02 maio 2024

Ensinar filosofia da ciência


SCIENCE 11 Apr 2024 Vol 384Issue 6692 p. 141

Ensinar filosofia da ciência
H. Holden Thorp

tradução espontânea do texto
Teach philosophy of science

  Muito se tem falado sobre a erosão da confiança do público na ciência. Os estudos revelam um declínio modesto nos Estados Unidos em relação ao nível de confiança, mas isso também se verifica noutras instituições. O que se depreende dos estudos é que uma melhor explicação da natureza da ciência – aperfeiçoada à medida que surgem novos dados – teria um efeito positivo na confiança do público. Uma vez que os cientistas estão tão conscientes desta característica, é muitas vezes dado como adquirido que o público também o compreende. Um passo para resolver este problema seria a revisão dos currículos dos cursos de licenciatura e pós-graduação, de modo a ensinar não só teorias e técnicas, mas também a filosofia subjacente à ciência.

  Tal como os estudos da Pew demonstraram, a confiança nos cientistas e nos médicos nos EUA é mais elevada do que em todas as outras instituições inquiridas, com exceção das forças armadas. Registou-se um ligeiro declínio nos últimos 4 anos, mas houve um declínio semelhante noutras profissões. Em termos absolutos, a confiança nos cientistas é de 73%, enquanto a confiança na maioria das outras instituições é muito inferior, com os líderes empresariais a 35% e os políticos a 24%. Apesar deste nível relativamente elevado de confiança, Lupia et al. identificaram formas de a aumentar. O estudo revelou que 92% dos inquiridos consideram importante que os cientistas mostrem que estão “abertos a mudar de opinião com base em novas provas”, o que é, obviamente, o que devem fazer.

  Muitos cientistas ficariam surpreendidos se descobrissem que esta ideia precisa de ser reafirmada. A ciência é, afinal, um trabalho em curso que se altera à medida que novas descobertas provocam a atualização e o refinamento de interpretações anteriores. A história da ciência é uma narrativa poderosa desta cultura de autocorreção, e é da essência da ciência tentar fazer descobertas que mudem a forma como os cientistas pensam. Mas sempre que a ciência se torna importante aos olhos do público, como acontece com as alterações climáticas e a pandemia, a reavaliação permanente pode tornar-se um alvo para aqueles que querem fragilizar o conhecimento científico.

  O sociólogo francês Pierre Bourdieu cunhou o termo “falácia escolástica“ para descrever a tendência dos académicos para assumirem que toda a gente pensa nos problemas da mesma forma que os cientistas. Como Bourdieu salienta, a maioria das pessoas não tem tempo e esforço necessários para pensar sobre estas questões da mesma forma que aqueles para quem isto é um trabalho a tempo inteiro. Os académicos não reconhecem frequentemente este facto e ficam perplexos quando o público não compreende que as interpretações são continuamente revistas à luz de novos dados, como tem acontecido ao longo da história. Essas análises são a forma mais fiável de um cientista ser publicado em revistas de renome e ganhar reconhecimento científico, como quando são encontradas pegadas que alteram a nossa ideia sobre quando os humanos estavam presentes nos EUA ou quando se descobre que um medicamento para a diabetes tem muitas outras utilizações.

  A comunidade científica tem, de um modo geral, feito um fraco trabalho na explicação ao público de que a ciência é o que se sabe até à data. Há muitas razões que dificultam este trabalho. A forma como as descobertas científicas são divulgadas nos meios de comunicação social, em particular nos meios que não são especializados em jornalismo científico, é muitas vezes muito simplificada, sem as advertências que dariam uma imagem mais realista, ao mesmo tempo que tornam as histórias menos convincentes para alguns leitores. Outro obstáculo é o facto de, devido à falácia escolástica, os cientistas tenderem a dar por adquirido que as suas descobertas podem ser atualizadas e esquecerem-se de o explicar ao público. E quando os cientistas falam uns com os outros, tendem a ser apaixonados pelas suas ideias e discordâncias. Quando essas conversas são processadas pelo público, podem ser facilmente mal interpretadas.

  A redefinição do entendimento do público sobre o modo como a ciência funciona pode ser um grande desafio, mas um bom sítio para começar é com os estudantes que obtêm diplomas em ciências. Infelizmente, a maioria dos cursos está repleta de aulas didáticas sobre princípios científicos, com poucos ou nenhuns requisitos sobre a história e a filosofia da ciência. Dado que muitos licenciados em ciências seguem carreiras fora da ciência, incluindo a medicina, uma mudança nos currículos acabaria por produzir um público mais informado sobre a forma como a ciência funciona. Isto significa tomar decisões difíceis sobre como encaixar uma perspetiva mais alargada e profunda em currículos que já estão sobrecarregados com bases necessárias. No entanto, é urgente que os cientistas façam algumas cedências na sua forma de ensinar tendo em vista para um bem maior.

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