26 fevereiro 2025

Sedação paliativa

 

A sedação profunda contínua até à morte e a vivência de familiares e profissionais de cuidados de saúde: uma revisão sistemática

Marie Locatelli, Léonor Fasse, Céline Lacombe, Cécile Flahault
Laboratoire de Psychopathologie et Processus de Santé, Boulogne-Billancourt, France
Unité de Psycho-Oncologie, Hôpital Gustave Roussy, Villejuif, France

Tradução espontânea do resumo e das considerações éticas do artigo
Deep Continuous Sedation Until Death and Experience of Relatives and Healthcare Providers: A Systematic Review
publicado em 11.02.2025 no Journal of Pain and Symptom Management
 
Ler AQUI o artigo original

Resumo
Antecedentes - A sedação profunda contínua até à morte é um procedimento habitualmente utilizado nos cuidados paliativos para aliviar sintomas refratários em doentes terminais. Esta revisão sistemática tem como objetivo explorar as vivências dos profissionais de cuidados de saúde e dos familiares relativamente à utilização da sedação profunda contínua até à morte, destacando as implicações emocionais, éticas e práticas.
Métodos - Foi efetuada uma pesquisa sistemática em seis bases de dados eletrónicas (Embase, PsycINFO, PubMed, Scopus, Web of Science, Cairn). Foram incluídos estudos que se centravam nas vivências dos profissionais de saúde e/ou familiares relacionadas com a sedação profunda contínua em doentes terminais adultos. O Crowe Critical Appraisal Tool foi utilizado para avaliar a qualidade dos estudos incluídos.
Resultados - Foi incluído um total de 40 estudos, abrangendo 9260 profissionais de saúde e 1062 familiares. A revisão identificou quatro temas principais: processos de tomada de decisão, ajustamento emocional e psicológico, preocupações éticas relativamente à distinção entre a sedação profunda contínua até à morte e a ajuda médica na morte e desafios de comunicação. Na perspetiva de muitos familiares, esta sedação contribuiu para uma “boa morte”, embora tenham sido registadas preocupações quanto ao antecipar da morte. Os profissionais de cuidados de saúde relataram emoções mistas, incluindo dilemas éticos e peso emocional ao administrarem a sedação. Os problemas de comunicação entre as famílias e as equipas de saúde foram apontados como sendo os principais desafios.
Conclusões - A sedação profunda contínua pode aliviar o sofrimento, mas levanta desafios éticos e de comunicação tanto nas famílias como nos profissionais de cuidados de saúde. São essenciais diretrizes mais claras, sistemas de apoio reforçados e boas estratégias de comunicação para melhorar as práticas nesta área.
 
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Considerações éticas
Decidir por uma Sedação Profunda Contínua (SPC) até à morte cruza-se frequentemente com dilemas éticos, particularmente no que respeita à sua potencial sobreposição com a eutanásia ou a morte medicamente ajudada (MMA). As diferentes definições de sintomatologia refratária agravam estes desafios, assim como as diferentes perspetivas éticas sobre os potenciais efeitos de encurtamento da vida devido à sedação paliativa. A beneficência (aliviar o sofrimento) e a não-maleficência (evitar danos) orientam frequentemente as abordagens dos profissionais de cuidados de saúde (PCS) nos cuidados em fim de vida. No entanto, estes princípios podem interferir uns com os outros quando a sedação é entendida como uma forma de antecipar a morte.
Os estudos sugerem que muitos profissionais evitam associar a SPC à MMA, procurando alternativas que se alinhem com os seus quadros éticos e que, ao mesmo tempo, respondam às necessidades dos doentes. Uma comunicação aberta e transparente entre doentes, famílias e equipas de cuidados de saúde pode ajudar a resolver estas tensões, promovendo a tomada de decisões em colaboração e reduzindo o sofrimento moral.
Adequação emocional
O peso emocional da SPC é significativo, particularmente para os profissionais. Altos níveis de desgaste, angústia moral e exaustão emocional frequentemente influenciam as perceções da SPC enquanto intervenção apropriada. Embora as famílias geralmente vejam a SPC como facilitadora de uma “boa morte”, os profissionais podem debater-se com sentimentos de inadequação, questionando se a sedação alivia totalmente o sofrimento ou se, inadvertidamente, enfraquece as ações paliativas. As atitudes culturais em relação ao sofrimento e ao papel da sedação nos cuidados em fim de vida moldam ainda mais estas vivências.
Para mitigar estas dificuldades, o apoio institucional é fundamental. Os programas de formação e as redes de apoio entre pares podem dotar os PCS das competências e da resiliência necessárias para lidar com as exigências psicológicas da SPC, promovendo um ambiente de cuidados paliativos mais sustentável.
Desafios da comunicação
A comunicação continua a ser um dos aspetos mais difíceis, mas essenciais, da prática da SPC. Os familiares expressam frequentemente insatisfação com a clareza e a adequação da informação fornecida sobre a SPC, particularmente no que diz respeito ao prognóstico do doente e à justificação para a sedação. Da mesma forma, os PCS relatam dificuldades em equilibrar transparência com sensibilidade, especialmente quando discutem tópicos emocionalmente pesados, como a resistência dos sintomas e o sofrimento existencial. A literatura recente identifica várias estratégias para melhorar a comunicação em fim de vida, incluindo a preparação (revisão dos factos, planeamento das conversas, coordenação dos papéis da equipa), exploração e avaliação (compreensão das perspetivas do doente, avaliação da prontidão) e envolvimento da família (clarificação dos papéis, abordagem das preocupações, envolvimento dos familiares nas decisões). A adaptação da transmissão de informações às preferências e necessidades dos doentes e das famílias pode melhorar ainda mais estas interações. Quando integradas na prática clínica, estas estratégias têm o potencial de melhorar a satisfação tanto das famílias como dos profissionais, reduzindo simultaneamente os mal-entendidos e o sofrimento emocional.
Esta análise sublinha a complexidade das práticas de SPC, que envolvem a resolução de dilemas éticos, problemas emocionais e desafios de comunicação. Ao adotarem uma estratégia estruturada para a tomada de decisões, ao promoverem uma comunicação clara e ao fornecerem apoio a nível institucional e político, os profissionais de saúde podem alinhar melhor as práticas da SPC com as necessidades e os valores dos doentes e das suas famílias. A investigação futura deve explorar abordagens padronizadas para definir intratabilidade e abordar o bem-estar emocional dos profissionais de saúde e assim assegurar práticas de SPC ética e emocionalmente sustentáveis.                    
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