Batya Swift Yasgur, MA, LSW *
Tradução espontânea para distribuição sem fins lucrativos do artigo
Clinicians Are Talking: Euthanasia for Mental Illness -- Right or Wrong?
publicado no Medscape em 03.08.2023
Uma das questões mais controversas atualmente é a de saber se um médico deve ser autorizado, ou até obrigado, a ajudar os doentes com uma doença terminal ou incurável a pôr termo à sua vida – um processo conhecido como ajuda médica na morte (MMA = morte medicamente assistida) ou suicídio medicamente assistido.
Até há pouco tempo, esta questão polémica aplicava-se
apenas a doentes com doenças físicas que desejassem pôr fim ao seu sofrimento e
que procurassem um médico disposto a ajudar nesse objetivo. Nos Estados Unidos,
e noutros países, é esta a população de doentes que poderá recorrer a esta
opção.
No entanto, a legislação recentemente proposta no
Canadá – país que regista o maior número de mortes ajudadas por médicos em todo
o mundo – alargaria a indicação para a MMA de modo a incluir doenças mentais
graves. Originalmente prevista para ser aprovada em março de 2023, a lei foi
adiada para decisão final até março de 2024.
Um comentário recente da psiquiatra Dinah Miller, MD, no Medscape,
explorou a ética desta proposta de legislação para os profissionais de saúde
mental. “Propiciar a opção da morte, facilitada pela própria pessoa que está a
tentar fazer com que [os doentes com doenças mentais graves] melhorem,
parece-me tão contrário a tudo o que aprendi e contradiz o nosso papel de
psiquiatras que trabalham tão arduamente para prevenir o suicídio”, escreve
Miller. “Como psiquiatras, damos esperança aos nossos doentes mais vulneráveis
ou oferecemos a morte? Insurgimo-nos contra o suicídio ou facilitámo-lo?”
O artigo de Miller suscitou uma enorme quantidade de
reações dos leitores, que incluíram muitos comentários elogiosos: uma “investigação
matizada e aberta”, “oportuna e honesta” e “muito bem escrita”. Um leitor
agradeceu à autora por “esta reflexão ponderada, questionadora e aberta sobre o
que significa ser um psiquiatra que enfrenta uma prática espinhosa e profundamente
pessoal e uma questão filosófica”.
Distorção cognitiva ou realidade objetiva?
Muitos leitores opuseram-se a qualquer tipo de
envolvimento de um médico para provocar a morte de um doente, independentemente
de a doença ser médica ou psiquiátrica. “Deixem que os outros que desejam
morrer façam os seus próprios arranjos sem a ajuda da profissão médica”,
escreve um leitor.
Mas outros consideraram que, para as pessoas com
doenças físicas terminais ou dores intratáveis, se justifica que os
profissionais de saúde facilitem a morte ou, no mínimo, recusem tratamentos
que prolonguem a vida.
Um médico de cuidados intensivos descreveu a sua
resposta às acusações das famílias de que a suspensão das medidas de
manutenção da vida significa “armar-se em Deus”. Pelo contrário, escreve o médico,
“há um limite para as nossas capacidades; e retirar essas intervenções que
prolongam a vida permite que a natureza ou Deus ou o que quer que seja
desempenhe um papel e siga o seu curso”.
Um outro leitor dos EUA salientou que “várias
sondagens neste país mostraram que a maioria do público em geral, dos médicos
em geral e dos psiquiatras em particular, apoia a opção de MMA para os doentes
terminais. Não a consideram incompatível com a sua vocação de médicos”.
“Eu e muitos dos meus amigos idosos não tememos a
morte, mas sim a demência prolongada com a sua dependência e falta de qualidade
de vida”, escreve um leitor. “Ficaríamos muito mais tranquilos se pudéssemos
incluir na nossa diretiva avançada que pedimos MMA assim que chegássemos a um
certo ponto de dependência.”
Outro escreve que, no caso de entrar num estado de “dependência
degradante e de sofrimento para a família, por favor, deixe-me ir em paz, sem
sobrecarregar os outros, para aquela boa noite [da morte]”.
Muitos consideraram que não só a doença física, mas
também a perspetiva de deterioração cognitiva – especificamente a demência –
também justificam a ajuda à morte do doente.
“Sofrimento enorme”
Um leitor canadiano referiu que estão atualmente em
vigor no Canadá disposições relativas ao consentimento prévio para as pessoas
que enfrentam a perspetiva de uma doença neurodegenerativa e que ainda são
mentalmente competentes para tomar tais decisões.
Mas é aí que reside o problema –
o conceito de diretiva avançada remete para a questão da capacidade de decisão.
Miller refere que “a depressão distorce a cognição e leva
muitos doentes a acreditar que estariam melhor se morressem e que os seus
entes queridos estariam melhor sem eles”.
O conceito de “distorção cognitiva” implica que a
própria doença pode impedir a capacidade de decisão necessária para uma
diretiva avançada ou uma decisão tomada no momento, na ausência de tal diretiva.
Miller pergunta: “Como é que determinamos se os doentes com doença mental grave
são competentes para tomar essa decisão ou se é a doença mental que está a conduzir
a sua perceção de um futuro sem esperança?”
Um leitor atesta este facto por experiência própria. “Como
médico e como sofredor de uma depressão grave, muitas vezes profunda, durante
50 anos, posso afirmar com confiança que... a procura da morte é o resultado de
um estado mental deficiente, que impede simultaneamente uma decisão racional.”
Outro concordou. “Como psiquiatra, tratei doentes
suicidas quase todos os dias da minha carreira de 27 anos. Acredito que se
devem envidar todos os esforços para evitar o suicídio de uma pessoa deprimida
e saudável e não apoio a MMA para doenças psiquiátricas. Mas apoio a MMA para
os doentes terminais”.
Outros leitores discordaram. Nas palavras de um
comentador: “Penso que se vamos ajudar os doentes mentais, temos de ter em
conta as suas escolhas. A pressão imposta por uma doença mental grave/intratável
é tão má como qualquer outra doença médica devastadora. Se ninguém os vai
apoiar durante a vida (uma vez que os serviços de apoio são limitados e os
tratamentos psiquiátricos muitas vezes falham), permitam que um profissional de
saúde os apoie nos seus momentos finais”.
Um psiquiatra descreveu doentes
muito graves com distúrbio bipolar resistente aos tratamentos que
não só tinham recebido medicamentos, incluindo cetamina, como também tinham sido
submetidos a terapia electroconvulsiva e continuavam a não reagir.
“O seu sofrimento é enorme e a verdade é que não
melhoram mais do que alguns dias ou semanas e depois voltam ao seu inferno.
Reconhecer que estariam melhor mortos, para si e para as suas famílias, nem
sempre é uma distorção cognitiva, mas uma avaliação objetiva da sua realidade.”
No entanto, como referiu outro leitor, um problema com
o argumento aqui apresentado é pressupor que a MMA exige uma “justificação
clínica”. Mas no Canadá, “a MMA... é entendida como uma expressão de autonomia
pessoal. Enraizada na filosofia política liberal do individualismo... a aprovação
da morte não precisa de ser baseada numa avaliação clínica”. Em vez disso, “a
morte é vista como um 'direito' que o Estado deve proporcionar”.
Uma outra forma de eugenia?
Miller levantou as implicações éticas dos fatores
raciais e socioeconómicos que desempenham um papel na possibilidade de
considerar a MMA no caso de pessoas com doenças psiquiátricas.
“Será que as pessoas pobres, que têm menos acesso a
opções de tratamento dispendiosas e a apoio social, têm mais probabilidades de
pedir uma morte antecipada?”, pergunta. “Será que nos arriscamos a facilitar a
morte de um doente quando não existem outras opções devido à falta de acesso ao
tratamento ou quando as dificuldades sociais e financeiras exacerbam o
desespero da pessoa? Devemos preocupar-nos com o facto de a eutanásia
psiquiátrica se transformar numa forma de eugenia em que aqueles que não podem
contribuir são obrigados a sentir que devem desistir?”
Vários leitores concordaram. “Se olharmos para o peso
desproporcionado da doença, para as taxas das prisões e para a aplicação da
pena de morte, parece-me que a raça e o estatuto socioeconómico serão um fator
imediato na forma como, onde e com quem a MMA nas doenças mentais seria praticada em grande
parte, se não em todos os Estados Unidos”, escreve um médico.
Um leitor canadiano manifestou preocupações
semelhantes. “Vi algumas pessoas, incluindo alguém que considerava um bom
amigo, optar pela MMA porque era mais fácil do que viver como uma pessoa com
deficiência na pobreza, sem cuidados de saúde mental adequados.”
Outro clínico canadiano refere que oferecer às pessoas
bons cuidados pode fazer toda a diferença... “Como clínico canadiano de saúde
mental que trabalhou com jovens com doenças mentais graves durante mais de 20
anos através da nossa rede médica socializada, posso atestar a diferença que os
bons cuidados normalmente fazem para que os clientes passem do desespero e do
compromisso com a morte para abraçarem a vida mais uma vez. Não vamos, como
clínicos, aceitar a facilitação de um caminho para a morte sancionado pelo
governo/estado.”
Alguns leitores acreditam que este tipo de questões
não pode ser resolvido com uma abordagem generalista, observando que cada
caso é diferente. “A vida real é sempre mais complicada do que as discussões
académicas. Tendo feito parte de um comité de ética hospitalar, sei que cada
caso é único”, observa um leitor.
Outro leitor acrescenta: “Penso que tudo o
que podemos fazer enquanto médicos é deixar que as pessoas decidam por si
próprias e participar apenas se a nossa consciência o permitir”. n
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* Batya Swift Yasgur MA, LSW é uma autora freelancer com um consultório de aconselhamento em Teaneck, NJ. Contribui regularmente para várias publicações médicas, incluindo Medscape e WebMD, e é autora de vários livros sobre saúde orientados para o consumidor, bem como de Behind the Burqa: Our Lives in Afghanistan and How We Escaped to Freedom (as memórias de duas corajosas irmãs afegãs que lhe contaram a sua história).