12 julho 2024

Médicos associados (ou assistentes de médicos)

Médicos associados e o papel dos médicos no Reino Unido

Jessamy Bagenal, Senior Executive Editor, The Lancet.

Tradução espontânea do editorial de 4 de julho de 2024

Physician associates in the UK and the role of the doctor

   Demasiados doentes no Reino Unido têm de esperar mais de 4 semanas por uma consulta com o seu médico de clínica geral.1 As pessoas que têm um AVC ou um ataque cardíaco no Reino Unido têm atualmente uma espera média de 46 minutos por uma ambulância e, em cada minuto extra de espera, aumenta o risco de lesões cerebrais e cardíacas permanentes e de morte.2 O subfinanciamento, as faltas de pessoal e de recursos na área da saúde e dos cuidados sociais, agravados por uma pandemia de COVID-19 mal gerida, contribuíram para a atual crise dos cuidados de saúde no Reino Unido.3 A culpa é de um governo conservador britânico iletrado em matéria de saúde e hostil para com os profissionais de saúde. Neste contexto, será que aumentar o número de “médicos associados” (ou assistentes de médicos) para alargar a força de trabalho no sector da saúde é uma boa ideia? A resposta deve ser certamente afirmativa. O Serviço Nacional de Saúde (SNS) do Reino Unido precisa de mais profissionais de saúde para prestar cuidados de qualidade, para que mais doentes possam aceder aos cuidados de saúde em tempo útil. No entanto, o papel dos médicos associados no SNS tornou-se uma área de intensa controvérsia para a profissão médica do Reino Unido.4,5

  No Reino Unido, os médicos associados têm uma graduação (1.º ciclo) em ciências e 2 anos de treino, pelo que a sua entrada no mercado de trabalho é muito mais rápida do que a de um médico. Os médicos associados trabalham no SNS desde 2003,4 avaliando doentes, trabalhando em equipas, cuidando de pessoas, contribuindo para planos de gestão e, por vezes, realizando procedimentos e pequenas operações. Têm ajudado no bom funcionamento de muitos serviços e foram acolhidos por muitas equipas de cuidados de saúde.6 Atualmente, há cerca de 3000 médicos associados a trabalhar no SNS.7 Noutros países, os médicos associados são uma parte estabelecida do sistema de saúde. Os médicos associados trabalham no sistema de saúde dos EUA desde a década de 1960 e, pelo menos, 15 sistemas de saúde em todo o mundo estão a introduzir alguma forma de programas com médicos associados.8,9 Há 20 anos de experiência no Reino Unido e muitas outras experiências internacionais que sugerem que os médicos associados são uma mais-valia para o sistema de saúde.

  Em 2023, quando o SNS de Inglaterra publicou o Long Term Workforce Plan e se comprometeu a contratar mais 60 000-74 000 médicos e mais 10 000 médicos associados no SNS até 2036-37,10 muitos médicos ficaram preocupados e apelaram a uma moratória no recurso a mais médicos associados.11 As suas objeções incluíam preocupações quanto ao facto de os médicos associados não estarem atualmente regulamentados; dependerem da supervisão de um médico para fazer o seu trabalho, pelo que o seu impacto é limitado pelo número de médicos; retirarem oportunidades de formação aos médicos; existirem preocupações quanto à segurança dos doentes devido à sua curta formação, já que estes assumem frequentemente funções e responsabilidades que são dos médicos.12,13 Também tem havido objeções relacionadas com a remuneração: os médicos associados recém-formados recebem normalmente £41 659, enquanto os médicos recém-formados começam normalmente com £32 398.8 Mesmo aceitando as diferentes oportunidades de desenvolvimento da carreira e de ganhos futuros, esta diferença de remuneração não é claramente justa e tem de mudar. Proteger e aumentar a remuneração dos médicos é importante para a retenção e o recrutamento. Algumas preocupações relativas aos médicos associados, como a regulamentação, são importantes e estão a ser abordadas, devendo os médicos associados no Reino Unido ser regulamentados pelo General Medical Council a partir de dezembro de 2024.14 Houve pelo menos dois casos de grande visibilidade de mortes jovens e evitáveis que ocorreram durante a prestação de cuidados por médicos associados.15,16 Mas, enquanto profissão médica, seria descuidado não reconhecer que há acontecimentos adversos, mortes desnecessárias e casos de má conduta que ocorrem todos os anos sob os cuidados de médicos e enfermeiros com formação completa e regulamentada.17,18

  Um fator subjacente ao aceso debate sobre os médicos associados no Reino Unido é o protecionismo profissional e as preocupações salariais dos médicos que têm sido maltratados, fragilizados e subvalorizados pelos sucessivos governos britânicos. Não é de surpreender que, após mais de 14 anos de cortes salariais em termos reais19 e de maledicência dos médicos nalguns meios de comunicação social do Reino Unido,20 os médicos desconfiem de intervenções que possam diminuir ainda mais a profissão médica em termos de dimensão, responsabilidades e remuneração. Os médicos têm um longo historial de bloqueio de reformas que ameaçam o seu estatuto profissional; no passado, foram apresentados argumentos semelhantes contra os enfermeiros especialistas.21 Há trabalho mais do que suficiente para todos – de facto, há demasiado trabalho mesmo com mais 7000 médicos associados. Uma correta e adequada utilização de mais médicos associados poderia reduzir as tarefas administrativas, aumentar as oportunidades de formação e melhorar a vida de muitas equipas de cuidados de saúde.22

  Durante muitos anos, as tarefas administrativas excessivas dos serviços de saúde modernos  recaíram em grande medida sobre os membros mais jovens das equipas médicas. A formação de médicos de base no Reino Unido (os primeiros anos de trabalho após o curso de medicina) tem sido dominada pela prestação de serviços e pela introdução dos jovens médicos numa vida profissional de sacrifício, mais do que pela formação e desenvolvimento de conhecimentos, competências e capacidade técnica.23 Um grande número de médicos de base abandonou o SNS.24 Em parte, isso é culpa de um sistema de saúde sobrecarregado e digitalmente pré-histórico, mas a responsabilidade também recai sobre as chefias médicas que permitiram o desenvolvimento de um sistema de formação insuficiente. Uma profissão médica subvalorizada, insatisfeita e subfinanciada não é culpa dos médicos associados, dos enfermeiros especialistas ou de qualquer outro trabalhador do sector da saúde.

  O papel dos médicos na sociedade é muito importante. Os médicos são vozes de confiança, fantásticos defensores da saúde pública e protetores contra políticos incompetentes. Mas bloquear ideias mal aplicadas, embora conceptualmente sólidas, que podem melhorar o acesso dos doentes aos cuidados de saúde é um erro. O SNS precisa de um debate maduro e fundamentado, e não de uma recusa furiosa de participação. Os médicos e outros profissionais de saúde têm sofrido com um governo conservador que reduziu os salários e adotou políticas que criaram um sistema de saúde que é problemático e no qual é difícil trabalhar. Um novo governo do Reino Unido tem de resolver estes problemas. Mas os médicos devem lembrar-se de que muitos doentes do SNS não conseguem obter uma consulta atempada e estão a sofrer desnecessariamente. O próximo governo terá de implementar iniciativas variadas e inovadoras para que o SNS volte a funcionar e os médicos devem facilitar todas as intervenções seguras que o proporcionem.

Referências

1.     Campbell D. One in 20 patients in England wait at least four weeks to see GP, figures show. The Guardian, Jan 22, 2024 https://www.theguardi­an.com/society/2024/ jan/22/patients-england-waiting-times-gp-appointments-nhs-figures

2.    Blake I. Average ambulance waits for heart attacks and strokes rise to 46 minutes. British Heart Foundation, Jan 11, 2024 https://www.bhf.org.uk/what-we-do/news-from-the-bhf/news-ar­chive/2024/january/ ambulance-waits-heart-at­tack-strokes-rise

3.    The Lancet. The NHS is sick, but it is treata­ble. Lancet. 2023; 401: 425

4.    Oliver D. David Oliver: the fractious debate over physician associates in the NHS. BMJ. 2023; 3832449

5.    British Medical Association. 13,000 doctors write to party leaders to express “grave con­cern” overuse of physician associates. July 2, 2024  https://www.bma.org.uk/bma-media-cen­tre/14-000-doctors-write-to-party-leaders-to-ex­press-grave-concern-over-use-of-physician-asso­ciates

6.    Bawden A. “I'm not a doctor”: the role physi­cian associates play within NHS. The Guard­ian, Jan 18, 2024 https://www.theguardian.com/ society/2024/jan/18/physician-associates-role-nhs-england

7.    British Medical Association. Medical associate professions. April 11, 2024 https://www.bma.org.uk/advice-and-support/ nhs-delivery-and-workforce/workforce/medical-associate-professions-maps

8.    Lynn É. What you need to know about physi­cian associates. BMJ. 2023; 3832840

9.    Pasquini S. Where PAs and physician associ­ates can work internationally. The Physician Assistant Life. https://www.thepalife.com/ physician-assistants-pas-and-associates-around-the-world/

10.  UK Parliament. The NHS workforce in Eng­land. NHS workforce policy and planning. House of Commons Library, Feb 29, 2024 https://commonslibrary.parliament.uk/ research-briefings/cbp-9731/#:~:text=NHS% 20Workforce%20policy%20and%20planning& text=According%20to%20the%20plan%2C%20 if,60%2C000%20to%2074%2C000%20doctors

11.  Kar P. Physician associates: a pause in rollout is needed. BMJ. 2024; 384: q634

12.  McKee M, Brayne C. Physician associates in the UK: some fundamental questions that need answers now. BMJ. 2024; 384: q699

13.  Abbasi K. Physician associates: why we need a pause and an urgent review. BMJ. 2024; 384: q185

14.  General Medical Council. Future regulation of PAs and AAs. 2024 https://www.gmc-uk.org/ pa-and-aa-regulation-hub

15.  The Telegraph. Man died from rare heart problem after being discharged from hospi­tal. The Telegraph, Oct 21, 2023 https://www.tel­egraph.co.uk/news/2023/10/21/death-heart-problem-doctor-physician-associate/

16.  PA Media. Physician associates must stop di­agnosing patients, say senior medics. The Guardian, March 7, 2024 https://www.theguard­ian.com/society/2024/mar/07/physician-asso­ciates-must-stop-diagnosing-patients-say-senior-medics

17.  The Lancet. The Lucy Letby case: lessons for health systems. Lancet. 2023; 402: 747

18.  The Lancet. Complicit silence in medical malpractice. Lancet. 2020; 395: 467

19.  Rolewicz L, Dayan M, Palmer B. Chart of the week: pay has fallen in real terms for most NHS staff groups since 2010. Nuffield Trust. Dec 16, 2022 https://www.nuffieldtrust.org.uk/ resource/chart-of-the-week-pay-has-fallen-in-real-terms-for-most-nhs-staff-groups-since-2010

20. Fenton S. Junior doctors' strike: James O'Brien attacks right-wing media stories criticising doctors. The Independent, March 10, 2016 https://www.independent.co.uk/news/uk /home-news/junior-doctors-strike-the-truth-behind-those-media-attacks-on-doctors-a6922581.html

21.  Mann C. Doctors need to give up profes­sional protectionism. BMJ. 2018; 361k1757

22. Academy of Medical Royal Colleges. High level principles concerning physician associates (Pas): Academy consensus statement. March 4, 2024 https://www.aomrc.org.uk/wp-content /uploads/2024/03/Consensus_statement_High _level_principles_concerning_PAs_040324.pdf

23. Lock FK, Carrieri D. Factors affecting the UK junior doctor workforce retention crisis: an integrative review. BMJ Open. 2022; 12e059397

24. Tonkin T. A third of doctors consider leaving UK. British Medical Association, April 12, 2024 https://www.bma.org.uk/news-and-opinion/a-third-of-doctors-consider-leaving-uk

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