Casos recentes nas notícias relacionadas com o chamado
“fim da vida” reacenderam a atenção sobre a sedação paliativa (SP), um procedimento
terapêutico que infelizmente ainda é pouco conhecido, tanto no mundo da saúde como
entre o público em geral. Esta falta de reconhecimento, também devido ao facto de
até agora os currículos universitários quase nunca terem previsto o ensino sistemático
de cuidados paliativos, encoraja uma certa resistência à sua implementação ou, pior
ainda, uma infeliz confusão com a morte medicamente assistida (MMA), um termo que
inclui tanto a eutanásia como o suicídio medicamente assistido. O debate mediático
contribuiu frequentemente para esta confusão, embora em casos mais recentes tenha
havido uma maior qualidade de informação e uma redução das ambiguidades semânticas
e conceptuais. Isto pode também ser atribuído aos numerosos comunicados de imprensa
que a Sociedade Italiana de Cuidados Paliativos (SICP) emitiu em várias ocasiões.
1 A fim de compreender a diferença entre SP e MMA, é necessário
conhecer os elementos constituintes dos dois procedimentos.
Sedação paliativa
Em primeiro lugar, é necessário fazer referência à definição
do procedimento terapêutico chamado sedação paliativa (SP). No documento intitulado
“Recomendações da SICP sobre sedação terminal/sedação paliativa”, esta prática
é definida como “a redução intencional da vigília por meios farmacológicos, até
à perda de consciência, com o objetivo de reduzir ou abolir a perceção de um sintoma,
de outra forma intolerável para o doente, apesar de terem sido aplicados os meios
mais adequados para controlar um sintoma, que é, portanto, refratário”. 2
A refratariedade de um
sintoma é entendida como a impossibilidade de o controlar adequadamente com tratamentos
tradicionais (isto é, que não deprimem o estado de vigília), que são toleráveis,
eficazes e praticáveis nas condições e no tempo disponíveis para um profissional
de saúde experiente em cuidados paliativos. 2
Outro elemento definidor muito
importante é o período de tempo em que a sedação paliativa é considerada permissível:
a fase de morte iminente, que se refere aos últimos 15 dias de vida. A fase
de morte iminente é também referida na literatura como “últimas horas - últimos
dias”.
De acordo com dados da literatura, a sedação paliativa
é realizada principalmente nos últimos 2-3 dias de vida.
A incidência com que é praticada é muito variável
(10-43% dos doentes falecidos), dependendo de muitos fatores (heterogeneidade de
casos, cenário, competências profissionais, atitudes culturais, etc.); os valores
médios são de 12-16%. No que respeita à sedação profunda contínua, a incidência
relatada na literatura é de 5-15%.
As indicações para iniciar
SP residem tanto na ocorrência de eventos agudos envolvendo uma situação de morte
iminente como no agravamento progressivo do sintoma psicofísico que se torna refratário
ao melhor tratamento possível.
Os eventos agudos com risco
de morte iminente são, principalmente, a angústia respiratória devido a sufocação
(por exemplo, tromboembolismo pulmonar massivo, edema pulmonar, hemorragias na
árvore respiratória, inalação massiva de material gastroentérico, síndrome da veia
cava superior, etc.), hemorragia maciça que se julga estar nas vias digestivas
e respiratórias, grandes vasos no pescoço ou inguinais ou massas tumorais vegetantes,
estado-de-mal epilético.
Nestes casos, a SP pode ser configurada
como um tratamento de emergência devido à inevitabilidade da morte e ao extremo
sofrimento psicofísico do doente. Os cenários em que estas SP de emergência têm
lugar são obviamente múltiplos e incluem o ambiente doméstico, hospício ou outros
ambientes de internamento, tais como residências assistidas, enfermarias hospitalares,
departamentos de emergência-urgência, unidades de cuidados intensivos. 2,3
Os sintomas físicos progressivamente
refratários estão representados, nas doenças oncológicas como nas crónicas
degenerativas, por dispneia (35-50% dos casos), agitação psicomotora terminal (delírio)
(30-45% dos casos), náuseas incoercíveis e vómitos por obstrução intestinal (25%)
e estado-de-mal epilético; a dor é raramente referida (5%). Os sintomas podem tornar-se
refratários em qualquer doença oncológica, embora ocorram mais frequentemente nos
cancros do pulmão, do trato gastroentérico, da cabeça-pescoço e da mama.
Entre as doenças não oncológicas,
a ocorrência de sintomas refratários é mais frequente em doenças neurológicas (esclerose
lateral amiotrófica, distrofias musculares, doença de Parkinson, esclerose múltipla,
demência, etc.) e em doenças respiratórias crónicas, cardiomiopatias, nefropatias
e doenças metabólicas. Ao contrário do que geralmente se pensa, na fase final das
doenças não oncológicas, o sofrimento induzido por sintomas refratários (especialmente
dispneia e delírio) é de intensidade semelhante, se não maior, ao dos doentes com
cancro.
Os sintomas psíquicos
são representados pelo sofrimento psicoexistencial, que em muitos casos é diretamente
proporcional à gravidade dos sintomas físicos, mas há casos mais raros em que o
sofrimento psicoexistencial está presente sem estar associado ao sofrimento físico.
Nos casos em que essa angústia é refratária aos tratamentos disponíveis (tratamento
farmacológico ou psicoterapêutico, apoio socioeducativo e espiritual), há indicação
para SP.
Os tipos de SP são: sedação
de emergência, sedação de alívio ou sedação temporária, sedação intermitente e sedação
contínua profunda.
A sedação de emergência é realizada nas fases pré-terminais imediatas em doentes que sofrem de
eventos catastróficos tais como crise asfíxica, hemorragia massiva, estado-de-mal
epilético, etc.
A sedação de alívio ou temporária ou de curta duração pode estar indicada em fases terminais mais precoces para induzir um alívio
temporário enquanto se aguarda o benefício de tratamentos destinados ao controlo
dos sintomas ou, mais frequentemente, para controlar o sofrimento psicoexistencial
quando o prognóstico parece ser de mais de duas semanas.
A sedação intermitente é uma sedação de alívio repetida várias vezes ou ciclicamente (por exemplo,
à noite), combinada com o doente, a fim de interromper as fases de angústia mais
profunda e mais intolerável.
A sedação paliativa profunda ou sedação contínua profunda é o tipo de sedação que é mais frequentemente aplicada em cuidados paliativos
e envolve um aumento progressivo do nível de sedação devido ao aumento do sofrimento
e à medida que o sintoma refratário se agrava. De facto, alguns autores utilizam
o termo sedação paliativa proporcional precisamente para enfatizar este importante
conceito de proporcionalidade.
Os medicamentos utilizados para implementar a SP são os sedativos, especialmente as benzodiazepinas
(midazolam como primeira escolha), associados a vários neurolépticos (haloperidol
in primis). Mais raramente, os barbitúricos ou o propofol são utilizados
em condições especiais. Os opiáceos não devem ser utilizados para fins sedativos,
mas podem ser associados para controlo da dispneia e da dor.
A lista de medicamentos sedativos que podem ser utilizados
encontra-se em vários artigos da literatura. 2,3
Finalmente, deve salientar-se que, como o objetivo fundamental
da SP é obter e manter um controlo adequado do sofrimento devido a sintomas psicofísicos,
teoricamente não existem doses máximas dos sedativos. 3
Diferenças importantes
A diferença empírica e moral entre SP e MMA baseia-se
em, pelo menos, três elementos constituintes do procedimento: o objetivo (ou intenção),
os tipos de medicamentos, dosagens e via de administração utilizada, e o resultado
final. 1,4
De facto, o objetivo (intenção) do procedimento
em SP é o controlo do sofrimento e não a indução da morte do doente, como acontece
na MMA.
Quanto aos tipos de medicamentos, dosagens e via
de administração utilizados em SP, estes são administrados para reduzir a perceção
de sofrimento (através de uma redução proporcional da vigília) e não para a rápida
indução da morte, como é o caso do MMA.
Finalmente, em relação ao terceiro elemento, o resultado
final, na SP é a redução da perceção do sofrimento por meio de medicamentos
sedativos, enquanto na MMA coincide com a morte do doente. Portanto, pode concluir-se
que a SP é completamente diferente da MMA uma vez que esta tem, pelo contrário,
o objetivo (intenção) de causar a morte do doente através da utilização de medicamentos
letais, em dosagens e vias de administração adequadas de modo a causar uma morte
rápida do doente e o resultado é inevitavelmente a morte do doente através da ação
dos medicamentos letais.
Nos últimos anos, tornou-se claro que a hipótese de antecipação
da morte ligada a SP é desmentida por estudos que, desde a revisão Cochrane, confirmam
a ausência de depressão respiratória e de antecipação da morte em doentes sedados
em comparação com os não sedados. Por outro lado, há mesmo estudos que relatam uma
sobrevida mais longa no grupo sedado. 5,6
Por último, é de notar que a permissibilidade legal da SP está consagrada em Itália (*) na lei desde 2017, que no Art. 2.2 indica a SP para o tratamento do sofrimento refratário (Lei 219).
ver Referências no artigo original
(*) NT: Em Portugal temos a Lei n.º 31/2018 - Direitos das pessoas em contexto de doença avançada e em fim de vida: Artigo 8.º Prognóstico vital breve 1 - As pessoas com prognóstico vital estimado em semanas ou dias, que apresentem sintomas de sofrimento não controlado pelas medidas de primeira linha previstas no n.º 1 do artigo 6.º, têm direito a receber sedação paliativa com fármacos sedativos devidamente titulados e ajustados exclusivamente ao propósito de tratamento do sofrimento, de acordo com os princípios da boa prática clínica e da leges artis. 2 - As pessoas que se encontrem na situação prevista no número anterior são alvo de monitorização clínica regular por parte de equipas de profissionais devidamente credenciados na prestação de cuidados paliativos. 3 - À pessoa em situação de últimos dias de vida, é assegurado o direito à recusa alimentar ou à prestação de determinados cuidados de higiene pessoal, respeitando, assim, o processo natural e fisiológico da sua condição clínica.