Relatório
Belmont
Tradução
espontânea do
Princípios
Éticos e Diretrizes para a Proteção dos Participantes Humanos em Investigações
The National Commission for the Protection of Human
Subjects of Biomedical and Behavioral Research
18
de abril de 1979
AGÊNCIA: Departamento de Saúde, Educação e
Bem-Estar dos EUA.
RESUMO:
Em 12 de julho de 1974, o National Research Act (Pub.
L. 93-348) foi promulgado, criando assim a National Commission
for the Protection of Human Subjects of Biomedical and Behavioral Research.
Um dos encargos da Comissão
foi identificar os princípios éticos básicos que devem estar subjacentes à
realização de investigação biomédica e comportamental envolvendo seres humanos
e elaborar diretrizes que devem ser seguidas para garantir que essa investigação
é realizada de acordo com esses princípios. Para o efeito, a Comissão foi
incumbida de considerar (i) as fronteiras entre a investigação biomédica e
comportamental e a prática aceite e habitual da medicina, (ii) o papel da avaliação
dos critérios de risco-benefício na verificação da adequação da investigação
que envolve participantes humanos, (iii) as diretrizes adequadas para a seleção
de participantes nessa investigação e (iv) a natureza e definição do
consentimento informado em vários contextos de investigação.
O Relatório Belmont procura resumir
os princípios éticos básicos identificados pela Comissão no decurso das suas
deliberações. É o resultado de um período intensivo de quatro dias de
discussões que tiveram lugar em fevereiro de 1976 no Centro de Conferências
Belmont da Smithsonian Institution, complementado pelas deliberações
mensais da Comissão que tiveram lugar durante um período de quase quatro anos.
Trata-se de uma declaração de princípios éticos básicos e de diretrizes que
deverão ajudar a resolver os problemas éticos que rodeiam a realização de
investigação com seres humanos. Ao publicar o Relatório no Registo Federal e ao
facultar reimpressões mediante pedido, o Secretariado pretende que este seja
prontamente disponibilizado aos cientistas, aos membros das Comissões de Avaliação
Institucional e aos funcionários federais. O apêndice de dois volumes, que
contém os longos relatórios de peritos e especialistas que ajudaram a Comissão
a cumprir esta parte da sua missão, está disponível como DHEW Publication
No. (OS) 78-0013 e No. (OS) 78-0014, para venda pelo Superintendent
of Documents, U.S. Government Printing Office, Washington, D.C. 20402.
Ao contrário da maioria dos outros
relatórios da Comissão, o Relatório Belmont não faz recomendações específicas
para a ação administrativa do Secretary of Health, Education, and Welfare.
Em vez disso, a Comissão recomendou que o Relatório Belmont fosse adotado na
íntegra, como uma declaração da política do Departamento. O Departamento pediu
comentários públicos sobre esta recomendação.
Comissão Nacional para a
Proteção dos Participantes Humanos em Investigação Biomédica e Comportamental: Kenneth John Ryan, M.D.,
Chairman, Chief of Staff, Boston Hospital for Women. Joseph V. Brady, Ph.D., Professor of Behavioral Biology, Johns
Hopkins University. Robert E. Cooke, M.D., President, Medical
College of Pennsylvania. Dorothy I. Height, President, National
Council of Negro Women, Inc. Albert R. Jonsen, Ph.D., Associate
Professor of Bioethics, University of California at San Francisco. Patricia
King, J.D., Associate Professor of Law, Georgetown University Law
Center. Karen Lebacqz, Ph.D., Associate Professor of Christian
Ethics, Pacific School of Religion. David W. Louisell*, J.D.,
Professor of Law, University of California at Berkeley. Donald W. Seldin,
M.D., Professor and Chairman, Department of Internal Medicine, University of
Texas at Dallas. Eliot Stellar*, Ph.D., Provost of the University
and Professor of Physiological Psychology, University of Pennsylvania.
Robert H. Turtle*, LL.B., Attorney, VomBaur, Coburn, Simmons &
Turtle, Washington, D.C. * falecido
Índice
Princípios Éticos e
Diretrizes para a Investigação Envolvendo Participantes Humanos
A. Fronteiras entre a
prática e a investigação
B. Princípios éticos
básicos
1. Respeito pelas pessoas
2. Beneficência
3. Justiça
C. Aplicações
1. Consentimento informado
2. Avaliação dos riscos e benefícios
3. Seleção dos participantes
Princípios Éticos e
Diretrizes para a Investigação Envolvendo Participantes Humanos
A
investigação científica gera benefícios sociais substanciais. Levanta também
algumas questões éticas preocupantes. A atenção do público para estas questões
foi atraída pelos abusos cometidos contra seres humanos em experiências
biomédicas, especialmente durante a Segunda Guerra Mundial. Durante os
julgamentos dos crimes de guerra, o código de Nuremberga foi elaborado como um
conjunto de padrões para julgar médicos e cientistas que tinham realizado
experiências biomédicas em prisioneiros de campos de concentração. Este código
tornou-se o protótipo de muitos códigos posteriores [[i]] destinados a garantir
que a investigação envolvendo seres humanos é efetuada de forma ética.
Os códigos consistem em regras, algumas gerais, outras
específicas, que orientam os investigadores ou os revisores da investigação no
seu trabalho. Essas regras são muitas vezes inadequadas para cobrir situações
complexas; por vezes entram em conflito e são frequentemente difíceis de
interpretar ou aplicar. Os princípios éticos mais amplos constituirão uma base
sobre a qual as regras específicas poderão ser formuladas, criticadas e
interpretadas.
Nesta declaração são identificados três princípios, ou juízos
prescritivos gerais, que são relevantes para a investigação envolvendo seres
humanos. Outros princípios podem também ser relevantes. No entanto, estes três
são abrangentes e são enunciados com um nível de generalização que deverá
ajudar os cientistas, os participantes, os avaliadores e os cidadãos
interessados a compreender as questões éticas inerentes à investigação que
envolve seres humanos. Estes princípios nem sempre podem ser aplicados de forma
a resolver, além de qualquer contestação, problemas éticos específicos. O
objetivo é apresentar um quadro analítico que orientará a resolução de
problemas éticos decorrentes da investigação envolvendo seres humanos.
Este documento consiste numa distinção entre investigação e clínica,
numa discussão dos três princípios éticos básicos e em reflexões sobre a
aplicação desses princípios.
A. Fronteiras entre a
prática e a investigação – É importante distinguir entre a investigação
biomédica e comportamental, por um lado, e a prática de uma terapia aceite, por
outro, de modo a saber quais as atividades que devem ser submetidas a uma
análise para a proteção dos participantes na investigação. A distinção entre a
investigação e a clínica é pouco clara, em parte porque ambas ocorrem
frequentemente em conjunto (como na investigação concebida para avaliar uma
terapia) e em parte porque os desvios notáveis da prática-padrão são
frequentemente designados por “experimentais” quando os termos “experimental” e
“investigação” não são cuidadosamente definidos.
Na maior
parte das vezes, o termo “prática” refere-se a intervenções que são concebidas
exclusivamente para melhorar o bem-estar de um doente ou cliente individual e
que têm uma expectativa razoável de sucesso. O objetivo da prática médica ou
comportamental é proporcionar diagnóstico, tratamento preventivo ou terapia a
indivíduos específicos.[[ii]] Em contrapartida, o
termo “investigação” designa uma atividade destinada a testar uma hipótese, a
permitir tirar conclusões e, por conseguinte, a desenvolver ou contribuir para
um conhecimento generalizável (expresso, por exemplo, em teorias, princípios e
enunciados de relações). A investigação é geralmente descrita num protocolo
formal que estabelece um objetivo e um conjunto de procedimentos destinados a
atingir esse objetivo.
Quando um
clínico se afasta de forma significativa da prática-padrão ou aceite, a
inovação não constitui, por si só, uma investigação. O facto de um procedimento
ser “experimental”, no sentido de novo, não testado ou diferente, não o põe
automaticamente na categoria de investigação. Os procedimentos radicalmente
novos desta descrição devem, no entanto, ser objeto de investigação formal numa
fase inicial, a fim de determinar se são seguros e eficazes. Assim, cabe às
comissões de prática médica, por exemplo, insistir para que uma inovação
importante seja integrada num projeto de investigação formal [[iii]].
A investigação e a clínica podem ser realizadas em conjunto
quando a investigação é concebida para avaliar a segurança e a eficácia de uma
terapia. A regra geral é que, se houver qualquer elemento de investigação numa
atividade, essa atividade deve ser sujeita a avaliação para a proteção dos
sujeitos humanos.
B. Princípios éticos
básicos –
A
expressão “princípios éticos fundamentais” refere-se aos juízos gerais que
servem de justificação básica para as muitas prescrições e avaliações éticas
específicas das ações humanas. Três princípios básicos, entre os geralmente
aceites na nossa tradição cultural, são particularmente relevantes para a ética
da investigação envolvendo seres humanos: os princípios do respeito pelas
pessoas, da beneficência e da justiça.
1. Respeito pelas
pessoas. O respeito pelas pessoas
incorpora pelo menos duas convicções éticas: primeiro, que os indivíduos devem
ser tratados como agentes autónomos e, segundo, que as pessoas com autonomia
diminuída têm direito a proteção. O princípio do respeito pelas pessoas divide-se
assim em duas exigências morais distintas: a exigência de reconhecer a
autonomia e a exigência de proteger as pessoas com autonomia diminuída.
Uma pessoa
autónoma é um indivíduo capaz de deliberar sobre objetivos pessoais e de agir
de acordo com a orientação dessa deliberação. Respeitar a autonomia é dar peso
às opiniões e escolhas ponderadas das pessoas autónomas, abstendo-se de impedir
as suas ações, a menos que estas sejam claramente prejudiciais para outros.
Demonstrar falta de respeito por um agente autónomo é repudiar os juízos
ponderados dessa pessoa, negar a um indivíduo a liberdade de agir de acordo com
esses juízos ponderados ou reter a informação necessária para fazer um juízo
ponderado, quando não há razões imperiosas para o fazer.
No entanto,
nem todos os seres humanos têm capacidade de autodeterminação. A capacidade de
autodeterminação amadurece durante a vida de um indivíduo, e alguns indivíduos
perdem essa capacidade total ou parcialmente devido a doença, deficiência
mental ou circunstâncias que restringem significativamente a liberdade. O
respeito pelos imaturos e incapacitados pode exigir a sua proteção à medida que
amadurecem ou quando estão incapacitados.
Algumas
pessoas necessitam de uma proteção ampla, até mesmo ao ponto de serem excluídas
de atividades que possam prejudicá-las; outras pessoas necessitam de pouca
proteção, além de garantir que realizem atividades livremente e com consciência
das possíveis consequências adversas. A extensão da proteção concedida deve
depender do risco de dano e da probabilidade de benefício. O juízo de que um
indivíduo carece de autonomia deve ser reavaliado periodicamente e variará
consoante as situações. Na maioria dos casos de investigação que envolvem seres
humanos, o respeito pelas pessoas exige que os sujeitos participem na
investigação de forma voluntária e com informação adequada. Nalgumas situações,
contudo, a aplicação do princípio não é óbvia. A participação de reclusos como
sujeitos de investigação constitui um exemplo elucidativo. Por um lado, parece
que o princípio do respeito pelas pessoas exige que os reclusos não sejam
privados da oportunidade de se voluntariarem para uma investigação. Por outro
lado, nas condições prisionais, podem ser subtilmente coagidos ou indevidamente
influenciados a participar em atividades de investigação para as quais, de
outro modo, não se ofereceriam. O respeito pelas pessoas impõe então que os
reclusos sejam protegidos. A questão de permitir que os prisioneiros se “voluntariem”
ou de os “proteger” apresenta um dilema. Respeitar as pessoas, na maioria dos
casos difíceis, é frequentemente uma questão de equilibrar reivindicações
concorrentes exigidas pelo próprio princípio do respeito.
2. Beneficência. As pessoas são tratadas de forma ética não só
respeitando as suas decisões e protegendo-as de danos, mas também fazendo
esforços para garantir o seu bem-estar. Este tratamento é do âmbito do
princípio da beneficência. O termo “beneficência” é frequentemente entendido
como abrangendo atos de bondade ou caridade que ultrapassam a obrigação
estrita. No presente documento, a beneficência é entendida num sentido mais
forte, como uma obrigação. Foram formuladas duas regras gerais como expressões
complementares de ações beneficentes neste sentido: (1) não fazer mal e (2)
maximizar os possíveis benefícios e minimizar os possíveis danos.
A máxima
hipocrática “não causar dano” é, desde há muito, um princípio fundamental da
ética médica. Claude Bernard alargou-a ao domínio da investigação, afirmando
que não se deve prejudicar uma pessoa independentemente dos benefícios que
possam advir para outras. No entanto, mesmo para evitar danos é necessário
saber quais as informações que são prejudiciais; e, no processo de obtenção
dessas informações, as pessoas podem ser expostas a riscos de danos. Além
disso, o Juramento de Hipócrates exige que os médicos beneficiem os seus
doentes “de acordo com o seu melhor julgamento”. Saber o que de facto
beneficiará pode exigir a exposição de pessoas a riscos. O problema posto por
estes imperativos é decidir quando é justificável procurar determinados
benefícios apesar dos riscos envolvidos e quando se deve renunciar aos
benefícios devido aos riscos.
As
obrigações de beneficência afetam tanto os investigadores individuais como a
sociedade em geral, porque se estendem tanto a projectos de investigação
específicos como ao conjunto da atividade de investigação. No caso de projetos
particulares, os investigadores e os membros das suas instituições são
obrigados a prever a maximização dos benefícios e a redução dos riscos que
podem resultar da investigação. No caso da investigação científica em geral, os
membros da sociedade em geral são obrigados a reconhecer os benefícios e riscos
a longo prazo que podem resultar da melhoria dos conhecimentos e do
desenvolvimento de novos procedimentos médicos, psicoterapêuticos e sociais.
O princípio
da beneficência ocupa frequentemente um papel justificador bem definido em
muitos domínios da investigação que envolve seres humanos. Um exemplo é a
investigação que envolve crianças. Formas eficazes de tratar doenças infantis e
de promover um desenvolvimento saudável são benefícios que servem para
justificar a investigação que envolve crianças – mesmo quando os participantes
individuais da investigação não são beneficiários diretos. A investigação
também permite evitar os danos que podem resultar da aplicação de práticas de
rotina previamente aceites que, após uma investigação mais aprofundada, se
revelam perigosas. Mas o papel do princípio da beneficência nem sempre é tão
inequívoco. Subsiste um problema ético difícil, por exemplo, em relação à
investigação que apresenta mais do que um risco mínimo sem uma perspetiva
imediata de benefício direto para as crianças envolvidas. Alguns argumentaram
que esse tipo de investigação é inadmissível, enquanto outros salientaram que
este limite excluiria muita investigação que prometesse grandes benefícios para
as crianças no futuro. Também neste caso, como em todos os casos difíceis, as
diferentes pretensões abrangidas pelo princípio da beneficência podem entrar em
conflito e obrigar a escolhas difíceis.
3. Justiça. Quem deve receber os benefícios da investigação e
suportar os seus encargos? Esta é uma questão de justiça, no sentido de “justeza
da distribuição” ou “o que é merecido”. Uma injustiça ocorre quando um
benefício a que uma pessoa tem direito é negado sem uma boa razão ou quando um custo
é imposto indevidamente. Outra forma de conceber o princípio da justiça é que
os iguais devem ser tratados de forma igual. No entanto, esta afirmação requer
uma explicação. Quem é igual e quem é desigual? Que considerações justificam o
afastamento de uma distribuição igualitária? Quase todos os comentadores
admitem que as distinções baseadas na experiência, idade, privação, capacidade,
mérito e posição constituem, por vezes, critérios que justificam um tratamento
diferenciado para determinados fins. É necessário, então, explicar em que
aspetos as pessoas devem ser tratadas de forma igual. Existem várias
formulações amplamente aceites de modos justos de distribuir encargos e
benefícios. Cada formulação menciona uma propriedade relevante com base na qual
os encargos e benefícios devem ser distribuídos. Estas formulações são: (1) a
cada pessoa uma parte igual, (2) a cada pessoa de acordo com a necessidade
individual, (3) a cada pessoa de acordo com o esforço individual, (4) a cada
pessoa de acordo com a contribuição da sociedade e (5) a cada pessoa de acordo
com o mérito.
As questões de justiça estão desde há muito associadas a
práticas sociais como a punição, a tributação e a representação política. Até
há pouco tempo, estas questões não estavam geralmente associadas à investigação
científica. No entanto, são prefiguradas mesmo nas primeiras reflexões sobre a
ética da investigação envolvendo seres humanos. Por exemplo, durante o século
XIX e início do século XX, o ónus de servir como sujeitos de investigação
recaiu em grande parte sobre os doentes pobres das enfermarias, enquanto os
benefícios da melhoria dos cuidados médicos beneficiaram principalmente os
doentes privados. Posteriormente, a exploração de prisioneiros relutantes como
sujeitos de investigação nos campos de concentração nazis foi condenada como
uma injustiça particularmente gritante. Nos EUA, na década de 1940, o estudo da
sífilis de Tuskegee utilizou homens negros desfavorecidos das zonas rurais para
estudar a evolução, sem tratamento, de uma doença que não está de modo algum
confinada a essa população. Estes indivíduos foram privados de um tratamento
comprovadamente eficaz para não interromper o projeto, muito depois de esse
tratamento se ter tornado geralmente disponível.
Neste contexto histórico, pode ver-se como as conceções de
justiça são relevantes para a investigação que envolve sujeitos humanos. Por
exemplo, a seleção dos participantes em investigação tem de ser analisada para
verificar se algumas classes (por exemplo, doentes da segurança social,
minorias raciais e étnicas específicas ou pessoas confinadas a instituições)
estão a ser sistematicamente selecionadas simplesmente devido à sua fácil
disponibilidade, à sua posição de risco ou à sua vulnerabilidade, e não por
razões diretamente relacionadas com o problema em estudo. Finalmente, sempre
que a investigação apoiada por fundos públicos conduza ao estabelecimento de
instrumentos e procedimentos terapêuticos, a justiça exige que estes não
ofereçam vantagens apenas àqueles que os podem pagar e que essa investigação
não envolva indevidamente pessoas de grupos que provavelmente não estarão entre
os beneficiários das aplicações subsequentes da investigação.
C. Aplicações – A aplicação dos
princípios gerais à execução das investigações conduz à apreciação das
seguintes exigências: consentimento informado, avaliação dos riscos/benefícios
e seleção dos sujeitos da investigação.
1. Consentimento
informado. O respeito pelas pessoas
exige que os indivíduos, na medida em que sejam capazes, tenham a oportunidade
de escolher o que lhes vai ou não acontecer. Esta oportunidade é proporcionada
quando são cumpridos os padrões adequados para o consentimento informado.
Embora a
importância do consentimento informado seja inquestionável, prevalece a
controvérsia sobre a natureza e a possibilidade de um consentimento informado.
No entanto, existe um consenso generalizado de que o processo de consentimento
pode ser analisado como contendo três elementos: informação, compreensão e
voluntariedade.
Informação. A maioria dos códigos de investigação estabelece
itens específicos para efeitos de divulgação destinados a garantir que os
sujeitos recebem informações suficientes. Geralmente, estes itens incluem: o
método de investigação, os seus objetivos, os riscos e os benefícios previstos,
os métodos alternativos (quando se trata de uma terapia) e uma declaração que
dá ao sujeito a oportunidade de fazer perguntas e de se retirar a qualquer
momento da investigação. Foram propostos outros elementos, incluindo a forma
como os sujeitos são selecionados, a pessoa responsável pela investigação, etc.
No entanto,
uma simples listagem de itens não responde à questão de saber qual deve ser o
padrão para julgar a quantidade e o tipo de informações que devem ser
facultadas. Um padrão frequentemente invocado na prática médica, nomeadamente a
informação habitualmente fornecida pelos profissionais no terreno ou no local,
é inadequado, uma vez que a investigação tem lugar precisamente quando não
existe um entendimento comum. Outro padrão, atualmente popular na legislação
sobre negligência médica, exige que o médico revele a informação que pessoas
razoáveis desejariam saber para tomar uma decisão sobre os seus cuidados.
Também isto parece insuficiente, uma vez que o sujeito da investigação, sendo
essencialmente um voluntário, pode querer saber muito mais sobre os riscos
assumidos gratuitamente do que os doentes que se entregam nas mãos de um médico
para receberem os cuidados necessários. Poderá ser proposto um modelo de “voluntário
razoável”: a extensão e a natureza da informação devem ser tais que as pessoas,
sabendo que o procedimento não é necessário para os seus cuidados nem talvez
totalmente compreendido, possam decidir se desejam participar no aprofundamento
dos conhecimentos. Mesmo quando se prevê algum benefício direto para si, os
participantes devem compreender claramente a amplitude do risco e a natureza
voluntária da participação.
Um problema
especial de consentimento surge quando a informação aos participantes de algum
aspeto pertinente da investigação é suscetível de prejudicar a validade da
investigação. Em muitos casos, é suficiente indicar às pessoas que estão a ser
convidadas a participar numa investigação em que algumas características só
serão reveladas quando a investigação estiver concluída. Em todos os casos de
investigação que envolvam divulgação incompleta, essa investigação só se
justifica se for claro que (1) a divulgação incompleta é verdadeiramente
necessária para atingir os objetivos da investigação, (2) não existem riscos
não divulgados para os sujeitos que sejam mais do que mínimos e (3) exista um
plano adequado para o esclarecimento dos participantes, quando necessário, e
para a divulgação dos resultados da investigação aos mesmos. As informações
sobre os riscos nunca devem ser ocultadas com o objetivo de obter a cooperação
dos participantes e devem ser sempre dadas respostas verdadeiras às perguntas diretas
sobre a investigação. Deve-se ter o cuidado de distinguir os casos em que a
divulgação destruiria ou invalidaria a investigação dos casos em que a
divulgação seria simplesmente inconveniente para o investigador.
Compreensão. A forma e o contexto em que a informação é
transmitida são tão importantes como a própria informação. Por exemplo,
apresentar a informação de forma desorganizada e rápida, dar pouco tempo para
reflexão ou reduzir as oportunidades de questionamento, tudo isto pode afetar
negativamente a capacidade de uma pessoa fazer uma escolha informada.
Uma vez que
a capacidade de compreensão do participante é função da sua inteligência,
racionalidade, maturidade e linguagem, é necessário adaptar a apresentação da
informação às capacidades do participante. Os investigadores são responsáveis
por verificar se a pessoa em causa compreendeu a informação. Embora haja sempre
a obrigação de assegurar que as informações sobre os riscos para a pessoa sejam
completas e adequadamente compreendidas, quando os riscos são mais graves, essa
obrigação aumenta. Ocasionalmente, poderá ser adequado efetuar alguns testes
orais ou escritos de compreensão.
Poderá ser
necessário adotar disposições especiais quando a compreensão é gravemente
limitada – por exemplo, por condições de imaturidade ou deficiência mental.
Cada classe de pessoas que se pode considerar como incapazes (por exemplo,
bebés e crianças pequenas, doentes com deficiência mental, doentes terminais e
comatosos) deve ser considerada nos seus próprios termos. No entanto, mesmo
para estas pessoas, o respeito exige que lhes seja dada a oportunidade de
escolher, na medida das suas possibilidades, se querem ou não participar na
investigação. As objeções destes sujeitos à sua participação devem ser
respeitadas, a não ser que a investigação implique fornecer-lhes uma terapia
que não esteja disponível noutro local. O respeito pelas pessoas exige também
que se obtenha a autorização de outras partes, a fim de as proteger de qualquer
dano. Assim, o respeito pelas pessoas é assegurado tanto pelo reconhecimento da
sua vontade como pelo recurso a terceiros para as proteger.
Os
terceiros escolhidos devem ser os mais capazes de compreender a situação da
pessoa incapaz e de agir no seu melhor interesse. A pessoa autorizada a agir em
nome do participante deve ter a possibilidade de observar o desenrolar da
investigação, a fim de o poder retirar da investigação, se tal for do interesse
do participante.
Voluntariedade. Um acordo para participar numa investigação só
constitui um consentimento válido se for dado de forma voluntária. Este
elemento do consentimento esclarecido exige a ausência de condições de coação e
de influência indevida. A coação ocorre quando uma pessoa ameaça
intencionalmente causar danos a outra para obter o seu consentimento. A
influência indevida, pelo contrário, ocorre através da oferta de uma recompensa
excessiva, injustificada, inapropriada ou imprópria ou de outro tipo de oferta
para obter o consentimento. Além disso, os incentivos que normalmente seriam
aceitáveis podem tornar-se influências indevidas se o participante for
especialmente vulnerável.
As pressões
injustificáveis ocorrem geralmente quando pessoas em posições de autoridade ou
influência de comando – especialmente quando estão envolvidas possíveis sanções
– incitam a um determinado curso de ação por parte de um indivíduo. No entanto,
existe um conjunto contínuo de fatores de influência e é impossível determinar
com precisão onde termina a persuasão justificável e começa a influência
indevida. Mas a influência indevida incluirá ações como a manipulação da escolha
de uma pessoa através da influência controladora de um familiar próximo e a
ameaça de retirar serviços de saúde a que um indivíduo teria direito.
2. Avaliação dos riscos e
benefícios. A avaliação dos riscos e
dos benefícios exige uma análise cuidadosa dos dados relevantes, incluindo, em
alguns casos, formas alternativas de obter os benefícios pretendidos na
investigação. Assim, a avaliação constitui simultaneamente uma oportunidade e uma
responsabilidade para recolher informações sistemáticas e exaustivas sobre a
investigação proposta. Para o investigador, é um meio de examinar se a
investigação proposta está corretamente concebida. Para uma comissão de
avaliação, é um método para verificar se os riscos que serão apresentados aos
sujeitos são justificados. Para os potenciais participantes, a avaliação
ajudará na confirmação da sua participação ou não.
Natureza e âmbito dos
riscos e benefícios. A exigência de que a
investigação seja justificada com base numa avaliação favorável do
risco/benefício está intimamente relacionada com o princípio da beneficência,
tal como a exigência moral de obter o consentimento informado deriva
principalmente do princípio do respeito pelas pessoas. O termo “risco”
refere-se a uma possibilidade de ocorrência de danos. No entanto, quando são
utilizadas expressões como “pequeno risco” ou “alto risco”, referem-se
geralmente (muitas vezes de forma ambígua) tanto à possibilidade
(probabilidade) de sofrer um dano como à gravidade (magnitude) do dano
previsto.
O termo “benefício”
é utilizado no contexto da investigação para se referir a algo de valor
positivo relacionado com a saúde ou o bem-estar. Ao contrário de “risco”, “benefício”
não é um termo que exprime probabilidades. O risco é corretamente contraposto à
probabilidade de benefícios, e os benefícios são corretamente contrapostos a
danos, e não a riscos de danos. Por conseguinte, as chamadas avaliações de
risco/benefício estão relacionadas com as probabilidades e magnitudes de
possíveis danos e benefícios antecipados. Há muitos tipos de danos e benefícios
possíveis que devem ser tidos em conta. Existem, por exemplo, riscos de danos
psicológicos, danos físicos, danos jurídicos, danos sociais e danos económicos
e os correspondentes benefícios. Embora os tipos de danos mais prováveis para
os sujeitos de investigação sejam os de dor ou lesão psicológica ou física, não
devem ser negligenciados outros tipos possíveis.
Os riscos e
benefícios da investigação podem afetar os participantes individuais, as
famílias dos participantes e a sociedade em geral (ou grupos especiais de
participantes na sociedade). Os códigos anteriores e os regulamentos federais
exigiam que os riscos para os sujeitos fossem compensados pela soma dos
benefícios previstos para o sujeito, se os houver, e dos benefícios previstos
para a sociedade sob a forma de conhecimentos a obter com a investigação. Ao
ponderar estes diferentes elementos, os riscos e benefícios que afetam o
sujeito imediato da investigação terão normalmente um peso especial. Por outro
lado, outros interesses que não os do sujeito da investigação podem, por vezes,
ser suficientes para justificar os riscos envolvidos na investigação, desde que
os direitos do sujeito tenham sido protegidos. A beneficência exige, por
conseguinte, que se proteja contra os riscos de danos para os sujeitos e que se
tenha em conta a perda dos benefícios substanciais que podem ser obtidos com a
investigação.
Avaliação sistemática dos
riscos e benefícios. É comum dizer-se que os
benefícios e os riscos devem ser “contrabalançados” e mostrados como estando “numa
relação favorável”. O carácter metafórico destes termos chama a atenção para a
dificuldade de fazer julgamentos precisos. Só em raras ocasiões estarão
disponíveis técnicas quantitativas para o escrutínio dos protocolos de
investigação. No entanto, a ideia de uma análise sistemática e não arbitrária
dos riscos e benefícios deve ser incentivada na medida do possível. Este ideal
exige que aqueles que tomam decisões sobre a justificabilidade da investigação
sejam minuciosos na acumulação e avaliação da informação sobre todos os aspetos
da investigação e considerem sistematicamente as alternativas. Este procedimento
torna a avaliação da investigação mais rigorosa e precisa, enquanto torna a
comunicação entre os membros da comissão de avaliação e os investigadores menos
sujeita a erros de interpretação, desinformação e julgamentos contraditórios.
Assim, em primeiro lugar, deve haver uma verificação da validade dos
pressupostos da investigação; em seguida, a natureza, a probabilidade e a
magnitude do risco devem ser distinguidas com a maior clareza possível. O
método de determinação dos riscos deve ser explícito, nomeadamente quando não
houver alternativa à utilização de categorias vagas como risco pequeno ou
ligeiro. Deve também ser verificado se as estimativas do investigador sobre a
probabilidade de danos ou benefícios são razoáveis, de acordo com factos
conhecidos ou estudos disponíveis.
Finalmente,
a avaliação da justificabilidade da investigação deve refletir, pelo menos, as
seguintes considerações: (i) O tratamento cruel ou desumano dos
participantes humanos nunca é moralmente justificado. (ii) Os riscos
devem ser reduzidos ao necessário para atingir o objetivo da investigação. Deve
ser verificado se é de facto necessário utilizar seres humanos. O risco talvez
nunca possa ser totalmente eliminado, mas pode muitas vezes ser reduzido
através de uma atenção cuidadosa a procedimentos alternativos. (iii)
Quando a investigação envolve um risco significativo de perturbações graves, as
comissões de avaliação devem insistir extraordinariamente na justificação do
risco (tendo normalmente em conta a probabilidade de benefício para o sujeito –
ou, em alguns casos raros, a manifesta participação voluntária). (iv)
Quando populações vulneráveis são envolvidas na investigação, a conveniência de
as envolver deve ser demonstrada. A avaliação deve ser efetuada com base num
conjunto de variáveis, incluindo a natureza e o grau do risco, a condição da
população em causa e a natureza e o nível dos benefícios previstos. (v)
Os riscos e benefícios relevantes têm de ser cuidadosamente apresentados nos
documentos e procedimentos usados no processo de consentimento informado.
3. Seleção dos
participantes. Tal como o princípio do
respeito pelas pessoas se exprime nos requisitos do consentimento e o princípio
da beneficência na avaliação dos riscos/benefícios, o princípio da justiça dá
origem a requisitos morais que exigem procedimentos e resultados justos na
seleção dos sujeitos de investigação.
A justiça é
relevante para a seleção dos participantes na investigação a dois níveis: o
social e o individual. A justiça individual na seleção dos participantes exige
que os investigadores dêem provas de integridade: assim, não devem oferecer uma
investigação potencialmente benéfica apenas a alguns doentes que estão a seu
favor ou selecionar apenas pessoas “indesejáveis” para uma investigação
arriscada. A justiça social exige que se faça uma distinção entre as classes de
sujeitos que devem ou não participar num determinado tipo de investigação, com
base na capacidade dos membros dessa classe para suportar encargos e na adequação
de trazer mais encargos sobre pessoas já sobrecarregadas. Assim, pode
considerar-se uma questão de justiça social que exista uma ordem de preferência
na seleção de classes de sujeitos (por exemplo, adultos antes de crianças) e
que algumas classes de potenciais sujeitos (por exemplo, os doentes mentais
institucionalizados ou os prisioneiros) possam ser envolvidos como sujeitos de
investigação, se é que o podem ser, apenas em determinadas condições.
A injustiça
pode surgir na seleção dos participantes, mesmo que sejam selecionados de forma
justa pelos investigadores e tratados de forma justa no decurso da
investigação. Assim, a injustiça resulta de preconceitos sociais, raciais,
sexuais e culturais institucionalizados na sociedade. Portanto, mesmo que os
investigadores individuais estejam a tratar os seus participantes individuais
de forma justa, e mesmo que a Comissão de Ética tenha o cuidado de assegurar
que os participantes são selecionados de forma justa dentro de uma determinada
instituição, podem, no entanto, surgir padrões sociais injustos na distribuição
global dos custos e benefícios da investigação. Embora as instituições ou
investigadores individuais possam não ser capazes de resolver um problema que é
generalizado no seu ambiente social, podem considerar a justiça distributiva na
seleção dos participantes na investigação.
Algumas
populações, especialmente as institucionalizadas, já estão sobrecarregadas de
muitas maneiras pelas suas enfermidades e contextos. Quando é proposta uma
investigação que envolve riscos e não inclui uma componente terapêutica, outras
classes de pessoas menos sobrecarregadas devem ser chamadas primeiro a aceitar
esses riscos de investigação, exceto quando a investigação está diretamente
relacionada com as condições específicas da classe envolvida. Além disso,
embora os financiamentos públicos para a investigação possam muitas vezes
seguir as mesmas direções que os financiamentos públicos para os cuidados de
saúde, parece injusto que as populações dependentes dos cuidados de saúde
públicos constituam um grupo de sujeitos de investigação preferenciais, se as
populações mais favorecidas forem eventualmente as beneficiárias dos
benefícios.
[[i]] Desde 1945, foram adotados por diferentes
organizações vários códigos para a condução adequada e responsável da
investigação médica em seres humanos. Os mais conhecidos são o Código de
Nuremberga de 1947, a Declaração de Helsínquia de 1964 (revista em [2013]) [atualmente em revisão] e as diretrizes de 1971 (codificadas em
Regulamentos Federais em 1974) emitidas pelo Departamento de Saúde, Educação e
Bem-Estar dos EUA. Também foram adotados códigos para a realização de
investigação social e comportamental, sendo o mais conhecido o da Associação
Americana de Psicologia, publicado em 1973.
[[ii]] Embora a clínica envolva geralmente
intervenções concebidas exclusivamente para melhorar o bem-estar de um
determinado indivíduo, as intervenções são por vezes aplicadas a um indivíduo
para melhorar o bem-estar de outros (por exemplo, doação de sangue, enxertos de
pele, transplantes de órgãos) ou uma intervenção pode ter o duplo objetivo de
melhorar o bem-estar de um determinado indivíduo e, ao mesmo tempo,
proporcionar algum benefício a outros (por exemplo, a vacinação, que protege
tanto a pessoa que é vacinada como a sociedade em geral). O facto de algumas
formas de clínica terem outros elementos além do benefício imediato para o
indivíduo não deve, contudo, confundir a distinção geral entre investigação e
clínica. Mesmo quando um procedimento aplicado na clínica possa beneficiar
outra pessoa, continua a ser uma intervenção destinada a melhorar o bem-estar
de um determinado indivíduo ou grupo de indivíduos; assim, é uma prática clínica
e não precisa de ser analisada como investigação.
[[iii]] Uma vez que os problemas relacionados com
a experimentação social podem diferir substancialmente dos da investigação
biomédica e comportamental, a Comissão rejeita especificamente fazer qualquer
verificação política relativamente a esse tipo de investigação nesta altura.
Pelo contrário, a Comissão considera que o problema deve ser tratado por outro organismo
que lhe sucederem.
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