John Mandrola
Simple Rules to Understand Medical Claims
Um blogue de um cientista proeminente fez com que
parecesse quase impossível esmiuçar as afirmações médicas. Não vejo as coisas
dessa forma.
O Professor Andrew Gelman é professor de estatística e ciências políticas. Escreve um blogue popular onde fala muito bem, especialmente sobre estudos ilusórios.
Poucos intelectuais públicos têm mais credenciais do que Gelman.
Foi por isso que fui atraído para o seu breve postal que diz respeito à dificuldade em digerir
afirmações sobre investigação. As duas alegações em questão eram sobre
(a) Vitamina D e COVID-19 e (b) óleo de peixe e cancro da próstata.
Dois leitores enviaram mensagens de correio eletrónico a
Gelman para se informarem sobre os possíveis benefícios do tratamento da
Vitamina D na infeção por SRA-CoV-2 e sobre o maior risco de cancro da próstata
devido aos suplementos de óleo de peixe.
Os autores destes e-mails citavam cinco estudos, três
para apoiar os potenciais benefícios de tratamento da Vitamina D na COVID-19 e
dois para apoiar a ligação entre o óleo de peixe e o cancro da próstata.
A resposta de Gelman surpreendeu-me:
Não tenho ideia sobre o que
pensar de qualquer um destes artigos. A literatura médica é tão vasta que
muitas vezes parece desesperante interpretar um qualquer artigo ou mesmo a
própria subliteratura.
Na era da Internet (e agora do ChatGPT) isto pareceu-me
excessivamente derrotista. Gelman diz mais:
Uma abordagem alternativa é
procurar fontes de confiança na Internet, mas isso também nem sempre é de
grande ajuda. Por exemplo, quando pesquiso no Google *cleveland clinic vitamin
d covid*, o primeiro resultado é o artigo, Can Vitamin D Prevent COVID-19?, que parece
relevante, mas depois noto que a data é 18 de maio de 2020. Muito se aprendeu
sobre a COVID desde então, não?? Não estou a tentar atacar aqui a Clínica
Cleveland, apenas a dizer que é difícil saber onde procurar. Confio no meu
médico, o que é ótimo, mas (a) nem todos têm um médico de cuidados primários e
(b) de qualquer forma os médicos também precisam de obter a sua informação em
algum sítio.
Esta foi a conclusão do professor:
Não sei qual é atualmente a
melhor forma de apresentar um resumo do estado dos conhecimentos médicos sobre
um determinado tópico.
Correndo o risco de incomodar o Professor Gelman, que é
claramente muito mais inteligente do que eu, proporia uma abordagem menos
niilista para avaliar afirmações médicas na Internet.
O primeiro passo implica o pensamento bayesiano. Isto é... a consideração de crenças
anteriores.
O critério mais importante quando se trata de afirmações
médicas é muito simples: muitas coisas não têm resultado certo. A maioria das
respostas simples estão erradas. Os seres humanos são complexos. As doenças são
complexas. As causas únicas de doenças complexas como o cancro devem ser
abordadas com grande ceticismo.
Um dos estudos enviados a Gelman foi um pequeno ensaio
experimental que concluiu que a Vitamina D tratou eficazmente a COVID-19. O
estudo aberto de centro único inscreveu 76 doentes no início de 2020. Mesmo que
este fosse o único estudo disponível, a evidência não é suficientemente forte
para mudar a nossa crença prévia de que a maioria das coisas simples (como um
comprimido de Vitamina D) não funcionam.
O passo seguinte é uma pesquisa simples – o qual revela
dois grandes ensaios aleatórios controlados de tratamento com Vitamina D para
COVID-19, um publicado na JAMA e o outro na BMJ. Ambos foram nulos.
Pode utilizar a mesma estratégia para avaliar a afirmação
de que o suplemento de óleo de peixe leva a taxas mais elevadas de cancro da
próstata.
Comece com as crenças prévias. Como é possível que só uma
exposição aumente a taxa de uma doença que afeta sobretudo os homens mais
velhos? Resposta: não é muito possível. E mesmo que o óleo de peixe tenha
aumentado marginalmente a taxa de uma doença, existem milhares de outras
doenças que podem ser encontradas. (← é esse o problema dos rastreios).
Agora há que ter em conta as afirmações contidas no
e-mail de Gelman.
- Fosfolípidos plasmáticos de ácidos gordos e risco de cancro da próstata
no ensaio SELECT
Embora ambos os estudos tenham origem em ensaios
aleatórios, nenhuma das análises foi primária. Eram estudos de associação que
utilizavam dados de um ensaio principal e, por conseguinte, devemos ser
cautelosos ao fazer alegações causais.
Vamos agora ao Google que nos mostra dois grandes ensaios
aleatórios controlados de óleo de peixe versus terapia com placebo.
O ensaio ASCEND de ácidos gordos n-3 em 15000 doentes com
diabetes não encontrou “diferenças significativas entre grupos na incidência de
cancro fatal ou não fatal, quer globalmente quer em qualquer local específico
do corpo”. E eu acrescentaria: nenhuma diferença na morte por todas as causas
O ensaio VITAL incluiu o cancro como um objetivo primário.
Mais de 25000 doentes foram aleatorizados. Eis as conclusões: “O suplemento com
ácidos gordos n-3 não resultou numa menor incidência de grandes eventos
cardiovasculares ou cancro do que placebo”.
A coluna da esquerda é dos ácidos gordos n-3. As taxas de cancro da
próstata são ligeiramente superiores, mas os intervalos de confiança não
revelam um sinal forte. As taxas globais de cancro e mortalidade são
semelhantes. [ver tabelas no artigo original]
Não defendo que todas as afirmações sejam simples.
Defendo que o processo de avaliação é um pouco menos assustador do que o
Professor Gelman parece inferir.
É claro que a ciência médica é complicada. Os
conhecimentos sobre o assunto podem ser importantes. O Google e a Inteligência
Artificial não podem substituir a sabedoria dos médicos experientes.
Mas isso não significa que devamos tomar essa atitude:
“Não sei o que pensar sobre estes artigos”.
Eis cinco regras básicas que ajudam a compreender as
afirmações médicas:
1. Manter premissas pessimistas
2. Ser supercauteloso quanto a inferências causais a partir de
comparações observacionais não-aleatorizadas
3. Procurar grandes ensaios controlados aleatorizados e concentrar-se
nas suas análises primárias
4. Saber que o que realmente funciona é geralmente óbvio (antibióticos
para infeção bacteriana; desfibrilador externo automático para reverter a
fibrilação ventricular)
5. Respeitar a incerteza. Manter-se humilde sobre a maioria das
alegações “positivas”.
E sempre... arranjar tempo para Parar e Pensar. Stop and Think!