Resumo: O Código de Ética Médica da Associação Médica Americana (AMA) não se refere
especificamente às funções governamentais dos médicos. Este artigo, contudo,
resume as orientações do Código de Ética Médica da AMA sobre as interações dos
médicos com os governos, bem como os seus papéis não-clínicos, ações e
comunicações políticas.
Introdução
Os médicos que desempenham funções governamentais não são raros no mundo
profissional de hoje. Por exemplo, muitos médicos servem como autoridades
federais ou locais, fazendo leis, elaborando políticas ou trabalhando em
agências reguladoras, como a Food and Drug Administration ou os Centros
de Controlo e Prevenção de Doenças, onde interpretam, implementam e fazem
cumprir ações executivas. Quando os médicos trabalham para o governo, podem
surgir questões éticas próprias do seu duplo papel como médicos e funcionários
governamentais. O Código de Ética Médica da AMA não se dirige diretamente aos
médicos que trabalham em funções governamentais, mas vários pareceres orientam
os médicos que atuam como funcionários governamentais ou como agentes ou
comunicadores políticos.
Pareceres do
Código AMA
Interações com o governo.
Um conjunto de pareceres do Código AMA dá orientações sobre autorregulação
profissional, designadamente nas secções “Interações Médicas com Agências
Governamentais”1; Parecer 9.7.1 - “Depoimento Médico”2;
Parecer 9.7.2 - “Tratamento Médico por iniciativa do Tribunal em casos
criminais”3; Parecer 9.7.3 - “Pena capital”4;
Parecer 9.7.4 - “Participação do médico em interrogatórios”5;
e Parecer 9.7.5 - “Tortura”6. Embora não sejam diretamente
sobre médicos que também
trabalham como funcionários governamentais, estes
pareceres estão relacionados e dão uma certa visão sobre questões de política
de saúde pública. Por exemplo, o Parecer 9.7.4 afirma: “Os médicos que se
dedicam a qualquer atividade que dependa dos seus conhecimentos e competências
médicas devem continuar a defender os princípios da ética médica”.5
Assim, os amplos princípios éticos devem orientar as ações ainda que estas não sejam
próprias da medicina, mas porque assentam na sua qualificação médica.
Orientação ética para médicos em funções não-clínicas. O Parecer 10.1 - “Orientação Ética para Médicos em Funções Não-Clínicas”7
também se aplica aos médicos que servem em funções governamentais ou cívicas. O
parecer afirma: “Mesmo quando desempenham papéis que não envolvem a prestação
direta de cuidados a doentes em ambientes clínicos, os médicos são vistos pelos
doentes e pelo público, bem como pelos seus colegas e colaboradores, como
profissionais que se comprometeram com os valores e normas da Medicina”.7
O Parecer 10.1 refere que os médicos, quando “utilizam conhecimentos e valores
adquiridos através da formação e prática médica” nas suas outras funções
não-clínicas, continuam a “funcionar dentro da esfera da sua profissão” e, por
conseguinte, ainda estão obrigados a defender os principais deveres éticos e de
confiança.7 Quando os médicos desempenham funções
não-clínicas, podem surgir possíveis conflitos de deveres – digamos, entre as
suas funções públicas e privadas – e “podem ter de ser eticamente regulados”,
de acordo com o Parecer 10.1, pelos seguintes aspetos:
a.
O impacto da função não-clínica na saúde dos indivíduos e comunidades.
b.
O grau em que eles [médicos] são entendidos como representantes da profissão
médica.
c.
O grau em que eles [médicos] confiam na sua formação ou especialização médica
para cumprir a função não-clínica.7
Desse modo, os conflitos podem ser menores quando os médicos em funções
não-clínicas mantêm as suas normas e valores profissionais, em vez de
esquecerem as suas competências e autoridade médica no exercício dessas
funções.
Atividade política por parte dos médicos. O Parecer 1.2.10 - “Atividade Política dos Médicos”8
descreve as obrigações éticas dos médicos envolvidos em atividade
política. Embora nem todos os médicos com funções governamentais estejam envolvidos
em decisões políticas, alguns, como os legisladores, claramente estão. O
Parecer 1.2.10 estabelece:
Como todos os americanos, os médicos gozam do
direito de defender mudanças na lei e na política, na esfera pública e dentro
das suas instituições. De facto, os médicos têm a responsabilidade ética de
procurar a mudança quando acreditam que os requisitos da lei ou da política são
contrários aos melhores interesses dos doentes. No entanto, têm a
responsabilidade de o fazer de forma a não perturbar os cuidados aos doentes.8
Assim sendo, os médicos legisladores devem procurar alterações à lei que
acreditam que beneficiarão os doentes e, mais ainda – empenhando-se em qualquer
tipo de mudança de política ou advocacia – devem “assegurar que a saúde dos
doentes não seja prejudicada e que os cuidados de saúde dos doentes não sejam
comprometidos”.8
Comunicações políticas. De relevância para os médicos no
governo, especialmente os que ocupam cargos de direção, é o Parecer 2.3.4 - “Comunicações
Políticas” que estabelece:
Os médicos gozam dos direitos e privilégios da
liberdade de expressão partilhados por todos os americanos. É louvável que os
médicos se candidatem a cargos políticos, façam campanha por posições
políticas, partidos ou candidatos e exerçam de qualquer outra forma todo o
âmbito dos seus direitos políticos como cidadãos. Os médicos podem exercer
estes direitos individualmente ou através do envolvimento com sociedades
profissionais e comissões de ação política ou outras organizações.9
Além disso, o Parecer 2.3.4 propõe orientações sobre como os médicos podem expressar eticamente os seus pontos de vista políticos. Especificamente, determina que os médicos não devem permitir que “questões políticas interfiram com a prestação de cuidados profissionais” e que os médicos devem ser sensíveis ao “desequilíbrio de poder na relação médico-paciente” sempre que “expressem as suas opiniões políticas pessoais”, especialmente no decurso da prestação de cuidados clínicos aos doentes.9
REFERENCES
1.
AMA Chapter 9:
professional self-regulation.
2.
AMA Opinion
9.7.1: Medical testimony.
3.
AMA Opinion 9.7.2: Court-initiated medical treatment in
criminal cases.
4.
AMA Opinion
9.7.3: Capital punishment.
5.
AMA Opinion
9.7.4: Physician participation in interrogation.
6.
AMA Opinion
9.7.5: Torture.
7.
AMA Opinion 10.1: Ethics guidance for physicians in
nonclinical roles.
8.
AMA Opinion 1.2.10: Political action by physicians.
9.
AMA Opinion
2.3.4: Political communications.
([*]) Scott J. Schweikart é analista político sénior na Associação Médica Americana em Chicago, Illinois, onde é também editor jurídico do AMA Journal of Ethics. O Sr. Schweikart obteve o seu MBE na Universidade da Pensilvânia, o seu JD na Case Western Reserve University e o seu BA na Universidade de Washington em St Louis. Tem interesses de investigação em direito da saúde, política de saúde e bioética.