Philosophy Now – a magazine of ideas, n.º 157,
August/September 2023, p. 26
A
melhor crítica do Egoísmo Ético
Stephen Leach
No mínimo, por vezes, deveríamos fazer o que é do nosso
interesse. No entanto, o egoísmo ético afirma radicalmente que o nosso único
dever é fazer o que é do nosso interesse. Por outras palavras, devemos
ser egoístas! O egoísmo ético não diz que devemos evitar todas as ações que
ajudam os outros. Diz que o que torna estas ações acertadas, quando são
acertadas, é o facto de serem para nosso benefício. Assim, se devo ajudar
alguém, é apenas porque isso seria bom para mim; e se devo abster-me de
prejudicar alguém, mais uma vez, é apenas porque isso é benéfico para mim.
Assim, por exemplo, se encontrar uma carteira caída, se eu for um egoísta
ético, terei boas razões para a guardar, mesmo que saiba a quem pertence. Essa
pessoa pode muito bem ser prejudicada pela minha ação; mas isso, por si só, não
é uma boa razão para não ficar com a carteira, uma vez que eu beneficiarei
ao ficar com ela. O mesmo se aplica a tudo o resto: ajudar as pessoas em
situação de pobreza? dar de comer a quem tem fome? “Só se houver algo para mim”,
responde o egoísta. (Note-se que a teoria diz que devemos ser
guiados pelo interesse próprio, não que o sejamos sempre).
Estou certo de que a
resposta de muitas pessoas a esta pergunta será que a posição do egoísmo ético
é obviamente errada. Mas porque é que é errada? O egoísta ético argumenta que
só pensamos que é errada devido à nossa aceitação inquestionável de outras teorias
da moralidade mais consagradas. No entanto, essa não é uma razão
suficientemente boa para rejeitar o egoísmo (diz o argumento), uma vez que
estas teorias rivais são todas mais fracas do que o egoísmo ético, pelo menos
em termos da minha própria sobrevivência e expectativa de sucesso. Todas as
teorias rivais exigem que, por vezes, sacrifique o meu próprio bem-estar a um “bem”
abstrato e não pessoal, mas sem qualquer justificação, diz o egoísta. O egoísmo
ético, pelo contrário, não exige tais sacrifícios. A minha referência deve ser
o meu interesse pessoal, e a tua deve ser o teu interesse pessoal. Afinal de
contas, pergunta o egoísta ético, porque é que hei de sacrificar o meu
interesse próprio pelo interesse de outra pessoa? Não faz sentido fazê-lo, pois
saberei sempre mais sobre o que me faz feliz do que sobre o que pode fazer
outra pessoa feliz. Se por acaso me sentir feliz por ajudar outra pessoa, tudo
bem; mas, não se iludam, seja qual for a minha escolha, devo agir em primeiro
lugar e acima de tudo em prol do meu próprio interesse.
Conflitos
de interesse e contradições
Esta teoria pode ser intuitivamente rejeitada, mas é
surpreendentemente difícil de refutar.
Tem sido criticada por não conseguir lidar com os conflitos
de interesse. Se X é do interesse do Tomás e Y é do interesse da Joana, e X e Y
entram em conflito, como é que o egoísta ético pode escolher entre X e Y? Não
pode.
Mas o egoísta ético
pode facilmente afastar esta objeção, não a reconhecendo sequer como uma
objeção. A resposta seria que o Tomás deve seguir a orientação do seu interesse
próprio e a Joana deve seguir a orientação do seu interesse próprio. Tudo bem,
por vezes os seus interesses podem entrar em conflito – resultando num choque
ou num compromisso – mas não existe um ponto de vista impessoal a partir do
qual se deva (ou possa) escolher entre eles.
Uma segunda crítica
que pode ser feita é que o egoísmo ético é logicamente contraditório. A mesma
ação não pode ser moralmente errada e não moralmente errada (para
o Tomás e para a Joana, respetivamente). Mas, mais uma vez, o egoísta ético
pode lidar com esta objeção facilmente e da mesma forma que antes. Só existe
uma contradição entre a intenção do Tomás e a da Joana se se assumir que existe
um ponto de vista impessoal a partir do qual se pode julgá-los em conjunto – e
isto é exatamente o que o egoísta nega.
Porquê
eu?
Há, no entanto, uma
crítica ao egoísmo ético que não assume um ponto de vista impessoal. Foi
formulada pela primeira vez, tanto quanto sei, pelo filósofo moral James
Rachels (1941-2003). Esta crítica é que o egoísmo ético é inaceitavelmente
arbitrário: será que existe realmente uma diferença moral significativa
entre mim e as outras pessoas que justifique que eu receba (ou me dê) um
tratamento especial? O que é que me torna tão especial?
Sim, conheço-me
melhor do que as outras pessoas; mas porque é que isso há de ser moralmente
relevante? O mesmo se passa com a ideia de que o que me acontece a mim tem mais
relevância imediata para mim do que o que acontece aos outros. E então? A
distinção moral do egoísta entre mim e os outros parece arbitrária. É como uma
distinção racista feita entre um grupo de pessoas e outro, com o racista a dar
tratamento preferencial ao grupo a que pertence, só porque pertence a esse
grupo. Que Ayn Rand (1905-1982) – sem dúvida a egoísta ética mais influente –
tenha sido ela própria uma crítica do racismo, não prejudica esta crítica. A
bola está de novo no campo do egoísta.
Conclusão
Esta terceira crítica
é talvez a crítica mais forte que pode ser feita ao egoísmo ético. Não é feita
na perspetiva de um padrão impessoal e universal de moralidade, mas é mais
forte por isso mesmo. É uma crítica disponível a qualquer pessoa que, mesmo que
vagamente, sinta, em relação a qualquer outra criatura, que, nas palavras de
James Rachels, “estamos em pé de igualdade uns com os outros”. Está, por
exemplo, aberta a qualquer pessoa cujos sentimentos morais, apesar de toda a
sua imprecisão, possam, numa noite escura, fazê-la tremer perante o esmagar
acidental de um caracol. n
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Stephen Leach is an honorary senior fellow at
Keele University, UK. He is co-editor, with James Tartaglia, of Consciousness and the Great Philosophers (2017) and The Meaning of Life and the Great Philosophers (2018).