12 agosto 2024

Mais tempo para pensar

Vol 631 | 709 | 25.07.2024

Os cientistas precisam de mais tempo para pensar

Tradução espontânea do recente editorial não assinado da Nature

Scientists need more time to think

O correio eletrónico e as mensagens instantâneas são fundamentais para a investigação, mas também são uma distração. Os investigadores devem estudar o seu impacto na ciência e como podem voltar a ter tempo para se concentrarem.

  Videochamadas. Mensagens instantâneas. Chamadas de voz. Correio eletrónico. Redes sociais. Smartphones. Tablets. Computadores portáteis. Computadores de secretária. Mais dispositivos digitais equivale a menos tempo para nos concentrarmos e pensarmos. Os efeitos negativos desta situação para os investigadores são abordados pelo cientista informático Cal Newport no seu último livro, “Diminuir a Produtividade” (Slow Productivity)1.

  O título do livro contraria a ideia, comum a muitos locais de trabalho, de que a produtividade deve sempre aumentar. Um estudo demonstrou que a ciência está a tornar-se menos disruptiva, apesar de haver agora mais artigos publicados e bolsas atribuídas do que nunca2. Newport, que estuda as tecnologias nos locais de trabalho na Universidade de Georgetown, em Washington DC, afirma que os investigadores e outros trabalhadores do conhecimento precisam de abrandar e passar mais tempo a pensar, para se concentrarem em manter e melhorar a qualidade do seu trabalho.

  Newport presta um serviço à comunidade de investigação ao chamar a atenção para uma sobrecarga de trabalho. As instituições já deveriam estar a aceder aos conhecimentos especializados que existem dentro das suas paredes na procura de respostas, mas não o estão a fazer. As novas tecnologias de comunicação têm gerado enormes benefícios, incluindo a aceleração da investigação, como foi tão necessário durante a pandemia de COVID-19. Mas também estão a reduzir o tempo de reflexão. O livro de Newport lembra-nos que há investigadores que sabem como ajudar.

Parar, largar e pensar

  O tempo de reflexão – o tempo necessário para se concentrar sem interrupções – sempre foi fundamental para o trabalho académico. É essencial para conceber experiências, compilar dados, avaliar resultados, rever a literatura e, claro, escrever. No entanto, o tempo de reflexão é frequentemente subvalorizado; raramente, ou nunca, é quantificado nas práticas de emprego.

  Uma forma de pensar, na prática, como conciliar a investigação com o correio eletrónico e as mensagens instantâneas é visualizar alguém a trabalhar junto a uma caixa de correio física. Imagine-se a abrir e a ler todas as cartas assim que chegam, e a começar a escrever uma resposta, mesmo quando mais cartas passam pela caixa – ao mesmo tempo que tenta fazer o seu trabalho principal. Os investigadores dizem que as suas listas de tarefas tendem a aumentar, em parte porque os colegas podem contactá-los instantaneamente, muitas vezes por boas razões. Os investigadores também têm muitas vezes de escolher o que deve ser prioritário, o que pode fazer com que se sintam sobrecarregados.

  Newport dá sugestões para recuperar o tempo de reflexão, incluindo a limitação do número de itens nas listas de afazeres e criar equipas de projeto que reservam tempo para completar tarefas que requerem a participação de todos os membros, evitando assim que cada membro envie e-mails uns aos outros. Para as instituições, Newport recomenda um sistema transparente de gestão da carga de trabalho – uma forma de os diretores verem tudo o que se espera que um colega faça – e depois ajustar a carga de trabalho se houver mais tarefas do que o tempo disponível.

  É sem dúvida um bom conselho, mas pode ser mais fácil de concretizar em ambientes industriais do que em ambientes académicos. Em muitos laboratórios de investigação académica, os investigadores respondem perante um único investigador principal, com pouca estrutura de gestão. Isto deve-se em parte ao facto de ser difícil justificar aos financiadores académicos o orçamento destinado ao pagamento de funções de gestão e administração.

  Mas Felicity Mellor, investigadora de comunicação científica no Imperial College de Londres, é cética quanto a dar aos gestores um papel a desempenhar no tempo de reflexão. Em muitos casos, os investigadores já estão a sentir o peso dos sistemas de monitorização e avaliação da sua instituição. Mellor argumenta que a inclusão de mais uma caixa num formulário de avaliação pode não ser bem aceite. Também pensa que as instituições não o vão aceitar. “Consegue imaginar a reação se um cientista preenchesse uma folha de horas onde dissesse ‘oito horas passadas a pensar’?” Em última análise, diz ela, a criação de uma cultura de investigação mais favorável necessita de uma mudança muito mais fundamental. Isso sugere uma reformulação ainda mais radical do atual modelo de financiamento da investigação académica, como escrevemos no mês passado (ver Nature 630, 793; 2024), juntamente com alterações noutros aspetos da ciência académica.

Controlo de qualidade

  A tese de Newport levanta uma questão muito mais fundamental: qual é o impacto da perda de tempo de concentração na ciência – não apenas na estrutura e no processo da ciência, mas também no conteúdo e na qualidade da investigação?

  Em 2014, Mellor colaborou num projeto de investigação, financiado pelo Arts and Humanities Research Council do Reino Unido, chamado The Silences of Science, publicado como livro dois anos depois3. Os investigadores examinaram esta questão e outras numa série de sessões de trabalho, mas o estudo não teve continuidade após o fim da bolsa. Estas explorações precisam de ser retomadas, mas também precisam de incorporar o impacto das tecnologias de inteligência artificial. Estas ferramentas estão a ser utilizadas a um ritmo acelerado em todo o mundo para automatizar muitas tarefas administrativas de rotina. Os investigadores têm de avaliar se essas ferramentas podem libertar mais tempo de reflexão para os investigadores ou se podem ter o efeito contrário.

  As tecnologias de comunicação irão certamente evoluir ainda mais e continuar a distrair os investigadores do seu trabalho. São urgentemente necessários mais estudos que investiguem o efeito destas tecnologias na ciência, bem como estudos sobre a forma como o tempo de reflexão pode ser protegido num mundo de comunicação instantânea. Este conhecimento ajudará os investigadores e os dirigentes institucionais a tomarem melhores decisões sobre a utilização das tecnologias e, esperemos, permitirá aos investigadores criar o tão importante espaço e tempo para poderem pensar. <

 

1. Newport, C. Slow Productivity: The Lost Art of Accomplishment Without Burnout (Portfolio, 2024).
2. Park. M et al. Nature 613, 138–144 (2023).
3. Mellor, F. & Webster, S. The Silences of Science: Gaps and Pauses in the Communication of Science (Routledge, 2016).

Sem comentários:

Enviar um comentário