20 abril 2023

Consentimento para o ensino - A experiência da Pediatria e da Psiquiatria

Healthcare 2023, 11, 1270

Consentimento para o ensino - A experiência da Pediatria e da Psiquiatria
Bárbara Frade MoreiraCristina Costa Santos, Ivone Duarte

Tradução do resumo e conclusões do artigo 


Resumo: O consentimento informado protege o direito à autonomia do doente, que pode recusar-se a participar no ensino clínico. Em Pediatria, os jovens com idade igual ou superior a 16 anos, e com o necessário discernimento, podem consentir; em Psiquiatria, o consentimento é também essencial devido ao caráter pessoal dos temas abordados. Este estudo teve como principal objetivo avaliar a aplicação prática do consentimento informado no ensino médico. Foi desenvolvido um estudo observacional transversal e aplicado um questionário tipo entrevista aos participantes que aguardavam uma consulta programada para si ou para a pessoa que representavam, em Pediatria e Psiquiatria. Apenas 54% dos participantes em Pediatria e 75% dos participantes em Psiquiatria afirmaram que o médico lhes perguntou se se importavam com a presença dos estudantes e uma percentagem ainda menor de ambos os departamentos afirmou que os estudantes se apresentaram como estudantes de medicina e pediram o seu consentimento para os examinar. Os doentes sentem-se satisfeitos por contribuírem para a formação dos estudantes, embora uma percentagem considerável deles tenha vivido experiências sem serem informados ou sem lhes ser pedido o consentimento, o que representa um evidente desrespeito pela sua autonomia. É necessário intervir e proporcionar aos estudantes uma educação adequada dos valores éticos na prática clínica.


[…]


Conclusões: Os doentes sentem-se satisfeitos por contribuírem para a formação dos estudantes, embora uma percentagem considerável deles tenha tido experiências de o fazer sem serem informados ou sem lhes ser pedido o consentimento, o que representa um evidente desrespeito pela sua autonomia. Por conseguinte, é necessário intervir e proporcionar aos estudantes de medicina uma formação adequada sobre os valores éticos na prática clínica e os professores devem tornar-se modelos claros de conduta humanista. É importante que a escola médica examine as suas atitudes em relação ao consentimento informado e ensine aos estudantes todas as competências necessárias a este respeito, bem como forneça aos professores clínicos formação adequada, se necessário, de modo a assegurar uma assistência otimizada aos seus alunos. Estas competências podem ser ensinadas numa aula teórica de ética ou, por exemplo, em sessões práticas com doentes simulados, onde os estudantes podem ser treinados a pedir o consentimento para intervenções diagnósticas e terapêuticas, como uma parte rotineira e fundamental dos cuidados ao doente. Além disso, deve haver uma formação específica sobre a conduta ética no ensino e na aprendizagem, e os professores devem sempre enfatizar o significado e a importância dos princípios éticos, mantendo os padrões de excelência da educação médica e, em última análise, do profissionalismo. Outras pesquisas poderiam ser realizadas por organizações profissionais e instituições de ensino, a fim de padronizar o ensino sobre a solicitação do consentimento informado e desenvolver diretrizes detalhadas que garantam a prática eticamente aceitável da educação médica. De facto, a Política dos Direitos do Doente na Educação Médica já fornece uma orientação para os professores clínicos, que garante a prática ético-legal da interação entre estudantes e doentes durante a formação. Além disso, os estudantes de medicina também poderiam beneficiar de diretrizes sobre a forma de abordar os doentes, uma vez que variáveis como a demografia e a cultura dos doentes devem ser sempre consideradas. Concluindo, os hospitais-escola são ambientes únicos, concebidos para realizar um ensino e uma investigação importantes, oferecendo simultaneamente cuidados de saúde de elevada qualidade. Tanto o hospital-escola quanto a faculdade a ele vinculada compartilham a responsabilidade de preservar as escolas hospitalares como santuários de respeito aos direitos e à dignidade humana. Assim, o hospital tem a obrigação de prestar cuidados éticos aos pacientes que admite, o que inclui a obtenção do consentimento para a participação dos estudantes e, concomitantemente, a faculdade de medicina deve assumir a responsabilidade pela formação e supervisão dos estudantes nos cuidados de saúde, o que implica a solicitação do consentimento informado dos pacientes. 

15 abril 2023

Evolução a longo prazo do suicídio assistido na Suíça


Evolução a longo prazo do suicídio assistido na Suíça: 
análise de uma experiência de 20 anos (1999-2018)
Giacomo Montagna, Christoph Junker, Constanze Elfgen, Andres R. Schneeberger, Uwe Güth

Tradução espontânea do artigo 
publicado em 21/03/2023, Swiss Med Wkly. 2023;153:40010

OBJETIVOS DO ESTUDO: A legalização do suicídio assistido é um dos temas mais debatidos no âmbito da ética médica em todo o mundo. Nos países em que o suicídio assistido não é legal, as dis­cussões públicas sobre a sua aprovação incluem também considerações sobre as consequências a longo prazo que essa legalização traria, como por exemplo, quantas pessoas recorrerão a esta opção, de que condições estariam a sofrer, se haveria diferenças entre o suicídio assistido masculino e feminino e que desenvolvimentos e tendências poderiam ser esperados se houvesse um aumento acentuado de casos de suicídio assistido ao longo do tempo?

MÉTODOS: Para responder a estas questões, apresentamos a evolução do suicídio assistido na Suíça durante um período de 20 anos (1999-2018; 8738 casos), utilizando dados do Serviço Federal de Esta­tística suíço.

RESULTADOS: Durante o período de observação, o número de suicídios assistidos aumentou signifi­cativamente: quando foram analisados quatro períodos de 5 anos (1999-2003, 2004-2008, 2009-2013, 2014-2018), o número de casos de suicídio assistido duplicou em cada período em comparação com o anterior (Χ = 206,7, 270,4 e 897,4; p<0,001). A percentagem de suicídios assistidos entre todas as mor­tes aumentou de 0,2% (1999-2003; n = 582) para 1,5% (2014-2018: n = 4820). A maioria das pessoas que optaram pelo suicídio assistido eram idosas, com aumento da idade ao longo do tempo (idade me­diana em 1999-2003: 74,5 anos vs. 2014-2018: 80 anos) e com predominância de mulheres (57,2% vs. 42,8%). A doença subjacente mais comum ao suicídio assistido foi o cancro (n = 3580, 41,0% de todos os suicídios assistidos). Ao longo do tempo, o suicídio assistido aumentou de forma semelhante para todas as doenças de base; no entanto, a proporção em cada grupo de doenças manteve-se inalterada.

CONCLUSÕES: É uma questão de opinião se o aumento dos casos de suicídio assistido deve ser considerado alarmante ou não. Estes números refletem uma evolução social assinalável, mas ainda não parecem representar um fenómeno de massas.


ver tradução do artigo completo AQUI

10 abril 2023

Regras simples para compreender afirmações médicas

 

Regras simples para compreender afirmações médicas
John Mandrola

Tradução espontânea do texto 
Simple Rules to Understand Medical Claims 

Um blogue de um cientista proeminente fez com que parecesse quase impossível esmiuçar as afirmações médicas. Não vejo as coisas dessa forma. 

O Professor Andrew Gelman é professor de estatística e ciências políticas. Escreve um blogue popular onde fala muito bem, especialmente sobre estudos ilusórios. Poucos intelectuais públicos têm mais credenciais do que Gelman. 

Foi por isso que fui atraído para o seu breve postal que diz respeito à dificuldade em digerir  afirmações sobre investigação. As duas alegações em questão eram sobre (a) Vitamina D e COVID-19 e (b) óleo de peixe e cancro da próstata. 

Dois leitores enviaram mensagens de correio eletrónico a Gelman para se informarem sobre os possíveis benefícios do tratamento da Vitamina D na infeção por SRA-CoV-2 e sobre o maior risco de cancro da próstata devido aos suplementos de óleo de peixe. 

Os autores destes e-mails citavam cinco estudos, três para apoiar os potenciais benefícios de tratamento da Vitamina D na COVID-19 e dois para apoiar a ligação entre o óleo de peixe e o cancro da próstata. 

A resposta de Gelman surpreendeu-me: 

   Não tenho ideia sobre o que pensar de qualquer um destes artigos. A literatura médica é tão vasta que muitas vezes parece desesperante interpretar um qualquer artigo ou mesmo a própria subliteratura. 

Na era da Internet (e agora do ChatGPT) isto pareceu-me excessivamente derrotista. Gelman diz mais: 

   Uma abordagem alternativa é procurar fontes de confiança na Internet, mas isso também nem sempre é de grande ajuda. Por exemplo, quando pesquiso no Google *cleveland clinic vitamin d covid*, o primeiro resultado é o artigo, Can Vitamin D Prevent COVID-19?, que parece relevante, mas depois noto que a data é 18 de maio de 2020. Muito se aprendeu sobre a COVID desde então, não?? Não estou a tentar atacar aqui a Clínica Cleveland, apenas a dizer que é difícil saber onde procurar. Confio no meu médico, o que é ótimo, mas (a) nem todos têm um médico de cuidados primários e (b) de qualquer forma os médicos também precisam de obter a sua informação em algum sítio. 

Esta foi a conclusão do professor: 

   Não sei qual é atualmente a melhor forma de apresentar um resumo do estado dos conhecimentos médicos sobre um determinado tópico. 

Correndo o risco de incomodar o Professor Gelman, que é claramente muito mais inteligente do que eu, proporia uma abordagem menos niilista para avaliar afirmações médicas na Internet. 

O primeiro passo implica o pensamento bayesiano. Isto é... a consideração de crenças anteriores. 

O critério mais importante quando se trata de afirmações médicas é muito simples: muitas coisas não têm resultado certo. A maioria das respostas simples estão erradas. Os seres humanos são complexos. As doenças são complexas. As causas únicas de doenças complexas como o cancro devem ser abordadas com grande ceticismo. 

Um dos estudos enviados a Gelman foi um pequeno ensaio experimental que concluiu que a Vitamina D tratou eficazmente a COVID-19. O estudo aberto de centro único inscreveu 76 doentes no início de 2020. Mesmo que este fosse o único estudo disponível, a evidência não é suficientemente forte para mudar a nossa crença prévia de que a maioria das coisas simples (como um comprimido de Vitamina D) não funcionam. 

O passo seguinte é uma pesquisa simples – o qual revela dois grandes ensaios aleatórios controlados de tratamento com Vitamina D para COVID-19, um publicado na JAMA e o outro na BMJ. Ambos foram nulos. 

Pode utilizar a mesma estratégia para avaliar a afirmação de que o suplemento de óleo de peixe leva a taxas mais elevadas de cancro da próstata. 

Comece com as crenças prévias. Como é possível que só uma exposição aumente a taxa de uma doença que afeta sobretudo os homens mais velhos? Resposta: não é muito possível. E mesmo que o óleo de peixe tenha aumentado marginalmente a taxa de uma doença, existem milhares de outras doenças que podem ser encontradas. (← é esse o problema dos rastreios). 

Agora há que ter em conta as afirmações contidas no e-mail de Gelman. 

   - Fosfolípidos séricos de ácidos gordos e risco de cancro da próstata: Resultados do ensaio de prevenção do cancro da próstata 

   - Fosfolípidos plasmáticos de ácidos gordos e risco de cancro da próstata no ensaio SELECT 

Embora ambos os estudos tenham origem em ensaios aleatórios, nenhuma das análises foi primária. Eram estudos de associação que utilizavam dados de um ensaio principal e, por conseguinte, devemos ser cautelosos ao fazer alegações causais. 

Vamos agora ao Google que nos mostra dois grandes ensaios aleatórios controlados de óleo de peixe versus terapia com placebo. 

O ensaio ASCEND de ácidos gordos n-3 em 15000 doentes com diabetes não encontrou “diferenças significativas entre grupos na incidência de cancro fatal ou não fatal, quer globalmente quer em qualquer local específico do corpo”. E eu acrescentaria: nenhuma diferença na morte por todas as causas

O ensaio VITAL incluiu o cancro como um objetivo primário. Mais de 25000 doentes foram aleatorizados. Eis as conclusões: “O suplemento com ácidos gordos n-3 não resultou numa menor incidência de grandes eventos cardiovasculares ou cancro do que placebo”.

A coluna da esquerda é dos ácidos gordos n-3. As taxas de cancro da próstata são ligeiramente superiores, mas os intervalos de confiança não revelam um sinal forte. As taxas globais de cancro e mortalidade são semelhantes. [ver tabelas no artigo original]

Não defendo que todas as afirmações sejam simples. Defendo que o processo de avaliação é um pouco menos assustador do que o Professor Gelman parece inferir. 

É claro que a ciência médica é complicada. Os conhecimentos sobre o assunto podem ser importantes. O Google e a Inteligência Artificial não podem substituir a sabedoria dos médicos experientes. 

Mas isso não significa que devamos tomar essa atitude: “Não sei o que pensar sobre estes artigos”. 

Eis cinco regras básicas que ajudam a compreender as afirmações médicas: 

1. Manter premissas pessimistas 

2. Ser supercauteloso quanto a inferências causais a partir de comparações observacionais não-aleatorizadas 

3. Procurar grandes ensaios controlados aleatorizados e concentrar-se nas suas análises primárias 

4. Saber que o que realmente funciona é geralmente óbvio (antibióticos para infeção bacteriana; desfibrilador externo automático para reverter a fibrilação ventricular) 

5. Respeitar a incerteza. Manter-se humilde sobre a maioria das alegações “positivas”. 

E sempre... arranjar tempo para Parar e Pensar. Stop and Think!  

02 abril 2023

Pareceres do Código de Ética Médica da AMA sobre Médicos no Governo

AMA J Ethics. 2023;25(3):E200-203

Pareceres do Código de Ética Médica da AMA sobre Médicos no Governo
Scott J. Schweikart, JD, MBE ([*])

Tradução espontânea para distribuição sem fins lucrativos do artigo

Resumo: O Código de Ética Médica da Associação Médica Americana (AMA) não se refere especificamente às funções governamentais dos médicos. Este artigo, contudo, resume as orientações do Código de Ética Médica da AMA sobre as interações dos médicos com os governos, bem como os seus papéis não-clínicos, ações e comunicações políticas.

Introdução

Os médicos que desempenham funções governamentais não são raros no mundo profissional de hoje. Por exemplo, muitos médicos servem como autoridades federais ou locais, fazendo leis, elaborando políticas ou trabalhando em agências reguladoras, como a Food and Drug Administration ou os Centros de Controlo e Prevenção de Doenças, onde interpretam, implementam e fazem cumprir ações executivas. Quando os médicos trabalham para o governo, podem surgir questões éticas próprias do seu duplo papel como médicos e funcionários governamentais. O Código de Ética Médica da AMA não se dirige diretamente aos médicos que trabalham em funções governamentais, mas vários pareceres orientam os médicos que atuam como funcionários governamentais ou como agentes ou comunicadores políticos.

Pareceres do Código AMA

Interações com o governo. Um conjunto de pareceres do Código AMA dá orientações sobre autorregulação profissional, designadamente nas secções “Interações Médicas com Agências Governamentais”1; Parecer 9.7.1 - “Depoimento Médico”2; Parecer 9.7.2 - “Tratamento Médico por iniciativa do Tribunal em casos criminais”3; Parecer 9.7.3 - “Pena capital”4; Parecer 9.7.4 - “Participação do médico em interrogatórios”5; e Parecer 9.7.5 - “Tortura”6. Embora não sejam diretamente sobre médicos que também trabalham como funcionários governamentais, estes pareceres estão relacionados e dão uma certa visão sobre questões de política de saúde pública. Por exemplo, o Parecer 9.7.4 afirma: “Os médicos que se dedicam a qualquer atividade que dependa dos seus conhecimentos e competências médicas devem continuar a defender os princípios da ética médica”.5 Assim, os amplos princípios éticos devem orientar as ações ainda que estas não sejam próprias da medicina, mas porque assentam na sua qualificação médica.

Orientação ética para médicos em funções não-clínicas. O Parecer 10.1 - “Orientação Ética para Médicos em Funções Não-Clínicas”7 também se aplica aos médicos que servem em funções governamentais ou cívicas. O parecer afirma: “Mesmo quando desempenham papéis que não envolvem a prestação direta de cuidados a doentes em ambientes clínicos, os médicos são vistos pelos doentes e pelo público, bem como pelos seus colegas e colaboradores, como profissionais que se comprometeram com os valores e normas da Medicina”.7 O Parecer 10.1 refere que os médicos, quando “utilizam conhecimentos e valores adquiridos através da formação e prática médica” nas suas outras funções não-clínicas, continuam a “funcionar dentro da esfera da sua profissão” e, por conseguinte, ainda estão obrigados a defender os principais deveres éticos e de confiança.7 Quando os médicos desempenham funções não-clínicas, podem surgir possíveis conflitos de deveres – digamos, entre as suas funções públicas e privadas – e “podem ter de ser eticamente regulados”, de acordo com o Parecer 10.1, pelos seguintes aspetos:

a. O impacto da função não-clínica na saúde dos indivíduos e comunidades.

b. O grau em que eles [médicos] são entendidos como representantes da profissão médica.

c. O grau em que eles [médicos] confiam na sua formação ou especialização médica para cumprir a função não-clínica.7

Desse modo, os conflitos podem ser menores quando os médicos em funções não-clínicas mantêm as suas normas e valores profissionais, em vez de esquecerem as suas competências e autoridade médica no exercício dessas funções.

Atividade política por parte dos médicos. O Parecer 1.2.10 - “Atividade Política dos Médicos”8 descreve as obrigações éticas dos médicos envolvidos em atividade política. Embora nem todos os médicos com funções governamentais estejam envolvidos em decisões políticas, alguns, como os legisladores, claramente estão. O Parecer 1.2.10 estabelece:

Como todos os americanos, os médicos gozam do direito de defender mudanças na lei e na política, na esfera pública e dentro das suas instituições. De facto, os médicos têm a responsabilidade ética de procurar a mudança quando acreditam que os requisitos da lei ou da política são contrários aos melhores interesses dos doentes. No entanto, têm a responsabilidade de o fazer de forma a não perturbar os cuidados aos doentes.8

Assim sendo, os médicos legisladores devem procurar alterações à lei que acreditam que beneficiarão os doentes e, mais ainda – empenhando-se em qualquer tipo de mudança de política ou advocacia – devem “assegurar que a saúde dos doentes não seja prejudicada e que os cuidados de saúde dos doentes não sejam comprometidos”.8

Comunicações políticas. De relevância para os médicos no governo, especialmente os que ocupam cargos de direção, é o Parecer 2.3.4 - “Comunicações Políticas” que estabelece:

Os médicos gozam dos direitos e privilégios da liberdade de expressão partilhados por todos os americanos. É louvável que os médicos se candidatem a cargos políticos, façam campanha por posições políticas, partidos ou candidatos e exerçam de qualquer outra forma todo o âmbito dos seus direitos políticos como cidadãos. Os médicos podem exercer estes direitos individualmente ou através do envolvimento com sociedades profissionais e comissões de ação política ou outras organizações.9

Além disso, o Parecer 2.3.4 propõe orientações sobre como os médicos podem expressar eticamente os seus pontos de vista políticos. Especificamente, determina que os médicos não devem permitir que “questões políticas interfiram com a prestação de cuidados profissionais” e que os médicos devem ser sensíveis ao “desequilíbrio de poder na relação médico-paciente” sempre que “expressem as suas opiniões políticas pessoais”, especialmente no decurso da prestação de cuidados clínicos aos doentes.

REFERENCES

1.                     AMA Chapter 9: professional self-regulation.

2.                     AMA Opinion 9.7.1: Medical testimony.

3.                     AMA Opinion 9.7.2: Court-initiated medical treatment in criminal cases.

4.                     AMA Opinion 9.7.3: Capital punishment.

5.                     AMA Opinion 9.7.4: Physician participation in interrogation.

6.                     AMA Opinion 9.7.5: Torture.

7.                     AMA Opinion 10.1: Ethics guidance for physicians in nonclinical roles.

8.                     AMA Opinion 1.2.10: Political action by physicians.

9.                     AMA Opinion 2.3.4: Political communications.



([*]) Scott J. Schweikart é analista político sénior na Associação Médica Americana em Chicago, Illinois, onde é também editor jurídico do AMA Journal of Ethics. O Sr. Schweikart obteve o seu MBE na Universidade da Pensilvânia, o seu JD na Case Western Reserve University e o seu BA na Universidade de Washington em St Louis. Tem interesses de investigação em direito da saúde, política de saúde e bioética.

01 abril 2023

Pensamento ligeiro sobre cuidados de saúde e Saúde

 

Pensamento ligeiro sobre cuidados de saúde e Saúde

John Mandrola

Tradução espontânea para distribuição sem fins lucrativos do artigo Soft thinking about healthcare and health  publicado em “Stop and Think”, 19.03.2023

O pensamento ligeiro é como uma doença contagiosa. Se não for tratado precocemente, irá alastrar e tornar-se endémico.

Pergunto-me, quase todos os dias, se sou culpado de pensamento ligeiro. Terei eu subestimado a complexidade? Aceitei provas fracas?

O problema de pensar sobre a qualidade do nosso pensamento é que produz tensão. Um dos fatores dessa tensão é que trabalhar em Medicina exige pragmatismo. É preciso, até certo ponto, seguir a corrente. Por outro lado, a grande prevalência do pensamento ligeiro faz sobressair o valor do pensamento crítico. Posso passar por niilista, estranho ou até tonto. Alguns até querem saber as motivações.


Na recente reunião do Colégio Americano de Cardiologia, soubemos os resultados de um pequeno estudo canadiano sobre o efeito da eliminação do copagamentos de medicamentos benéficos em adultos mais velhos com baixos rendimentos.

Os resultados do ensaio ACCESS (1) obrigam-nos a pensar nas crenças estabelecidas em matéria de cuidados de saúde preventivos.

Vejamos duas ideias comuns, que voltarei a abordar na secção sobre ‘lições a tirar’:

Uma delas é que os cuidados de saúde preventivos produzem saúde. Por exemplo, há estudos que mostraram que numerosos medicamentos reduzem a taxa futura de maus resultados. As estatinas, por exemplo.

A outra ideia aceite é que a redução das barreiras para conseguir que as pessoas tomem estes medicamentos não só melhora os resultados para todos como também diminui as disparidades nos resultados em saúde.

Estas foram as hipóteses testadas no ACCESS. Os investigadores canadianos selecionaram aleatoriamente quase 5 000 adultos de idade avançada, com elevado risco cardiovascular e com baixo rendimento para terem medicamentos dispendiosos gratuitamente ou tê-los comparticipados.

Os do grupo ativo tiveram os copagamentos eliminados em 15 tipos de medicamentos com reduzidas provas de resultados ao nível experimental. Estatinas, outros agentes que reduzem o colesterol, betabloqueadores, inibidores da ECA, etc. O grupo de controlo teve de desembolsar o típico copagamento de 30%.

O resultado primário foi um composto de morte, ataque cardíaco (EM), AVC, revascularização coronária ou hospitalização devido a doença cardíaca. 

Resultados:

·   A redução média do custo da isenção de copagamentos foi de cerca de US$1100 por pessoa ou US$35 por mês durante os 35 meses do ensaio.

·  A taxa do resultado primário não foi significativamente reduzida no grupo que não teve copagamentos: 521 vs. 533 eventos.

·  Nenhum dos componentes do resultado primário apresentou variações. Também não houve alterações no índice QOL (qualidade de vida) ou nos custos dos cuidados de saúde.

·    A diferença na adesão à estatina praticamente não conta (0,72 vs. 0,68). Não houve diferença na adesão aos ECA-ARA (enzimas de conversão da angiotensina/antagonistas do recetor da angiotensina).

Lições a tirar

Eis algumas conclusões importantes.

Primeiro consideremos os participantes no estudo. Os autores recrutaram as pessoas mais suscetíveis de beneficiar. Eram doentes mais velhos (74 anos de idade), com baixo rendimento e elevado risco cardíaco.

Agora consideremos a intervenção. Todos estes medicamentos têm comprovado benefício ao nível dos ensaios. Devem causar benefícios. Além disso, os medicamentos gratuitos devem melhorar a sua adesão. Os idosos de baixos rendimentos serão certamente sensíveis aos custos.

Um cenário perfeito para o sucesso. No entanto, não houve diferença nos resultados. Há uma década, eu teria ficado surpreendido. Hoje já não.

Tenho de reconhecer que – em média – é difícil mostrar que os cuidados de saúde preventivos produzem melhor saúde.

Eis as provas. A experiência dos seguros de saúde RAND (2) e Oregon (3) e a experiência Karnataka India (4) revelaram que mais cuidados preventivos não melhoraram significativamente os resultados.

Um artigo recente do JAMA (5), comparando os Estados com maior expansão da Medicaid com os Estados com menor expansão, revelou que “os adultos em idade ativa com baixos rendimentos nos Estados de baixa expansão da Medicaid tiveram maiores taxas de cobertura de seguro e pior acesso aos cuidados do que os de Estados com maior expansão; contudo, a gestão do fator de risco cardiovascular foi semelhante”.

O ensaio MI-FREE (6) concluiu que dar medicamentos gratuitos aos doentes após um ataque cardíaco não melhorou os resultados. O mesmo aconteceu com o ensaio ARTEMIS (7), que relatou que senhas para o clopidogrel, medicamento de importância vital após o ataque cardíaco, não levaram a qualquer diferença nos resultados mais adversos após um ataque cardíaco.

O ensaio ACCESS mostra exatamente o mesmo.

O desafio dos cuidados de saúde preventivos

A prevenção de doenças é muito mais complexa do que a simples adesão a medicação baseada em diretrizes.

Ora, precisamos estar à vontade com os pensamentos desafiantes no nosso cérebro. Um pensamento de base: os ensaios são reais. Num contexto controlado, com doentes selecionados e uma aleatorização adequada, os medicamentos preventivos causam taxas de eventos mais baixas.

Mas consideremos três pensamentos desafiantes:

·    Na realidade, a capacidade de aderir a medicamentos é talvez um forte indício de um indivíduo mais saudável e são outros os fatores que conduzem a melhores resultados. Por exemplo, sabemos que os quatro grandes medicamentos para a insuficiência cardíaca funcionam, mas também pensamos que a capacidade para tomar quatro medicamentos seleciona os doentes destinados a que funcionem melhor.

·  Os ensaios mostram que as nossas terapias preventivas consagradas produzem benefícios estatisticamente robustos. Mas, em termos absolutos, a redução do risco futuro é modesta. As estatinas, por exemplo, reduzem o risco relativo de eventos futuros em 25%, mas isto traduz-se numa redução do risco absoluto de 1-2% para eventos cardíacos futuros. Isto não é nada, mas a média dos 75-anos-não-selecionado-para-um-ensaio depara-se com muitos riscos conflituantes de morte. Não é só um enfarte do miocárdio não fatal ou um AVC.

·  Terceiro, e MAIS importante: a saúde depende em grande parte da sorte. A sorte de evitar acontecimentos inesperados (tumor cerebral, cancro pancreático, acidente de viação, esclerose lateral amiotrófica, etc.); a sorte de viver numa família solidária; a sorte de viver numa comunidade agradável, com passeios e jardins; a sorte de ter pais que tiveram boa saúde.

Finalmente

Não se confunda nada disto com niilismo.

Acredito firmemente que os médicos ajudam as pessoas. Ajudamos principalmente quando as pessoas se apresentam com doenças. Mas também ajudamos a prevenir doenças futuras, não só com comprimidos, mas também com conselhos sobre exercício, dieta e o não fumar.

O meu objetivo ao escrever este texto é sublinhar que o perigo do pensamento ligeiro é a sobranceria. A saúde e os cuidados de saúde são complexos.

Há muitos fatores para além da adesão à medicação no caminho causal para a boa saúde. Todos devíamos estar de acordo com isto.

_____________________________
(1Eliminating Medication Copayments for Low-income Older Adults at High Cardiovascular Risk: A Randomized Controlled Trial. https://doi.org/10.1161/CIRCULATIONAHA.123.064188
(2The Effect of Coinsurance on the Health of Adults Results from the RAND Health Insurance Experimenthttps://www.rand.org/pubs/reports/R3055.html
(3The Oregon Health Insurance Experiment
(4Effect of Health Insurance in India: A Randomized Controlled Trial. 
(5) Health Care Access and Management ofCardiovascular Risk Factors Among Working-Age Adults With Low Income by StateMedicaid Expansion Status. 
(6Full Coverage for Preventive Medications after Myocardial Infarction
(7Effect of Medication Co-payment Vouchers on P2Y12 Inhibitor Use and Major Adverse Cardiovascular Events Among Patients With Myocardial Infarction: The ARTEMIS Randomized Clinical Trial