Médicos associados e o papel dos médicos no Reino Unido
Jessamy Bagenal, Senior Executive
Editor, The Lancet.
Tradução espontânea do
editorial de
Physician associates in the UK and the role of the doctor
No Reino Unido, os médicos
associados têm uma graduação (1.º ciclo) em ciências e 2 anos de treino, pelo
que a sua entrada no mercado de trabalho é muito mais rápida do que a de um
médico. Os médicos associados trabalham no SNS desde 2003,4
avaliando doentes, trabalhando em equipas, cuidando de pessoas, contribuindo
para planos de gestão e, por vezes, realizando procedimentos e pequenas
operações. Têm ajudado no bom funcionamento de muitos serviços e foram
acolhidos por muitas equipas de cuidados de saúde.6
Atualmente, há cerca de 3000 médicos associados a trabalhar no SNS.7
Noutros países, os médicos associados são uma parte estabelecida do sistema de
saúde. Os médicos associados trabalham no sistema de saúde dos EUA desde a
década de 1960 e, pelo menos, 15 sistemas de saúde em todo o mundo estão a
introduzir alguma forma de programas com médicos associados.8,9
Há 20 anos de experiência no Reino Unido e muitas outras experiências
internacionais que sugerem que os médicos associados são uma mais-valia para o sistema
de saúde.
Em 2023, quando o SNS de Inglaterra
publicou o Long Term Workforce Plan e se comprometeu a contratar mais 60 000-74 000
médicos e mais 10 000 médicos associados no SNS até 2036-37,10
muitos médicos ficaram preocupados e apelaram a uma moratória no recurso a mais
médicos associados.11 As suas objeções incluíam preocupações
quanto ao facto de os médicos associados não estarem atualmente regulamentados;
dependerem da supervisão de um médico para fazer o seu trabalho, pelo que o seu
impacto é limitado pelo número de médicos; retirarem oportunidades de formação
aos médicos; existirem preocupações quanto à segurança dos doentes devido à sua
curta formação, já que estes assumem frequentemente funções e responsabilidades
que são dos médicos.12,13 Também tem havido objeções
relacionadas com a remuneração: os médicos associados recém-formados recebem
normalmente £41 659, enquanto os médicos recém-formados começam
normalmente com £32 398.8 Mesmo aceitando as diferentes
oportunidades de desenvolvimento da carreira e de ganhos futuros, esta
diferença de remuneração não é claramente justa e tem de mudar. Proteger e
aumentar a remuneração dos médicos é importante para a retenção e o recrutamento.
Algumas preocupações relativas aos médicos associados, como a regulamentação,
são importantes e estão a ser abordadas, devendo os médicos associados no Reino
Unido ser regulamentados pelo General Medical Council a partir de dezembro
de 2024.14 Houve pelo menos dois casos de grande visibilidade
de mortes jovens e evitáveis que ocorreram durante a prestação de cuidados por
médicos associados.15,16 Mas, enquanto profissão médica,
seria descuidado não reconhecer que há acontecimentos adversos, mortes
desnecessárias e casos de má conduta que ocorrem todos os anos sob os cuidados
de médicos e enfermeiros com formação completa e regulamentada.17,18
Um fator subjacente ao aceso debate
sobre os médicos associados no Reino Unido é o protecionismo profissional e as
preocupações salariais dos médicos que têm sido maltratados, fragilizados e
subvalorizados pelos sucessivos governos britânicos. Não é de surpreender que,
após mais de 14 anos de cortes salariais em termos reais19 e de
maledicência dos médicos nalguns meios de comunicação social do Reino Unido,20
os médicos desconfiem de intervenções que possam diminuir ainda mais a
profissão médica em termos de dimensão, responsabilidades e remuneração. Os
médicos têm um longo historial de bloqueio de reformas que ameaçam o seu
estatuto profissional; no passado, foram apresentados argumentos semelhantes
contra os enfermeiros especialistas.21 Há trabalho mais do
que suficiente para todos – de facto, há demasiado trabalho mesmo com mais 7000
médicos associados. Uma correta e adequada utilização de mais médicos
associados poderia reduzir as tarefas administrativas, aumentar as
oportunidades de formação e melhorar a vida de muitas equipas de cuidados de
saúde.22
Durante muitos anos, as tarefas
administrativas excessivas dos serviços de saúde modernos recaíram em grande medida sobre os membros
mais jovens das equipas médicas. A formação de médicos de base no Reino Unido
(os primeiros anos de trabalho após o curso de medicina) tem sido dominada pela
prestação de serviços e pela introdução dos jovens médicos numa vida
profissional de sacrifício, mais do que pela formação e desenvolvimento de
conhecimentos, competências e capacidade técnica.23 Um grande
número de médicos de base abandonou o SNS.24 Em parte, isso é
culpa de um sistema de saúde sobrecarregado e digitalmente pré-histórico, mas a
responsabilidade também recai sobre as chefias médicas que permitiram o
desenvolvimento de um sistema de formação insuficiente. Uma profissão médica
subvalorizada, insatisfeita e subfinanciada não é culpa dos médicos associados,
dos enfermeiros especialistas ou de qualquer outro trabalhador do sector da saúde.
O papel dos médicos na sociedade é muito importante. Os médicos são vozes de confiança, fantásticos defensores da saúde pública e protetores contra políticos incompetentes. Mas bloquear ideias mal aplicadas, embora conceptualmente sólidas, que podem melhorar o acesso dos doentes aos cuidados de saúde é um erro. O SNS precisa de um debate maduro e fundamentado, e não de uma recusa furiosa de participação. Os médicos e outros profissionais de saúde têm sofrido com um governo conservador que reduziu os salários e adotou políticas que criaram um sistema de saúde que é problemático e no qual é difícil trabalhar. Um novo governo do Reino Unido tem de resolver estes problemas. Mas os médicos devem lembrar-se de que muitos doentes do SNS não conseguem obter uma consulta atempada e estão a sofrer desnecessariamente. O próximo governo terá de implementar iniciativas variadas e inovadoras para que o SNS volte a funcionar e os médicos devem facilitar todas as intervenções seguras que o proporcionem.
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