Declaração de Córdova
sobre a relação médico-doente
[Adotada pela 71.ª Assembleia Geral da Associação Médica Mundial, Córdova, Espanha, outubro 2020]
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PREÂMBULO
A relação médico-doente é parte de um modelo de relação
humana que remonta às origens da medicina. Representa uma ligação privilegiada
entre um doente e um médico baseada na confiança. É um espaço de criatividade
onde se trocam informações, sentimentos, visões, ajuda e apoio. A relação
médico-doente é uma atividade moral que surge da obrigação de o médico aliviar
o sofrimento e respeitar as crenças e a autonomia do doente. É geralmente
iniciada por consentimento mútuo – expresso ou implícito – para prestar
cuidados médicos de qualidade.
A relação médico-doente é o núcleo fundamental da prática
médica. Tem um âmbito universal e visa melhorar a saúde e o bem-estar de uma
pessoa. Isto é possível graças à partilha de conhecimentos, tomada de decisões
comuns, autonomia do doente e do médico, ajuda, conforto e companheirismo numa
atmosfera de confiança. A confiança é uma componente inerente da relação que
pode ser terapêutica em si e por si mesma.
A relação médico-doente é essencial para os cuidados
centrados no doente. Obriga a que tanto o médico como o doente sejam
participantes ativos no processo de cura. Embora a relação promova e suporte a
colaboração nos cuidados médicos, os doentes capazes tomam decisões que
condicionam os seus cuidados. A relação pode ser terminada por qualquer uma das
partes. O médico deve então ajudar o doente, garantindo a transferência dos
cuidados e encaminhando-o para outro médico com competência necessária para
continuar os cuidados.
A relação médico-doente é um assunto complexo sujeito a
uma miríade de influências culturais, tecnológicas, políticas, sociais,
económicas ou profissionais. Tem evoluído ao longo da história, de acordo com a
cultura e a civilização, na busca do que é mais apropriado para os doentes com
base em provas científicas, melhorando a sua saúde e bem-estar mental e físico
e aliviando a dor. A relação sofreu profundas mudanças como resultado de marcos
importantes como a Declaração Universal dos Direitos Humanos (1948),
as declarações da Associação Médica Mundial de Genebra (1948 [2017]), Helsínquia
(1964
[2013]) e a Lisboa (1981 [2005]). A relação tem progredido lentamente no
sentido da capacitação do doente.
Hoje em dia, a relação médico-doente é frequentemente ameaçada por influências tanto de dentro como de fora dos sistemas de saúde. Em alguns países e sistemas de cuidados de saúde, estas influências correm o risco de afastar os médicos dos seus doentes e de, potencialmente, prejudicar os doentes. Entre os desafios suscetíveis de minar a eficácia terapêutica da relação, notamos uma tendência crescente para:
É da maior importância que a relação médico-doente aborde
estes fatores de influência de tal forma que a relação seja enriquecida e que a
sua especificidade seja assegurada. A relação nunca deve estar sujeita a
interferências administrativas, económicas ou políticas indevidas.
RECOMENDAÇÕES
Reiterando a sua Declaração de Genebra, o Código
Internacional de Ética Médica e a sua Declaração de Lisboa sobre os Direitos do Doente e dada a
importância vital da relação entre médico e doente na história e no contexto
atual e futuro da medicina, a AMM e os seus membros constituintes:
1. Reafirmam que a autonomia profissional e a
independência clínica são componentes essenciais do cuidar e do
profissionalismo médico de alta qualidade, protegendo o direito dos doentes a
receberem os cuidados de saúde de que necessitam.
2. Instam todos os agentes envolvidos na regulamentação
da relação médico-doente (governos e autoridades sanitárias, associações
médicas, médicos e doentes) a defender, proteger e reforçar a relação
médico-doente, baseada em cuidados de alta qualidade, como herança científica, sanitária,
cultural e social.
3. Apelam aos membros constituintes e aos médicos em
particular para que preservem esta relação como o núcleo fundamental de
qualquer ação médica centrada na pessoa, para defender a profissão médica e os
seus valores éticos, incluindo a compaixão, competência, respeito mútuo e
autonomia profissional, sustentáculo de cuidados centrados no doente.
4. Reafirmam a sua oposição à interferência dos governos,
outras organizações e administrações institucionais na prática da medicina e na
relação médico-doente.
5. Reafirmam a sua dedicação à prestação de serviços
médicos competentes, com total independência profissional e moral, com
compaixão e respeito pela dignidade humana.
6. Comprometem-se a analisar fatores emergentes que
possam constituir uma ameaça para a relação médico-doente e a tomar medidas
para mitigar esses fatores.