mais diretrizes e mais políticas) poderiam resolver alguns dos desafios que surgem.
Defendemos que, embora a normalização seja importante para promover entendimentos partilhados de boas práticas (incluindo éticas), as abordagens suplementares para melhorar e manter a prontidão ética serão importantes para ajudar os cientistas clínicos e outros, no contexto recentemente alargado da medicina genética/genómica, a promoverem um pensamento ético de qualidade.

[…]

Conclusão

A medicina genética/genómica continua a apresentar questões éticas complexas em todas as áreas de prestação de serviços. Destacámos uma área – o laboratório de ciências clínicas – que está atualmente a enfrentar problemas de complexidade crescente. Ao explorar as experiências dos cientistas clínicos que apresentam casos ao Genethics Forum do Reino Unido, revelámos três preocupações principais e prementes. Em primeiro lugar, o facto de os cientistas se sentirem parcialmente responsáveis pela forma como os doentes receberão os resultados e como deverão ser acompanhados no futuro. Em segundo lugar, o facto de os testes que utilizam painéis de maior dimensão poderem fazer com que os cientistas (ou outras pessoas) que abastecem o Genomic Medicine Services se sintam obrigados a transformar prematuramente os dados em resultados clinicamente significativos, a fim de “dar uma resposta” aos doentes. Em terceiro lugar, o facto de a coerência, quando abordam apresentações clínicas semelhantes, ser importante para tratar os doentes de forma equitativa, mas não ser uma solução completa para gerir a gama de questões éticas que se põem. Nesse sentido, os recursos para promover a normalização (por exemplo, com mais orientações e mais políticas) representam apenas uma parte da solução para a questão da gestão e do apoio aos cientistas na sua prática ética.
Além de tais recursos, recomendamos uma intervenção fundamental e de maior alcance da prontidão ética. Esta abordagem situada da deliberação ética utiliza o contexto e a diversidade do contexto da prática para informar o pensamento ético de qualidade e adequa-se à natureza em expansão e em rápida transformação do fornecimento da medicina genómica. A prontidão ética pode ser combinada com as ferramentas de ética existentes, tais como orientações e padrões profissionais, para manter um pensamento ético de qualidade, e é também consistente com oportunidades mais formais de deliberação ética, tais como o Genethics Forum do Reino Unido.
A concretização da prontidão ética envolve dar prioridade a discussões e deliberações éticas de qualidade na equipa multidisciplinar, para que se tornem parte da prática regular em genética/genómica (e noutras especialidades no futuro). Na prática, isto pode implicar a otimização dos contextos para as discussões locais sobre ética, proporcionando acesso a comissões de ética clínica e a recursos formais estruturados, como o Genethics Forum do Reino Unido e recursos de genética em linha. No entanto, estes recursos também devem ter como objetivo – como parte da sua missão – capacitar melhor os profissionais de saúde para reconhecerem e valorizarem as suas próprias capacidades na gestão de questões éticas ao longo do tempo.

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24 julho 2024

Efeméride - 24 de julho de 1833

Efeméride - 24 de julho de 1833

Faz hoje 191 anos que o duque da Terceira derrotou os miguelistas em Lisboa

«Deverão creditar-se-lhe, entre mais, o combate da vila da Praia – ilha Terceira [...] e a marcha fulminante sobre Lisboa que terminou com a ocupação da capital – 24 de julho de 1833. [...] E, como sucedera na carreira militar, também ocupou na política tumultuária da época os primeiros postos: enviado de confiança, ministro, presidente do Conselho. Não teve, porém, aqui a fama e o brilho que conquistara como soldado, sendo justo reconhecer-lhe apenas, além da facilidade em alinhar com os corifeus do autoritarismo governativo, os Cabrais, a seriedade no cumprimento das missões e a firmeza nos momentos de crise para a coroa.» [Dicionário de História de Portugal, Joel Serrão (dir.), Alberto Martins de Carvalho. Livraria Figueirinhas, 1979, vol. 6, p. 156]

António José de Sousa Manuel de Meneses Severim de Noronha, o Duque da Terceira,
por José Simões de Almeida (tio) (esc.) e José António Gaspar (arq.), Cais do Sodré, Lisboa

22 julho 2024

Más notícias

COMMUNITY ONCOLOGY ■ Março/Abril 2005

Dar más notícias: a estratégia S-P-I-K-E-S
Robert A. Buckman, MD, PhD
University of Toronto, Toronto, Ontario, Canada

Tradução espontânea do artigo de 19 de janeiro de 2005
Breaking bad news: the S-P-I-K-E-S strategy
[A quem possa interessar: há um bom livro, coordenado por Rui Mota Cardoso, Competências Clínicas de Comunicação, Ed. Afrontamento, 2012, que tem um capítulo de Joana Monteiro e Ivone Castro Vale dedicado a “Comunicar Más Notícias” – a presente tradução pretende ser um estímulo à leitura daquela obra] 


Dar más notícias aos doentes é uma das tarefas mais difíceis e exigentes que os oncologistas enfrentam – e uma tarefa para a qual estão frequentemente mal treinados e emocionalmente mal equipados. O protocolo S-P-I-K-E-S descrito neste artigo apresenta uma estratégia simples e fácil de aprender para a comunicação de más notícias e sugere formas de avaliar a situação à medida que esta evolui e de responder de forma construtiva aos doentes. Mostrar empatia, explorar a compreensão e a aceitação do doente relativamente ao que acabou de saber e validar os seus sentimentos pode proporcionar-lhe o apoio necessário, uma intervenção psicológica essencial para gerir a angústia e ajudar o doente a enfrentar as decisões de tratamento que se avizinham. Embora nunca seja fácil dar más notícias, ter um plano de ação e saber que é possível apoiar os doentes durante um período difícil ajuda consideravelmente.

Em todas as áreas da prática clínica oncológica, é sempre difícil e incómodo dar más notícias a um doente, seja no momento do diagnóstico, da recidiva, da progressão da doença ou da transição para uma terapêutica paliativa. Em qualquer circunstância, trata-se de uma tarefa difícil e exigente. Um estudo recente demonstrou que 42% dos médicos sofrem de stress depois de darem más notícias, e o efeito dura entre várias horas e mais de 3 dias.1 Este artigo revê alguma da literatura de referência e apresenta uma abordagem prática, o protocolo S-P-I-K-E-S,2,3 uma estratégia atualmente ensinada e amplamente utilizada em seminários e disponível em CD-ROM e cassete de vídeo.4 Para muitos leitores da Community Oncology, a abordagem que se segue pode fazer sentido intuitivamente e refletir o que tem vindo a fazer na sua prática clínica. Mesmo que seja esse o caso, esta visão geral pode ter algum valor, reforçando a sua própria prática clínica e proporcionando uma ferramenta de ensino para os seus alunos mais novos.

Definição de “más notícias”

É importante definir o elemento central das más notícias – ou seja, tentar identificar o que as torna tão más para os doentes. Basicamente, o impacto das más notícias é proporcional ao seu efeito na alteração das expectativas dos doentes. De facto, uma definição prática de más notícias é “qualquer notícia que afete adversa e seriamente a visão que um indivíduo tem do seu futuro”.5 Por conseguinte, todas as más notícias têm consequências adversas graves para os doentes e as famílias.6,7 Por sua vez, isto conduz a dois princípios orientadores importantes.

Em primeiro lugar, a “maldade” das notícias – por outras palavras, o impacto no doente e na família – pode ser considerada como a diferença entre as expectativas do doente em relação à situação e a realidade médica da mesma. Em segundo lugar, como clínico, não é possível saber como é que o doente vai reagir às más notícias enquanto não se conhecerem as suas perceções das respetivas situações clínicas. Por isso, uma regra importante é “Antes de dizer, pergunte”.

Necessidade de uma estratégia

Em 1998, na reunião anual da Sociedade Americana de Oncologia Clínica, cerca de 400 oncologistas assistiram a uma sessão sobre como dar más notícias. Os oncologistas foram inquiridos sobre vários aspetos das competências de comunicação e da formação.3 Menos de 5% dos presentes afirmaram ter recebido qualquer formação sobre como dar más notícias. Mais de 66% indicaram que tinham de dar más notícias entre 5 e 20 vezes por mês; 74% indicaram que não tinham uma abordagem específica planeada para dar más notícias. Mais de 90% consideraram que o aspeto mais difícil da comunicação era lidar com as emoções que surgem durante a entrevista. Quando a estratégia S-P-I-K-E-S, que se centra na abordagem e no reconhecimento das emoções, foi apresentada previamente, mais de 99% dos oncologistas consideraram-na fácil de compreender e de recordar. A S-P-I-K-E-S é descrita em pormenor mais adiante neste artigo.

Por que é tão difícil dar más notícias?

Só o facto de estar presente quando outra pessoa está em grande sofrimento pode dificultar a comunicação de más notícias. Há outras razões. Um estudo recente realizado no Canadá analisou as perceções dos médicos internos sobre a transmissão de más notícias. O estudo mostrou que a falta de apoio emocional por parte de outros profissionais de saúde, os seus próprios receios pessoais em relação ao processo e a quantidade de tempo de que dispunham para dar más notícias os impediam de serem eficazes nas suas funções.8 Algumas das áreas mais fracas no processo de dar más notícias são a exploração das reações dos doentes, a transmissão da informação ao ritmo dos doentes e a disponibilização de materiais escritos.9

Os médicos que comunicam más notícias podem sentir-se indefesos, especialmente quando não existem opções de tratamento ativas disponíveis para os doentes.5 Em determinadas circunstâncias, podem até sentir-se culpados (normalmente de forma inadequada!). Por vezes, o seu próprio conceito de moralidade é ameaçado. Por isso, não é de surpreender que os médicos possam dar por si a camuflar toda a verdade ao doente, num esforço para evitar as reações emocionais do doente ou as suas próprias reações às más notícias.10,11

A verdade, ontem e agora

Há cinquenta anos, a maioria dos médicos conseguia evitar o desconforto ocultando a verdade aos doentes, justificando esse facto com a alegação de que a verdade seria demasiado angustiante para os doentes. No seu famoso inquérito de 1961, Oken mostrou que 90% dos cirurgiões nos Estados Unidos não discutiam regularmente um diagnóstico de cancro com os seus doentes, apesar da saberem que os doentes queriam realmente ouvir o diagnóstico.12

Quase 20 anos mais tarde, Novack e colegas repetiram o estudo de Oken e mostraram que a situação se inverteu: no final da década de 1970, 90% dos médicos diziam aos doentes se tinham cancro.13 Desde então, esta situação tornou-se a norma. Temos agora a obrigação legal e ética de contar ao nosso doente qualquer pormenor sobre a sua doença, se for esse o seu desejo. Embora a maioria dos nossos doentes (mais de 95%, de acordo com os trabalhos mais recentes) queira que a sua situação médica seja totalmente revelada, alguns preferem não a ouvir ou não conseguem lidar com ela. Esta opção está integrada no protocolo S-P-I-K-E-S.

Como já foi dito muitas vezes, a forma como se diz a verdade pode ser ainda mais importante do que os pormenores da informação. Dizer a verdade de forma insensível pode ser tão prejudicial como esconder a verdade de forma insensível. É aqui que ter uma estratégia para dar más notícias o pode ajudar.

A perspetiva do médico

Ao longo de uma carreira de 40 anos, um oncologista pode realizar até 200 000 entrevistas com doentes, prestadores de cuidados e/ou famílias.14 Se apenas 10% dessas entrevistas envolverem a divulgação de más notícias, isso corresponde a 20 000 entrevistas em que o médico tem de ser o portador de más notícias.

Uma vez que esta competência especializada não é ensinada na maioria das escolas de medicina, os médicos aprendem normalmente a comunicar más notícias ao doente através da experiência profissional e observando os médicos mais experientes.15 (Algumas escolas têm cursos bem estabelecidos sobre as técnicas específicas para dar más notícias.16) À partida, pode parecer satisfatório adquirir as competências simplesmente observando os médicos mais experientes. Mas, de facto, não é esse o caso.

Os resultados de um estudo publicado por Fallowfield et al. em fevereiro de 2002 indicam que os problemas de comunicação dos oncologistas seniores não se resolvem com a experiência clínica.14 Este estudo específico sugere que os cursos de formação melhoram significativamente as capacidades de comunicação. O governo britânico está a planear utilizar o estudo de Fallowfield como base para a criação de um programa nacional de formação para médicos que cuidam de doentes com cancro. Até à data, planos semelhantes estão apenas nas fases preliminares de planeamento na América do Norte. Também foi demonstrado que a capacidade de comunicar más notícias aos doentes pode ser transferida entre especialidades, o que sugere que o tempo despendido na aprendizagem desta competência pode ter benefícios de grande alcance na profissão médica.15

Ao encontro das expectativas dos doentes

A forma como as más notícias são transmitidas afeta certamente a vida dos doentes, mas também pode afetar as relações médico-doente. De facto, vários estudos mostram que a forma como as más notícias são divulgadas pode afetar a satisfação dos doentes com os cuidados que recebem e o seu subsequente ajustamento psicológico às más notícias.17,18 Por exemplo, um estudo realizado em 2001 confirmou que os doentes com educação superior esperavam mais pormenores e uma maior simplificação da mensagem relativa à sua doença e que os doentes do sexo feminino esperavam mais apoio.19

Protocolo S-P-I-K-E-S

O protocolo S-P-I-K-E-S é uma estratégia e não um guião. Destaca as características mais importantes de uma entrevista com más notícias e sugere métodos para avaliar a situação à medida que esta evolui, para responder de forma construtiva ao que acontece.

  Setting (S) Cenário

 Privacidade. O local onde a má notícia é dada pode ter efeitos significativos no resultado da entrevista, especialmente se o ambiente for inadequado para uma discussão sensível, reservada e potencialmente devastadora. Vale realmente a pena tentar encontrar um local onde haja privacidade, como uma sala de consultas, o seu escritório com a porta fechada ou cortinas fechadas à volta de uma cama de hospital. Peça autorização ao doente para desligar a televisão ou o rádio e tente minimizar outras distrações. Envolver outras pessoas significativas. Alguns doentes gostam de ter familiares ou amigos com eles quando recebem más notícias. Se houver várias pessoas a apoiar o doente, pergunte-lhe quem será o porta-voz da família durante a discussão. Isto dá apoio ao doente, ao mesmo tempo que alivia algum do stress que irá sentir ao lidar com várias pessoas durante uma entrevista emocionalmente carregada.

 Sentado. Se acabou de examinar o doente, deixe-o vestir-se antes de iniciar a conversa. Deve estar sentado durante uma entrevista que envolva más notícias, e também vale a pena tentar evitar sentar-se atrás de barreiras físicas, como uma secretária. Se o doente estiver numa cama de hospital, puxe uma cadeira ou, se não houver uma cadeira, peça autorização para se sentar na beira da cama. O facto de estar sentado diminui o impacto visual intimidante do médico que se impõe ao doente, o que pode fazer com que este se sinta vulnerável. Quando nos sentamos, damos ao doente a sensação de alguma forma de parceria na discussão. Também é mais fácil conseguir um contacto visual nivelado na posição sentada.

 Parecer atento e calmo. A maioria de nós sente-se ansiosa durante uma entrevista com “más notícias”, e vale a pena fazer um esforço para tentar reduzir ou eliminar os sinais corporais que tendemos a enviar quando estamos nervosos. Se, por exemplo, tiver tendência para se inquietar durante discussões tensas, pode adotar a “posição neutra da psicoterapia”. Trata-se de colocar os pés no chão e os tornozelos juntos, e colocar as mãos, com as palmas para baixo, no colo. Manter o contacto visual também assegura ao doente a sua atenção; se ele começar a chorar, é uma boa ideia quebrar momentaneamente o contacto visual. (Ninguém gosta de ser visto a chorar, porque se sente particularmente vulnerável). Também pode pousar a sua mão no braço ou na mão do doente, se ele se sentir confortável com este gesto.

 Modo de escuta. O silêncio e a repetição são duas competências de comunicação que transmitem ao doente a mensagem de que está a ouvir. O seu silêncio (ou seja, não interromper ou sobrepor-se ao doente quando este está a falar) demonstra respeito pelo que ele está a dizer e indica que está em “modo de escuta”. A repetição envolve a utilização da palavra mais importante da última frase do doente na sua primeira frase. Por exemplo, um doente pode dizer: “Estou farto do tratamento”. Pode responder: “Qual é o aspeto que o deixa mais aborrecido?” Outras técnicas básicas que mostram que está a ouvir incluem acenar com a cabeça, sorrir ou dizer “hmmm”, conforme apropriado.

 Disponibilidade. Antes da sua importante conversa, tome providências para que os telefones sejam atendidos por outros membros do pessoal ou pelo correio de voz e certifique-se de que os membros do pessoal não interrompem a reunião. Se ocorrerem chamadas telefónicas ou outras interrupções, trate-as com cortesia para que o doente não se sinta menos importantes do que a interrupção. Se tiver compromissos a cumprir, dê ao doente uma indicação clara das suas restrições de tempo.

  Perception (P)  Entendimento

Este passo é o fulcro do princípio “antes de dizer, pergunte”. Antes de dar más notícias ao doente, deve obter uma imagem bastante precisa da sua perceção da situação médica – em particular, da forma como vê a gravidade da doença. As palavras exatas que decide utilizar dependem do seu próprio estilo. Eis alguns exemplos:

“O que pensou que se passava consigo quando sentiu o caroço?”

“O que é que lhe foi dito sobre tudo isto até agora?”

“ Receia que isto possa ser algo de grave?”

À medida que o doente responde à sua pergunta, tome nota da linguagem e do vocabulário que ele usa e certifique-se de que usa o mesmo vocabulário nas suas respostas. Este alinhamento é muito importante porque o ajudará a avaliar a diferença (muitas vezes inesperadamente grande) entre as expectativas do doente e a situação médica real.20

Se um doente estiver em negação, é muitas vezes útil não confrontar a negação na primeira entrevista. A negação é um mecanismo inconsciente que pode facilitar o enfrentamento e deve ser tratada com cuidado ao longo de várias entrevistas. O confronto com a negação nesta fase inicial irá muito provavelmente apenas aumentar desnecessariamente a ansiedade do doente ou, mais provavelmente ainda, estabelecer uma relação conflituosa ou antagónica.

  Invitation (I) Convite à dança

Embora a maioria dos doentes queira saber todos os pormenores sobre a sua situação médica, nem sempre se pode assumir que é esse o caso. A obtenção de uma autorização explícita respeita o direito do doente a saber (ou a não saber). Seguem-se alguns exemplos de formas de abordar esta questão:

“É o tipo de pessoa que prefere saber todos os pormenores do que se está a passar?”

“Que tipo de informação gostaria que eu lhe desse sobre o seu diagnóstico e tratamento?”

“Quer que lhe dê pormenores sobre o que se passa ou prefere que lhe fale apenas dos tratamentos que lhe estou a propor?”

  Knowledge (K) Conhecimentos

Antes de dar más notícias, avise o doente de que estão a chegar más notícias. Não há necessidade de lançar uma bomba quando se pode ir mais devagar. Isto dá ao doente alguns segundos mais para se preparar psicologicamente para as más notícias. Exemplos de declarações de aviso incluem:

“Infelizmente, tenho más notícias para lhe dar, Sr. Andrews.”

“Mrs. Smith, lamento muito ter de lhe dizer....”21,22

Quando der más notícias ao seu doente, utilize a mesma linguagem que este utiliza. Esta técnica de alinhamento ou correspondência de terminologia com o doente é importante. Por exemplo, se o doente usar as palavras “crescimento” e “propagação”, também deve tentar usar essas palavras.

 Evitar linguagem técnica e científica. Queremos que o doente compreenda claramente o que estamos a dizer; não queremos que as informações sejam mal interpretadas. Mesmo os doentes mais bem informados consideram os termos técnicos difíceis de compreender e de recordar em momentos de grande agitação emocional.

 Dar a informação em pequenas porções e assegure-se de que o doente compreendeu o que disse no final de cada parte (e pode ser necessário repetir isto várias vezes, especialmente quando o doente parece perplexo, mesmo que diga que compreendeu): Por exemplo: “Percebe o que quero dizer?” ou “Isto está a fazer sentido até agora?” Pergunte frequentemente.

 Ajustar o ritmo a que fornece informações ao seu doente. Se a indicação for que o doente compreendeu perfeitamente até agora, passe para a informação seguinte. Se o doente não estiver a compreender bem, volte a rever a informação.

À medida que as emoções e reações forem surgindo durante esta conversa, reconheça-as e responda-lhes. (Para mais pormenores, ver o passo seguinte).

  Empathy (E) Empatia

Para a maioria dos médicos, responder às emoções do doente é uma das partes mais difíceis de dar más notícias. No nosso esforço para aliviar o nosso próprio desconforto e aliviar parte do incómodo dos nossos doentes, é muitas vezes tentador reter alguma da informação, minimizar a gravidade da situação ou dar um prognóstico mais esperançoso do que deveríamos. Embora estas táticas possam reduzir o stress para si e para os seu doente a curto prazo, é provável que resultem em problemas a longo prazo para ambos, e pode ficar desacreditado no processo. É muito mais útil – e mais terapêutico – reconhecer as emoções do doente à medida que elas surgem e abordá-las. A técnica mais útil para essa tarefa é chamada de “resposta empática”, e compreende três passos simples:

 Passo 1: Ouvir e identificar a emoção (ou mistura de emoções). Se não tiver a certeza da emoção que o doente está a sentir, pode utilizar uma resposta exploratória, como “Como é que isso o faz sentir?” ou “O que pensa do que acabei de lhe dizer?”

 Passo 2: Identificar a causa ou a origem da emoção, que é mais provável que seja a má notícia que o doente acabou de ouvir.

 Passo 3: Mostrar ao seu doente que estabeleceu a ligação entre os dois passos anteriores – ou seja, que identificou a emoção e a sua origem. Os exemplos podem incluir:

“Ouvir o resultado da cintilografia óssea foi claramente um grande choque para si.”

“Obviamente, esta notícia é muito perturbadora.”

“É evidente que isto é muito penoso”.

Pode ser útil uma resposta coloquial: “Não era isso que queria ouvir, eu sei”.

As respostas empáticas ajudam a validar os sentimentos do doente e a relacionar a resposta consigo: “Gostava que as notícias fossem melhores”. Não tem de ter os mesmos sentimentos para dar uma resposta empática; simplesmente mostra a sua perceção das emoções do doente.

 Validação. Depois de ter demonstrado empatia e identificado e reconhecido a emoção do doente, está pronto para validar ou normalizar os seus sentimentos. Pode utilizar uma frase como “Compreendo que se sinta assim”. Para minimizar os sentimentos de embaraço e isolamento, diga ao doente que mostrar emoções é perfeitamente normal.

Combinar respostas empáticas com respostas exploratórias (se necessário) e depois validar os sentimentos do doente (por esta ordem) deve mostrar-lhe que compreende o lado humano da questão médica e que reconhece que esses sentimentos são normais.23

  Strategy and summary (S) Estratégia e Resumo

Uma das melhores formas de preparar um doente com vista à sua participação nas decisões de tratamento é garantir que ele compreende a informação que lhe foi fornecida. Verifique com frequência para se certificar de que você e o seu doente estão ambos na mesma página. Antes de terminar a conversa, resumir as informações da conversa e dar ao doente a oportunidade de expressar quaisquer preocupações ou perguntas importantes. Se não tiver tempo para as responder nesse momento, pode dizer ao doente que essas questões podem ser discutidas em pormenor na próxima consulta. O médico e o doente devem sair da entrevista com um plano claro dos próximos passos a dar e dos papéis que ambos irão desempenhar nesses passos.

Conclusão

Dar más notícias é frequentemente uma experiência tensa e angustiante tanto para o doente como para o médico. Os mensageiros de más notícias identificam-se muitas vezes inadvertidamente com os aspetos negativos da mensagem.5 As reações emocionais do doente serão difíceis de superar, a menos que tenha uma estratégia para as abordar. Sem um plano para lidar com estas questões, pode tentar minimizar as más notícias, revelando apenas parte da informação. Isto pode ser desastroso – o doente pode sentir-se relutante em participar na tomada de decisões. O facto de ser menos honesto ou minucioso pode corroer a confiança do doente em si como médico.

O protocolo S-P-I-K-E-S apresenta passos que são fáceis de memorizar e que podem ser praticados até se sentir mais à vontade para dar más notícias. As respostas empáticas, exploratórias e de validação também o devem ajudar a apoiar o doente, uma intervenção psicológica essencial para o sofrimento. Na prática, verificou-se que o protocolo S-P-I-K-E-S é facilmente aprendido e demonstrou aumentar a sensação de competência dos médicos nesta área difícil.

A tarefa de dar más notícias nunca será fácil, mas ter um plano de ação e saber que pode apoiar o seu doente durante este momento difícil ajudará consideravelmente. <

Para ter a tradução em versão PDF, descarregar DAQUI

Referências

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19 julho 2024

Satisfação Sexual


Relação entre Masturbação Solitária e Satisfação Sexual: Uma Revisão Sistemática

Oscar Cervilla, Ana Álvarez-Muelas, Juan Carlos Sierra

Mind, Brain, and Behavior Research Center (CIMCYC), University of Granada

Tradução do Resumo e das Conclusões do artigo

Relationship between Solitary Masturbation and Sexual Satisfaction: A Systematic Review

Resumo: A masturbação é um comportamento sexual saudável associado a diferentes dimensões do funcionamento sexual, destacando-se a satisfação sexual como uma importante manifestação do bem-estar sexual. Esta revisão tem como objetivo analisar sistematicamente os estudos que associaram a masturbação à satisfação sexual, tanto em indivíduos com como sem parceiro. Seguindo a declaração PRISMA, foram efetuadas pesquisas nas bases de dados APA PsycInfo, Medline, Scopus e Web of Science. A pesquisa produziu 851 registos e foram selecionados 22 artigos que examinavam a relação entre a masturbação solitária e a satisfação sexual. Nos homens, observou-se uma relação negativa entre a masturbação e a satisfação sexual em 71,4% dos estudos, 21,4% não encontraram essa relação e 7,2% observaram uma associação positiva. Nas mulheres, 40% não registaram qualquer relação, 33,3% uma relação negativa e 26,7% uma relação positiva. A associação negativa entre a masturbação solitária e a satisfação sexual é consistente com o papel compensatório da masturbação anteriormente proposto, especialmente para os homens. Nas mulheres, em comparação com os homens, o papel complementar da masturbação em relação às relações sexuais é observado em maior grau e está mais associado à saúde sexual. Salienta-se a importância de incluir diferentes parâmetros além da frequência da masturbação em estudos futuros para explorar a sua relação com a satisfação sexual.

[…]

Conclusões: A nossa revisão sistemática comprova a relação entre a masturbação solitária e a satisfação sexual. Embora os resultados a favor de uma associação negativa estejam presentes, é absolutamente necessário considerar as diferenças sexuais. Assim, um padrão mais consistente de relações negativas é encontrado nos homens, o que apoia o papel compensatório da masturbação. Por outro lado, os resultados para as mulheres são mais heterogéneos e existem mais provas de uma relação positiva do que para os homens. Este resultado sugere que a masturbação solitária para as mulheres poderia ser um indicador mais relacionado com a saúde sexual, o que apoiaria o papel complementar entre ambos os comportamentos (masturbação solitária e relações sexuais). É necessário continuar a investigação para aprofundar a associação entre masturbação e satisfação sexual, considerando a masturbação mútua. Em estudos futuros, dada a relevância da masturbação para a satisfação sexual, poderia também ser interessante examinar como diferentes padrões de atividade sexual (incluindo a masturbação solitária e as relações sexuais) estão associados à satisfação sexual numa relação romântica. Seria igualmente relevante utilizar um modelo teórico validado de satisfação sexual que incluísse também a frequência da masturbação solitária e outros parâmetros importantes como a idade de início da masturbação, as razões para se masturbar e medidas específicas que caracterizem a experiência subjetiva do orgasmo conseguida através da masturbação ou a adoção de uma atitude negativa face a este comportamento.

Ver o artigo original completo AQUI

Também vale a pena ler Sexo sem Prazo de Validade já traduzido AQUI

e ler AQUI a dissertação de mestrado integrado de Medicina de José Miranda Rebelo

13 julho 2024

Efeméride - 13 de julho de 1958

Faz hoje 66 anos que António Ferreira Gomes,
Bispo do Porto, escreveu uma carta a Salazar.
«Antes e depois do 25 de Abril de 1974, foi uma referência significativa pela expectativa que as suas palavras sempre revestiam, como instância crítica dos acontecimentos. […] Neste sentido, pode dizer-se que exerce uma pedagogia de cidadania no interior do processo revolucionário de 1974.»  Dicionário de Educadores Portugueses, António Sampaio da Nóvoa (dir.), António Matos Ferreira. Edições ASA, 2003, p. 630

D. António Ferreira Gomes, por Arlindo Rocha, 1999, passeio dos Clérigos

12 julho 2024

Médicos associados (ou assistentes de médicos)

Médicos associados e o papel dos médicos no Reino Unido

Jessamy Bagenal, Senior Executive Editor, The Lancet.

Tradução espontânea do editorial de 4 de julho de 2024

Physician associates in the UK and the role of the doctor

   Demasiados doentes no Reino Unido têm de esperar mais de 4 semanas por uma consulta com o seu médico de clínica geral.1 As pessoas que têm um AVC ou um ataque cardíaco no Reino Unido têm atualmente uma espera média de 46 minutos por uma ambulância e, em cada minuto extra de espera, aumenta o risco de lesões cerebrais e cardíacas permanentes e de morte.2 O subfinanciamento, as faltas de pessoal e de recursos na área da saúde e dos cuidados sociais, agravados por uma pandemia de COVID-19 mal gerida, contribuíram para a atual crise dos cuidados de saúde no Reino Unido.3 A culpa é de um governo conservador britânico iletrado em matéria de saúde e hostil para com os profissionais de saúde. Neste contexto, será que aumentar o número de “médicos associados” (ou assistentes de médicos) para alargar a força de trabalho no sector da saúde é uma boa ideia? A resposta deve ser certamente afirmativa. O Serviço Nacional de Saúde (SNS) do Reino Unido precisa de mais profissionais de saúde para prestar cuidados de qualidade, para que mais doentes possam aceder aos cuidados de saúde em tempo útil. No entanto, o papel dos médicos associados no SNS tornou-se uma área de intensa controvérsia para a profissão médica do Reino Unido.4,5

  No Reino Unido, os médicos associados têm uma graduação (1.º ciclo) em ciências e 2 anos de treino, pelo que a sua entrada no mercado de trabalho é muito mais rápida do que a de um médico. Os médicos associados trabalham no SNS desde 2003,4 avaliando doentes, trabalhando em equipas, cuidando de pessoas, contribuindo para planos de gestão e, por vezes, realizando procedimentos e pequenas operações. Têm ajudado no bom funcionamento de muitos serviços e foram acolhidos por muitas equipas de cuidados de saúde.6 Atualmente, há cerca de 3000 médicos associados a trabalhar no SNS.7 Noutros países, os médicos associados são uma parte estabelecida do sistema de saúde. Os médicos associados trabalham no sistema de saúde dos EUA desde a década de 1960 e, pelo menos, 15 sistemas de saúde em todo o mundo estão a introduzir alguma forma de programas com médicos associados.8,9 Há 20 anos de experiência no Reino Unido e muitas outras experiências internacionais que sugerem que os médicos associados são uma mais-valia para o sistema de saúde.

  Em 2023, quando o SNS de Inglaterra publicou o Long Term Workforce Plan e se comprometeu a contratar mais 60 000-74 000 médicos e mais 10 000 médicos associados no SNS até 2036-37,10 muitos médicos ficaram preocupados e apelaram a uma moratória no recurso a mais médicos associados.11 As suas objeções incluíam preocupações quanto ao facto de os médicos associados não estarem atualmente regulamentados; dependerem da supervisão de um médico para fazer o seu trabalho, pelo que o seu impacto é limitado pelo número de médicos; retirarem oportunidades de formação aos médicos; existirem preocupações quanto à segurança dos doentes devido à sua curta formação, já que estes assumem frequentemente funções e responsabilidades que são dos médicos.12,13 Também tem havido objeções relacionadas com a remuneração: os médicos associados recém-formados recebem normalmente £41 659, enquanto os médicos recém-formados começam normalmente com £32 398.8 Mesmo aceitando as diferentes oportunidades de desenvolvimento da carreira e de ganhos futuros, esta diferença de remuneração não é claramente justa e tem de mudar. Proteger e aumentar a remuneração dos médicos é importante para a retenção e o recrutamento. Algumas preocupações relativas aos médicos associados, como a regulamentação, são importantes e estão a ser abordadas, devendo os médicos associados no Reino Unido ser regulamentados pelo General Medical Council a partir de dezembro de 2024.14 Houve pelo menos dois casos de grande visibilidade de mortes jovens e evitáveis que ocorreram durante a prestação de cuidados por médicos associados.15,16 Mas, enquanto profissão médica, seria descuidado não reconhecer que há acontecimentos adversos, mortes desnecessárias e casos de má conduta que ocorrem todos os anos sob os cuidados de médicos e enfermeiros com formação completa e regulamentada.17,18

  Um fator subjacente ao aceso debate sobre os médicos associados no Reino Unido é o protecionismo profissional e as preocupações salariais dos médicos que têm sido maltratados, fragilizados e subvalorizados pelos sucessivos governos britânicos. Não é de surpreender que, após mais de 14 anos de cortes salariais em termos reais19 e de maledicência dos médicos nalguns meios de comunicação social do Reino Unido,20 os médicos desconfiem de intervenções que possam diminuir ainda mais a profissão médica em termos de dimensão, responsabilidades e remuneração. Os médicos têm um longo historial de bloqueio de reformas que ameaçam o seu estatuto profissional; no passado, foram apresentados argumentos semelhantes contra os enfermeiros especialistas.21 Há trabalho mais do que suficiente para todos – de facto, há demasiado trabalho mesmo com mais 7000 médicos associados. Uma correta e adequada utilização de mais médicos associados poderia reduzir as tarefas administrativas, aumentar as oportunidades de formação e melhorar a vida de muitas equipas de cuidados de saúde.22

  Durante muitos anos, as tarefas administrativas excessivas dos serviços de saúde modernos  recaíram em grande medida sobre os membros mais jovens das equipas médicas. A formação de médicos de base no Reino Unido (os primeiros anos de trabalho após o curso de medicina) tem sido dominada pela prestação de serviços e pela introdução dos jovens médicos numa vida profissional de sacrifício, mais do que pela formação e desenvolvimento de conhecimentos, competências e capacidade técnica.23 Um grande número de médicos de base abandonou o SNS.24 Em parte, isso é culpa de um sistema de saúde sobrecarregado e digitalmente pré-histórico, mas a responsabilidade também recai sobre as chefias médicas que permitiram o desenvolvimento de um sistema de formação insuficiente. Uma profissão médica subvalorizada, insatisfeita e subfinanciada não é culpa dos médicos associados, dos enfermeiros especialistas ou de qualquer outro trabalhador do sector da saúde.

  O papel dos médicos na sociedade é muito importante. Os médicos são vozes de confiança, fantásticos defensores da saúde pública e protetores contra políticos incompetentes. Mas bloquear ideias mal aplicadas, embora conceptualmente sólidas, que podem melhorar o acesso dos doentes aos cuidados de saúde é um erro. O SNS precisa de um debate maduro e fundamentado, e não de uma recusa furiosa de participação. Os médicos e outros profissionais de saúde têm sofrido com um governo conservador que reduziu os salários e adotou políticas que criaram um sistema de saúde que é problemático e no qual é difícil trabalhar. Um novo governo do Reino Unido tem de resolver estes problemas. Mas os médicos devem lembrar-se de que muitos doentes do SNS não conseguem obter uma consulta atempada e estão a sofrer desnecessariamente. O próximo governo terá de implementar iniciativas variadas e inovadoras para que o SNS volte a funcionar e os médicos devem facilitar todas as intervenções seguras que o proporcionem.

Referências

1.     Campbell D. One in 20 patients in England wait at least four weeks to see GP, figures show. The Guardian, Jan 22, 2024 https://www.theguardi­an.com/society/2024/ jan/22/patients-england-waiting-times-gp-appointments-nhs-figures

2.    Blake I. Average ambulance waits for heart attacks and strokes rise to 46 minutes. British Heart Foundation, Jan 11, 2024 https://www.bhf.org.uk/what-we-do/news-from-the-bhf/news-ar­chive/2024/january/ ambulance-waits-heart-at­tack-strokes-rise

3.    The Lancet. The NHS is sick, but it is treata­ble. Lancet. 2023; 401: 425

4.    Oliver D. David Oliver: the fractious debate over physician associates in the NHS. BMJ. 2023; 3832449

5.    British Medical Association. 13,000 doctors write to party leaders to express “grave con­cern” overuse of physician associates. July 2, 2024  https://www.bma.org.uk/bma-media-cen­tre/14-000-doctors-write-to-party-leaders-to-ex­press-grave-concern-over-use-of-physician-asso­ciates

6.    Bawden A. “I'm not a doctor”: the role physi­cian associates play within NHS. The Guard­ian, Jan 18, 2024 https://www.theguardian.com/ society/2024/jan/18/physician-associates-role-nhs-england

7.    British Medical Association. Medical associate professions. April 11, 2024 https://www.bma.org.uk/advice-and-support/ nhs-delivery-and-workforce/workforce/medical-associate-professions-maps

8.    Lynn É. What you need to know about physi­cian associates. BMJ. 2023; 3832840

9.    Pasquini S. Where PAs and physician associ­ates can work internationally. The Physician Assistant Life. https://www.thepalife.com/ physician-assistants-pas-and-associates-around-the-world/

10.  UK Parliament. The NHS workforce in Eng­land. NHS workforce policy and planning. House of Commons Library, Feb 29, 2024 https://commonslibrary.parliament.uk/ research-briefings/cbp-9731/#:~:text=NHS% 20Workforce%20policy%20and%20planning& text=According%20to%20the%20plan%2C%20 if,60%2C000%20to%2074%2C000%20doctors

11.  Kar P. Physician associates: a pause in rollout is needed. BMJ. 2024; 384: q634

12.  McKee M, Brayne C. Physician associates in the UK: some fundamental questions that need answers now. BMJ. 2024; 384: q699

13.  Abbasi K. Physician associates: why we need a pause and an urgent review. BMJ. 2024; 384: q185

14.  General Medical Council. Future regulation of PAs and AAs. 2024 https://www.gmc-uk.org/ pa-and-aa-regulation-hub

15.  The Telegraph. Man died from rare heart problem after being discharged from hospi­tal. The Telegraph, Oct 21, 2023 https://www.tel­egraph.co.uk/news/2023/10/21/death-heart-problem-doctor-physician-associate/

16.  PA Media. Physician associates must stop di­agnosing patients, say senior medics. The Guardian, March 7, 2024 https://www.theguard­ian.com/society/2024/mar/07/physician-asso­ciates-must-stop-diagnosing-patients-say-senior-medics

17.  The Lancet. The Lucy Letby case: lessons for health systems. Lancet. 2023; 402: 747

18.  The Lancet. Complicit silence in medical malpractice. Lancet. 2020; 395: 467

19.  Rolewicz L, Dayan M, Palmer B. Chart of the week: pay has fallen in real terms for most NHS staff groups since 2010. Nuffield Trust. Dec 16, 2022 https://www.nuffieldtrust.org.uk/ resource/chart-of-the-week-pay-has-fallen-in-real-terms-for-most-nhs-staff-groups-since-2010

20. Fenton S. Junior doctors' strike: James O'Brien attacks right-wing media stories criticising doctors. The Independent, March 10, 2016 https://www.independent.co.uk/news/uk /home-news/junior-doctors-strike-the-truth-behind-those-media-attacks-on-doctors-a6922581.html

21.  Mann C. Doctors need to give up profes­sional protectionism. BMJ. 2018; 361k1757

22. Academy of Medical Royal Colleges. High level principles concerning physician associates (Pas): Academy consensus statement. March 4, 2024 https://www.aomrc.org.uk/wp-content /uploads/2024/03/Consensus_statement_High _level_principles_concerning_PAs_040324.pdf

23. Lock FK, Carrieri D. Factors affecting the UK junior doctor workforce retention crisis: an integrative review. BMJ Open. 2022; 12e059397

24. Tonkin T. A third of doctors consider leaving UK. British Medical Association, April 12, 2024 https://www.bma.org.uk/news-and-opinion/a-third-of-doctors-consider-leaving-uk