17 abril 2024

Democracia, liberdade e tolerância na toponímia portuense

Democracia, liberdade e tolerância na toponímia portuense
depoimento publicado nas páginas 106-112 do
Suplemento ao n.º 152-153 - jan-jun 2024
Referencial - revista da Associação 25 de Abril
Edição comemorativa dos 50 anos
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Ao celebrar mais um aniversário da Revolução dos Cravos, sugerimos uma passeata pelas ruas da Invicta, verificando como a toponímia portuense reflete o persistente apego à democracia, à liberdade e à tolerância

Já tem sido dito que o “25 de Abril” começou no “24 de Agosto”! Parece não haver lógica em relacionar acontecimentos com mais de 150 anos de separação, contudo, podemos ver que os conspiradores do Sinédrio, que prepararam o fim do absolutismo régio vigente, e os do MFA, que conseguiram o fim da ditadura, tinham muito em comum.

Esta ligação não se limita a uma semelhança de revoluções. Ao longo desse século e meio, há um contínuo de movimentos e de personalidades que faz da cidade do Porto e das suas forças um interessante caso no estudo da história das ideias progressistas. Ao celebrar mais um aniversário da Revolução dos Cravos, sugerimos uma passeata pelas ruas da Invicta, verificando como a toponímia portuense reflete o persistente apego à democracia, à liberdade e à tolerância.

Os liberais

A fixação de nomes e de datas na designação dos arruamentos é muitas vezes fruto das épocas que se vão vivendo. A cidade continua a recordar o início do movimento constitucionalista com o Campo 24 de Agosto (1920), homenageando os seus promotores ou concretizadores na rua Barros Lima (1763-1843), rua Fernandes Tomás (1771-1822), rua Ferreira Borges (1786-1838) e rua Mouzinho de Silveira (1780-1849), mas também os que se lhe opuseram como na rua general Silveira (1763-1821), que foi conde de Amarante, e na rua Teixeira de Vasconcelos (1816-1878), que foi deputado miguelista. Além de D. Pedro IV (1798-1834) (nome de avenida e homenageado a cavalo num cavalo na praça da Liberdade), permanecem os nomes dos participantes no Exército Libertador (nome de praça), chegado ao Porto no 9 de Julho (1832) (nome de rua) e confinado no Cerco do Porto (1832-33) (nome de rua e de bairro), que o acompanharam nas lutas pela reversão da reversão imposta pelos miguelistas, assim como os nomes dos que marcaram as reviravoltas políticas subsequentes. Estão na rua Agostinho José Freire (1780-1836), praça Almeida Garrett (1799-1854), rua professor Câmara Sinval (1806-1857), rua Conde de Castro (1794-1878), rua Costa Cabral (1803-1889), rua Duque de Loulé (1804-1875), rua Duque de Palmela (1781-1850), rua Duque de Saldanha (1790-1876), aliás repetido na rua marechal Saldanha, rua Duque da Terceira (1792-1860), rua Faria Guimarães (1807-1881), rua Francisco da Rocha Soares (1806-1857), rua Gustavo de Sousa (1818-1899), que combateu no Cerco ainda adolescente, rua Joaquim António de Aguiar (1792-1884), rua José da Silva Passos (1802-1863), rua Luz Soriano (1802-1891), praça coronel Pacheco (?-1833), rua Passos Manuel (1801-1862), rua Rodrigues Sampaio (1806-1882), rua Sá da Bandeira (1795-1876), rua professor Vicente José de Carvalho (1792-1851), rua Visconde de Bóbeda (1777-1838), rua Visconde de Setúbal (1774-1847) e rua Vitorino Damásio (1807-1875). O final da guerra civil (1932-1934) entre as forças dos reis irmãos só se alcançará nas batalhas de Almoster e de Asseiceira (1834) (também elas nomes de ruas). É esta galeria de bravos que justifica também os topónimos encomiásticos: rua da Alegria, rua da Firmeza, rua do Heroísmo...

Os republicanos

O Porto do liberalismo político, assim tão assinalado, é também o Porto do republicanismo. Desde a primeira tentativa de implantação de República (nome de praça), recordada na rua 31 de Janeiro (1891), à queda da monarquia, lembrada na rua 5 de Outubro (1910), passando pelos seus conspiradores ou sucessivos apoiantes da causa, como acontece na rua sargento Abílio (1862-1923), rua Albertina de Sousa Paraíso (1864-1954), rua doutor Alves da Veiga (1849-1924), rua Aníbal Cunha (1868-1931), rua António José de Almeida (1866-1929), rua Aurélio da Paz dos Reis (1862-1931), rua Basílio Teles (1856-1923), rua Bernardino Machado (1851-1944), rua Dionísio Santos Silva (1853-1920), rua Felizardo de Lima (1839-1905), rua José Falcão (1841-1893), rua alferes Malheiro (1869-1924), alameda Manuel d’Arriaga (1840-1917), rua Ricardo Severo (1869-1940), avenida Rodrigues de Freitas (1840-1896), rua Sampaio Bruno (1857-1915) e rua Teófilo Braga (1843-1924). Acrescentem-se a rua Azevedo de Albuquerque (1839-1912) e a rua Morais Caldas (1846-1914), personalidades que cedo se distanciaram da revolta, e a rua António Cândido (1852-1922), rua António Enes (1848-1901) e avenida D. Carlos (1863-1908), personalidade ligadas ao poder então abalado. Outros monárquicos eminentes estão gravados nas placas toponímicas da rua Aires de Ornelas (1866-1930), rua Azevedo Coutinho (1865-1944), rua Carlos Malheiro Dias (1875-1941), rua Joaquim Leitão (1875-1956), rua Moreira de Assunção (1861-1925) e avenida Paiva Couceiro (1861-1944). Ao mesmo tempo, a deriva autoritária e populista do presidente-rei continua celebrada na avenida Sidónio Pais (1872-1918), juntamente com a memória dos seus simpatizantes ou ministros na rua doutor Alfredo de Magalhães (1870-1957), rua D. António Barroso (1854-1918), rua doutor Carlos da Maia (1878-1921), rua doutor Correia Pinto (1897-1943), praceta professor Egas Moniz (1874-1955), avenida Francisco Xavier Esteves (1864-1944), rua doutor Marques Carvalho (1900-1953) e rua particular Novais da Cunha (1857-?).

A oposição

Mais tarde, são as lutas contra o regime salazarista que veem os seus protagonistas reconhecidos na toponímia. Começando pelo largo 3 de Fevereiro (1927) referente à primeira tentativa de repor o regime constitucional de 1911, comandada pelo general Sousa Dias (1865-1934), contando com a participação civil de Jaime Cortesão (1884-1960) e de José Domingues dos Santos (1885-1958), logo contrariada pelo coronel Raul Peres (1877-1961) (todos com nomes de ruas), a série dos oposicionistas é lembrada na rua Álvaro Ferreira Alves (1915-1992), alameda doutor António Macedo (1906-1989), rua doutor António Ramos de Almeida (1912-1961), alameda Aquilino Ribeiro (1885-1963), rua professor Bento de Jesus Caraça (1901-1948), rua doutor Carlos Cal Brandão (1906-1973), alameda doutor Fernando Azeredo Antas (1897-1974), rua Guilherme da Costa Carvalho (1921-1973), rua coronel Hélder Ribeiro (1883-1973), praceta Irene Castro (1895-1975), rua José da Silva (1894-1970), rua arquiteto Lobão Vital (1911-1978), rua Maria Lamas (1893-1983), rua doutor Mário Cal Brandão (1910-1996), rua engenheiro Mem Verdial (1887-1974), rua Raul Castro (1921-2004), alameda Ruy Luís Gomes (1905-1984), rua tenente Vidal Pinheiro (1903-1950) e rua Virgínia de Moura (1915-1998). Também temos a rua general Norton de Matos (1867-1955), frustrado candidato presidencial, e a praça Francisco Sá Carneiro (1934-1980), deputado na falhada primavera marcelista, que se acrescentam à rua Henrique Galvão (1895-1970) e à praça general Humberto Delgado (1906-1965), personalidades saídas do regime para o combater, mantendo-se, curiosamente, a avenida marechal Gomes da Costa (1863-1929), o comandante do 28 de Maio (1926). A dança dos nomes e a quedas das estátuas estão muito ligadas aos períodos pós-revolucionários, mas muitos dos vencidos permanecem homenageados, constituindo uma prova de tolerância coletiva.

Glória e Honra

Honra à memória das gerações que prepararam o terreno para a implantação da democracia e da liberdade, faz agora 50 anos! Glória aos que materializaram esse desígnio! A exemplo de tantas outras terras por esse Portugal adentro (há mais de 1200 arruamentos dedicados ao 25 de Abril), o Porto tem a data gravada na avenida 25 de Abril, na alameda 25 de Abril, na alameda dos Capitães de Abril e na rua Salgueiro Maia (1944-1992), um dos mais corajosos capitães. Valeu a pena!



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