A sedação profunda
contínua até à morte e a vivência de familiares e profissionais de cuidados de
saúde: uma revisão sistemática
Marie Locatelli, Léonor Fasse,
Céline Lacombe, Cécile Flahault
Laboratoire de Psychopathologie et Processus
de Santé, Boulogne-Billancourt, France
Unité de Psycho-Oncologie, Hôpital Gustave
Roussy, Villejuif, France
Resumo
Antecedentes - A
sedação profunda contínua até à morte é um procedimento habitualmente utilizado
nos cuidados paliativos para aliviar sintomas refratários em doentes terminais.
Esta revisão sistemática tem como objetivo explorar as vivências dos profissionais
de cuidados de saúde e dos familiares relativamente à utilização da sedação
profunda contínua até à morte, destacando as implicações emocionais, éticas e
práticas.
Métodos - Foi
efetuada uma pesquisa sistemática em seis bases de dados eletrónicas (Embase,
PsycINFO, PubMed, Scopus, Web of Science, Cairn). Foram incluídos estudos que
se centravam nas vivências dos profissionais de saúde e/ou familiares
relacionadas com a sedação profunda contínua em doentes terminais adultos. O Crowe
Critical Appraisal Tool foi utilizado para avaliar a qualidade dos estudos
incluídos.
Resultados - Foi
incluído um total de 40 estudos, abrangendo 9260 profissionais de saúde e 1062
familiares. A revisão identificou quatro temas principais: processos de tomada
de decisão, ajustamento emocional e psicológico, preocupações éticas
relativamente à distinção entre a sedação profunda contínua até à morte e a
ajuda médica na morte e desafios de comunicação. Na perspetiva de muitos
familiares, esta sedação contribuiu para uma “boa morte”, embora tenham sido
registadas preocupações quanto ao antecipar da morte. Os profissionais de
cuidados de saúde relataram emoções mistas, incluindo dilemas éticos e peso
emocional ao administrarem a sedação. Os problemas de comunicação entre as
famílias e as equipas de saúde foram apontados como sendo os principais
desafios.
Conclusões - A
sedação profunda contínua pode aliviar o sofrimento, mas levanta desafios
éticos e de comunicação tanto nas famílias como nos profissionais de cuidados
de saúde. São essenciais diretrizes mais claras, sistemas de apoio reforçados e
boas estratégias de comunicação para melhorar as práticas nesta área.
[…]
Considerações
éticas
Decidir
por uma Sedação Profunda Contínua (SPC) até à morte cruza-se frequentemente com
dilemas éticos, particularmente no que respeita à sua potencial sobreposição
com a eutanásia ou a morte medicamente ajudada (MMA). As diferentes definições
de sintomatologia refratária agravam estes desafios, assim como as diferentes perspetivas
éticas sobre os potenciais efeitos de encurtamento da vida devido à sedação
paliativa. A beneficência (aliviar o sofrimento) e a não-maleficência (evitar
danos) orientam frequentemente as abordagens dos profissionais de cuidados de
saúde (PCS) nos cuidados em fim de vida. No entanto, estes princípios podem
interferir uns com os outros quando a sedação é entendida como uma forma de antecipar
a morte.
Os
estudos sugerem que muitos profissionais evitam associar a SPC à MMA,
procurando alternativas que se alinhem com os seus quadros éticos e que, ao
mesmo tempo, respondam às necessidades dos doentes. Uma comunicação aberta e
transparente entre doentes, famílias e equipas de cuidados de saúde pode ajudar
a resolver estas tensões, promovendo a tomada de decisões em colaboração e
reduzindo o sofrimento moral.
Adequação
emocional
O
peso emocional da SPC é significativo, particularmente para os profissionais.
Altos níveis de desgaste, angústia moral e exaustão emocional frequentemente
influenciam as perceções da SPC enquanto intervenção apropriada. Embora as
famílias geralmente vejam a SPC como facilitadora de uma “boa morte”, os profissionais
podem debater-se com sentimentos de inadequação, questionando se a sedação
alivia totalmente o sofrimento ou se, inadvertidamente, enfraquece as ações
paliativas. As atitudes culturais em relação ao sofrimento e ao papel da
sedação nos cuidados em fim de vida moldam ainda mais estas vivências.
Para
mitigar estas dificuldades, o apoio institucional é fundamental. Os programas
de formação e as redes de apoio entre pares podem dotar os PCS das competências
e da resiliência necessárias para lidar com as exigências psicológicas da SPC,
promovendo um ambiente de cuidados paliativos mais sustentável.
Desafios
da comunicação
A
comunicação continua a ser um dos aspetos mais difíceis, mas essenciais, da
prática da SPC. Os familiares expressam frequentemente insatisfação com a
clareza e a adequação da informação fornecida sobre a SPC, particularmente no
que diz respeito ao prognóstico do doente e à justificação para a sedação. Da
mesma forma, os PCS relatam dificuldades em equilibrar transparência com
sensibilidade, especialmente quando discutem tópicos emocionalmente pesados,
como a resistência dos sintomas e o sofrimento existencial. A literatura
recente identifica várias estratégias para melhorar a comunicação em fim de
vida, incluindo a preparação (revisão dos factos, planeamento das conversas,
coordenação dos papéis da equipa), exploração e avaliação (compreensão das perspetivas
do doente, avaliação da prontidão) e envolvimento da família (clarificação dos
papéis, abordagem das preocupações, envolvimento dos familiares nas decisões).
A adaptação da transmissão de informações às preferências e necessidades dos
doentes e das famílias pode melhorar ainda mais estas interações. Quando
integradas na prática clínica, estas estratégias têm o potencial de melhorar a
satisfação tanto das famílias como dos profissionais, reduzindo simultaneamente
os mal-entendidos e o sofrimento emocional.
Esta
análise sublinha a complexidade das práticas de SPC, que envolvem a resolução
de dilemas éticos, problemas emocionais e desafios de comunicação. Ao adotarem
uma estratégia estruturada para a tomada de decisões, ao promoverem uma
comunicação clara e ao fornecerem apoio a nível institucional e político, os
profissionais de saúde podem alinhar melhor as práticas da SPC com as
necessidades e os valores dos doentes e das suas famílias. A investigação
futura deve explorar abordagens padronizadas para definir intratabilidade e
abordar o bem-estar emocional dos profissionais de saúde e assim assegurar
práticas de SPC ética e emocionalmente sustentáveis.
[…]
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