Este armazém foi criado para guardar e partilhar textos (e contextos) que tenho escrito ou traduzido, quase todos ao longo da “terceira” metade da minha vida, mas também antes. Até aos 35 anos formei-me e cresci, até aos 70 exerci e aprendi, agora deu-me para isto... 😊
30 dezembro 2018
13 dezembro 2018
Tanta medicação: tão pouca confiança?
RESUMO
Como muitos
estudos em torno do tema da ‘medicação em excesso’ atestam, pedem-se cada vez
mais exames; ao mesmo tempo diminuem os limites para prescrever tratamentos. Defendemos
que a confiança (ou a falta dela) é um fator significativo para influenciar esse
excesso e que compreender a relação entre confiança e exames e tratamentos
ajudará os clínicos e os decisores de políticas a garantir que as decisões
éticas serão feitas de forma mais consistente. Baseando-nos na literatura
filosófica, investigamos a natureza da confiança na relação médico-doente,
argumentando que, na sua essência, ela se traduz numa transferência de poder de
escolha. Mostramos que há um forte suporte empírico à ideia de que mais
confiança reduzirá o problema do excesso de remédios. Em seguida, estudamos as vias
pelas quais a confiança pode ser construída, centrando-nos em aspetos do questionamento,
do reconhecer da incerteza e do assumir da responsabilidade. Argumentamos que oferecer
exames ou tratamentos como forma de gerar confiança pode ser, por si só, um
processo indigno de confiança e que os sistemas de saúde devem dar apoio
institucional que facilite a continuidade, o questionar e o aceitar da incerteza.
Ver tradução
completa AQUI
10 novembro 2018
Quando e Como Pedir Desculpa aos Doentes
Quando e Como Pedir Desculpa aos Doentes
Roger Sergel
Tradução espontânea do artigo When and How to Say Sorry to Patients
Pedir desculpa não significa perder um processo por negligência – pode até evitá-lo
Parece tão fácil dizer que
os profissionais de saúde precisam estar dispostos a pedir desculpa aos seus doentes.
Mas não é tão simples assim. Como Ron Harman King, da Vanguard Communications,
debate neste número da Wired Practice, há que não ignorar as questões legais.
Tenho algumas boas notícias
para lhe dar: se é prestador de cuidados de saúde em Ohio, você não precisa
mais de se preocupar em perder uma ação judicial de negligência só porque pediu
desculpas a um doente. Um recente acórdão do Supremo Tribunal de Ohio refere
que os médicos naquele Estado desfrutam agora de proteção jurídica especial sob
o que se chama uma “lei de proteção das desculpas”.
O tribunal estabeleceu que um
pedido de desculpas apresentado por um prestador de cuidados a um doente não
pode ser admitido como prova num processo civil – mesmo que o pedido de
desculpas expresse culpa ou o “reconhecimento de que o cuidado ao doente foi
abaixo da norma”. Massachusetts foi o primeiro Estado a aprovar uma lei de
proteção das desculpas, em 1986, e, desde então, cerca de três dezenas de
outros Estados aprovaram leis similares protegendo “declarações e gestos
benevolentes para com os doente e familiares após um resultado inesperado”.
Agora, por favor, note que
algumas leis fixam um limite de tempo para a inadmissibilidade de um pedido de
desculpas de três a trinta dias. A intenção é incentivar os médicos a
comunicarem com os doentes mais cedo e com mais frequência. E a isso eu digo: bravo!
Ao lidar com doentes lesados, às vezes, a melhor solução é fazer uma declaração
conciliatória razoável.
Mas espera aí. Aguenta. É aqui
que as coisas se complicam. Quando e como os prestadores de cuidados de saúde
devem, exatamente, pedir desculpa? Esperando responder a esta pergunta,
consultei o dicionário Webster e encontrei várias definições para a palavra
‘desculpa’, que pode ter significados vários, uma justificação formal, um
lamento, a defesa ou admissão de erro ou grosseria.
Na minha experiência, não me
lembro de ver maus resultados de um só erro. A meu ver, resultados clínicos
fracos são predominantemente complexos e multifatoriais e, muitas vezes,
surpreendentemente, os doentes e suas famílias não procuram realmente uma confissão
dos prestadores – procuram apenas palavras de apoio. Vou contar-vos uma
história ilustrativa. Há uns anos, um colega meu era presidente do conselho de
administração de um grande hospital. Infelizmente, durante o seu mandato, o
pessoal do hospital deu uma sanduíche com manteiga de amendoim a uma criança,
doente com graves alergias alimentares, que rapidamente morreu. A mãe da
criança, de seguida, processou o hospital, e o caso arrastou-se por anos,
terminando numa indemnização à família.
Durante todo o processo legal,
os advogados do hospital proibiram qualquer pessoa do hospital de contactar com
a família. Após a resolução, o presidente do conselho de administração liderou
um pequeno grupo de representantes do hospital que visitou a família e
apresentou condolências. A reação da mãe deixou todos sem palavras. “Isso é
tudo que eu sempre quis”, disse ela, “ouvir alguém – qualquer um – do hospital
dizer que lamentava muito a nossa perda. Se eu tivesse ouvido isso depois de o
meu filho morrer, nunca teria havido uma ação judicial”.
A
lição óbvia é que uma mera palavra de conforto pode mesmo impedir uma tonelada
de custas judiciais. Isto é reforçado por estimativa em que 95% dos processos são resolvidos fora do tribunal. Mas a lição menos óbvia é que
quem apresenta desculpas pode ser muito seletivo sobre aquilo de pede desculpa.
Ou – mais precisamente – uma opção muito eficaz e viável pode não ser apenas
pedir desculpas, mas sim oferecer empatia de modo a reforçar o impacto de um
pedido de desculpas. Nesse sentido, voltei novamente ao dicionário procurando a
palavra certa, mas não conseguiu encontrá-la. Então inventei uma nova palavra: empathology,
uma mistura de empathizing e apologizing [poderia ser, em português, “empaticodesculpas”].
No caso da mãe sofredora, cuja
história ouvi recontada, os representantes do hospital disseram apenas que
lamentavam muito a perda do seu filho. De acordo com o que contou o meu amigo,
ninguém disse, “a morte de seu filho foi inteiramente culpa nossa”. Sem saber
os detalhes, imagino que os factos do caso eram complexos e que advogados da
outra parte lutaram por provar que o hospital fez o que era razoável para lidar
com a extrema condição alérgica da criança.
Sem dúvida que a mãe sentiu que
o hospital podia fazer mais. Mas ela também se conformou com os riscos que
corria o seu filho antes da sua hospitalização. Não obstante, a sua resposta à
visita mostrou que queria mais conforto do que vingança. Tivesse sido visitada
mais cedo, todos teriam sido poupados a anos de gastos e de tensões próprias de
um processo legal.
Lembremo-nos: há um momento
para um pedido de desculpas total, sobretudo depois de uma indelicadeza.
Participei num exemplo recente. Ao falar com um doente, um profissional
referiu-se aos seus longos anos de luta pela saúde como “um pequeno problema”.
Vejamos, o profissional estava legitimamente incomodado com um ser humano
totalmente irracional que se recusava a aceitar que o agravamento das suas
doenças não era devido aos seus tratamentos, mas acontecia apesar deles. Não
importava. O equívoco de linguagem bloqueou os ouvidos do doente e apenas
alimentava a sua ira. Um breve e calmo pedido de desculpas pelo uso de um
adjetivo insensível poderia ter estancado a ira e levado a uma resolução.
Aqueles de nós que andam no
campo da gestão de reputação no setor de saúde, conhecem um ditado que diz que
não se pode soletrar a palavra ‘prática’ sem o PR [Public Relations]. Muito do trabalho dos profissionais é prestar tanto
cuidados físicos como emocionais – e às vezes aconselhamento no luto – quer
sejam acompanhados de um pedido de desculpas ou de qualquer outra coisa.
Agora que os médicos obtiveram um adicional de proteção
legal para expressarem arrependimento, da próxima vez que você se confrontar
com um doente transtornado, considere se pode estar na hora de dizer “desculpe”
de modo algo diferente. Talvez seja o momento de mostrar empaticodesculpas.
Click here opens in a new tab or window for the American
Medical Association's Code of Medical Ethics, which also covers some of this
ground.
10 outubro 2018
Era uma vez, era muitas vezes
A mediação em saúde há de ser uma via a explorar pois é sabido que a maioria dos desencontros precisa mais de um reconhecimento do que de uma indemnização.
Cena
1:
António
acha que o seu médico não é suficientemente competente e entra numa espiral
de contestação aos tratamentos que ele lhe prescreve, levando a um
relacionamento difícil de parte a parte. A situação agrava-se ao ponto de António
decidir apresentar queixa junto da Ordem dos Médicos e da Entidade Reguladora
da Saúde. Apoquentado pela demora em obter respostas, revela aos amigos que está
a pensar pedir para ser ouvido num programa da TV que dê eco às suas razões. O
Dr. Antunes já não o pode ouvir – cada vez que o António lhe aparece fica
maldisposto e já deu consigo a gritar com o doente por ele não seguir os seus
conselhos. Na verdade, já não lhe explica as razões por que acha conveniente fazer
certos exames nem lhe parece que valha a pena informá-lo das várias opções (vantagens
e inconvenientes, riscos e benefícios) do tratamento.
Cena
2:
Belarmina
está muito doente e a equipa médica revela-lhe que a gravidade da doença é
enorme. Chorosa, chama os filhos como que para se despedir, afirmando que está saturada
de tantos exames e soros e injeções e dores… A filha mais velha fica
encarregada de procurar o médico responsável pelo internamento num hospital
privado e pede que a passem para cuidados paliativos, desistindo de a
‘martirizar’. A Dr.ª Bárbara diz que ainda a credita numa recuperação e que a
doente precisa de mais exames e de tentar novos tratamentos. A família está tão
preocupada com o sofrimento da senhora como com a dificuldade em pagara conta
final. Instala-se a dúvida sobre se a obstinação médica tem fundamento ou é interesseira.
A médica ofende-se com a insinuação e, apesar de estar sinceramente convencida
de que há uma probabilidade de cura com poucas sequelas, deixa de falar à doente
e aos filhos e apresenta-lhes um termo de responsabilidade para alta a pedido.
Cena
3:
O
enfermeiro Cruz insiste em dizer que não lhe cabe, em nenhuma circunstância, pedir
aos doentes que vão ser operados que assinem o documento de consentimento informado.
O cirurgião Dr. Correia entende que pode delegar essa função e isso é mesmo uma
prova de confiança no pessoal de enfermagem. O confronto entre ambos arrasta-se
há meses, com séria repercussão na harmonia da equipa.
Poderia
continuar a inventar histórias que, se não aconteceram, podiam ter acontecido.
Os conflitos
entre profissionais e entre estes e os doentes fazem parte do dia-a-dia dos serviços
de saúde. Alguns acabam em processos disciplinares inúteis ou em processos judiciais
morosos e dispendiosos. Grande parte terminaria facilmente com uma mera explicação.
A mediação de conflitos, aceite pelas partes, é a melhor via para se chegar a um
acordo que desfaça o conflito ou mesmo que o previna. O mediador não tem por função
defender qualquer uma das partes em confronto (não é advogado), não lhe cabe julgar
as respetivas posições (não é juiz) e não deve agir como se estivesse a curar
as partes de uma qualquer patologia (não é terapeuta). Sendo neutro por
natureza e imparcial por vontade, o mediador de conflitos é um fator de grande
importância na busca de soluções expeditas sem recurso a longos e penosos
processos.
Há já
experiências positivas, entre nós, de mediadores que se dedicam a conflitos familiares,
assim como a conflitos de vizinhança. Há mediações no âmbito da justiça que perseguem
acordos com força executória legal e mediações no âmbito escolar que mostram
ser eficazes.
A
mediação em saúde, como a que proponho em www.mes.pt *, há de ser uma via a
explorar pois é sabido que a maioria dos desencontros precisa mais de um
reconhecimento do que de uma indemnização, mais de uma compreensão do que de uma
penalização. António e Antunes, Belarmina e Bárbara, Cruz e Correia, como
tantos outros, se alguém lhes propusesse que se sentassem à mesa comigo, talvez
ficassem, mais cedo do que tarde, em paz.
20 setembro 2018
Incentivos, consentimento informado e tretas
Resumo
Alguns filósofos têm defendido que, durante o processo de obtenção do consentimento
informado, os médicos devem tentar incentivar os seus doentes a consentirem na
opção que o médico acredite ser a melhor, sendo incentivo qualquer influência que presumivelmente modifique o
comportamento da pessoa sem restringir (substancialmente) as suas opções. Alguns
defensores do incentivo defendem mesmo que isso é uma parte necessária e
inevitável do consentimento informado seguro. Neste artigo defendo que o incentivo
é incompatível com a obtenção do consentimento informado. Assumo que o consentimento
informado exige que o médico diga ao seu doente a verdade sobre as suas opções e
defendo que incentivar é incompatível com a veracidade. Pelo contrário, o incentivo
cumpre os critérios de Harry Frankfurt para uma treta.
Ver tradução completa AQUI
17 setembro 2018
Criminalização da má conduta científica
Med Health Care and Philos 22, 245–252 (2019)
Criminalização da má conduta científica
William Bülow e Gert Helgesson
Tradução espontânea do artigo Criminalization of scientific misconduct
Resumo Este artigo debate a criminalização
da má conduta científica que tem sido mencionada e defendida na literatura
bioética. Fazendo-o, opomo-nos à alegação de que forjar, falsificar e
plagiar (FFP) constituem as formas de má conduta mais sérias, devendo por
isso ser criminalizadas, enquanto outras formas de má conduta o não devem ser.
Estabelecer o limite estritamente no FFP é problemático, tanto em termos do que
abrange como do que exclui. Defendemos também que a criminalização da má
conduta científica, apesar das suas esperadas vantagens, corre o risco de dar a
falsa impressão de que há práticas dúbias que ficam fora das regras legais
porque “não contam”. Também se levantam dúvidas sobre se a criminalização das formas
mais graves de má conduta irá diminuir os esforços das universidades ou
melhorar realmente a integridade da investigação. Acresce que, com ou sem
criminalização, têm de ser tomadas outras medidas provavelmente mais
importantes para fomentar um ambiente de investigação mais saudável.
Ver tradução
completa AQUI
20 julho 2018
Ser eticamente autêntico
Resumo: Muitos eticistas clínicos defendem que a perícia [expertise] ética é impossível. O seu argumento cético apoia-se, geralmente, na assunção de que ser um especialista em ética é conhecer as conclusões morais corretas, às quais só se pode chegar sabendo as teorias éticas corretas. Neste artigo, argumento que esse argumento cético é inválido. Ou seja, as deliberações éticas comuns não obrigam a recorrer a teorias éticas ou metaéticas. Em vez disso, ao concordarem em resolver as diferenças morais recorrendo à razão, as partes concordam com o Princípio Padrão [Default Principle] – uma regra substantiva que nos diz como decidir num desacordo ético. O Princípio Padrão também implica respeitar argumentos por equivalência e, juntas, estas duas abordagens metodológicas permitem-nos um avanço moral genuíno sem assumir nenhum princípio ético essencial. A perícia ética, em certo sentido, é, portanto, ter capacidades e conhecimentos para aplicar o Princípio Padrão e os argumentos por equivalência.
Ver tradução completa AQUI
30 junho 2018
Vale a pena!
Revista Sinapse, volume 18, n.º 1, maio 2018
Breve reflexão, em forma de carta aberta, sobre um percurso profissional e o modo como a Neurologia pode ser vista por dentro. Tentativa de testemunhar aos jovens neurologistas o quanto pode ser importante saber lidar com o prognóstico e ter sempre presente que o doente é algo mais do que um caso clínico.
ver AQUI
04 junho 2018
Negligência médica: não há vencedores
Negligência médica: não há vencedores
Tradução do editorial Medical negligence: there are no winners,
Os custos com a negligência médica no Serviço Nacional de Saúde (SNS) do Reino Unido estão a atingir novos níveis insustentáveis. No início deste mês, uma menina de 9 anos conseguiu uma indemnização que pode ultrapassar os 17,1 milhões de euros por ter nascido com icterícia grave de que resultou uma lesão cerebral. O SNS gastou 2 mil milhões de euros em reclamações por negligência no ano financeiro de 2017-18 e o custo anual duplicou desde 2010. O total de passivos calculado para 2017-18 – a despesa do SNS se todas as reclamações fossem bem-sucedidas – é de 74,4 mil milhões de euros, bem acima da estimativa para 2015-16 de 64,1 mil milhões de euros.
No
futuro, o número de ações judiciais parece destinado a aumentar ainda mais. A
mais recente pequena falha informática, responsável por 450 mil mulheres não
receberem uma convocatória para mamografias de rastreio, persistiu alegadamente
no sistema desde 2004, cinco anos antes da data indicada pelo Ministro da Saúde
Jeremy Hunt – como disseram Shama Sheikh e Peter Sasieni num texto publicado online
na revista The Lancet.
A
negligência médica tem sido objeto de análises detalhadas e repetidas. Em 1999,
o relatório de referência do Instituto de Medicina dos EUA, To Err is Human:
Building a Safer Health System, previu que os erros médicos evitáveis
conduziram a cerca de 98000 mortes todos os anos nos hospitais dos EUA.
Confirmou-se que os erros hospitalares eram a oitava principal causa de morte
em todo o país e que as questões relacionadas com a responsabilidade legal
desencorajavam as equipas de saúde de relatar erros. Em 2004, o então diretor
clínico (Chief Medical Officer) Liam Donaldson disse numa conferência
sobre segurança do doente que “Errar é humano, encobrir é imperdoável e não
aprender é indesculpável”. No Reino Unido, a questão foi exaustivamente
avaliada num inquérito público que levou à publicação, em 2013, do Relatório
Francis, na sequência dos acontecimentos no Mid Staffordshire NHS Foundation
Trust, onde, pelo menos, 1200 pessoas morreram entre 2005 e 2009 devido a
cuidados inferiores ao padrão.
Mais
recentemente, o documento de estratégia, Delivering fair resolution and
learning from harm, publicado em abril de 2017 pela autoridade de
contencioso do SNS – NHS Resolution – sublinhou a necessidade da
honestidade o mais cedo possível em situações potencialmente litigiosas. Há
novas formas de ver desde a revisão de casos de paralisia cerebral ou lesão
cerebral em que, entre 2012 e 2016, foi estabelecida uma responsabilidade
legal. As queixas relacionadas com obstetrícia e possíveis danos neonatais representam
50% do valor total de todas as especialidades. O relatório da NHS Resolution
“Cinco anos de queixas a propósito de Paralisia Cerebral”, publicado em
setembro de 2017, revelou que as famílias estavam envolvidas apenas em 20 das
50 investigações em que ocorreu um incidente grave. Também concluiu que as
investigações dos casos se concentravam mais nas pessoas do que nos sistemas.
Curiosamente, a necessidade de evitar “o risco de danos antes que aconteçam” é
uma recomendação da carta publicada em The Lancet por Terence Stephenson,
cuja liderança do General Medical Council foi essencial para que a jovem
médica Hadiza Bawa-Garba visse cassada a sua cédula médica depois de ter sido
condenada por homicídio por negligência grosseira. Ela pode ainda recorrer no
Tribunal da Relação em março.
Várias
soluções estão a ser utilizadas para minimizar o problema. Por exemplo, após um
ensaio piloto, foi lançado em dezembro de 2016 um serviço de mediação que,
depois de investigar 47 denúncias fatais ou relativas a idosos, conseguiu
resolver 81% dos casos sem recorrer ao tribunal. Em 2019, será introduzido um
esquema de indemnização apoiado pelo Estado para aliviar o peso do aumento dos
prémios de seguro de saúde.
As
medidas adicionais atualmente em fase de avaliação são a introdução de regimes
de custo fixo para queixas até ao valor de 25000 libras, a utilização de um
perito por processo que atue em conjunto com o queixoso e o arguido e o
nivelamento dos custos com o perito num máximo de 1200 libras. O Conselho de
Justiça Civil (Civil Justice Council) criou um grupo de trabalho para
avaliar as propostas, e deve fazer as suas recomendações em setembro deste ano.
Os opositores temem que o acesso à justiça esteja em risco, visto que os
queixosos podem não conseguir encontrar um advogado preparado para trabalhar em
regime de remunerações fixas. Também foram levantadas preocupações com a
segurança do doente: os entrevistados defendem que, se o acesso à justiça é
impedido e os casos com mérito não são tratados, então o SNS não é capaz de
aprender com o que acontece.
Nenhuma medida isolada irá solucionar o problema insustentável do aumento dos custos devidos a negligência médica. No entanto, várias ações importantes – no contexto de um contínuo aumento das despesas – podem ajudar: i) a promoção da honestidade [NT: ver ou rever A importância de ser honesto], ii) a defesa de uma cultura de solução de problemas [NT: ver ou rever Mediação Bioética, por exemplo] em vez da culpabilização do indivíduo e iii) a melhoria na qualidade de um serviço que tem sido, durante 70 anos, crucial na prestação de cuidados de saúde equitativos a milhões de pessoas. Em negligência médica, não há vencedores. ¢ The Lancet
17 maio 2018
Monitorização de estudos aprovados: a difícil caminhada das Comissões de Ética
Monitorização de estudos aprovados: a difícil caminhada das Comissões de Ética
Sanish Davis
Monitoring of approved studies: A difficult tightrope walk by Ethics Committees,
Resumo A avaliação contínua de estudos aprovados pelas Comissões de Ética (CE) envolve a avaliação do evoluir do estudo, dos relatórios anuais, dos desvios/violações do protocolo, a monitorização de eventos adversos graves e a monitorização no local. Os regulamentos e diretrizes internacionais e nacionais para a avaliação contínua estabelecem que é uma oportunidade para as CE terem a garantia de que os riscos para os participantes são mínimos e razoáveis relativamente aos benefícios previstos, se os houver, assim como para o conhecimento gerado. Existem várias barreiras (por exemplo, falta de mão de obra, falta de treino dos membros para fazerem a avaliação no local, fracas infraestruturas) para que a CE faça uma avaliação contínua dos projetos por si aprovados. A indústria é uma parte interessada importante para o empreendimento de investigação na Índia e defende fortemente que as CE devem ter, no mínimo, procedimentos operacionais pragmáticos para avaliações/monitorizações contínuas dos estudos inicialmente aprovados. As CE que lidam com um volume maior de estudos, com um secretariado que funcione bem, com membros da CE adequadamente treinados e com financiamento, devem, certamente, realizar avaliações/monitorizações no local, além de avaliações contínuas.
Ver tradução
completa AQUI
12 maio 2018
O comum nos mortais
Dizer que quem
ajuda a acabar com um sofrimento, antecipando uma morte certa e próxima, está a
matar é um eufemismo invertido.
Corre por aí a tese, defendida pelos opositores à eutanásia e à ajuda ao suicídio, segundo a qual não há circunstâncias em que não deva ser punido quem, por misericórdia, antecipe a morte a pedido insistente de pessoa em sofrimento extremo. Tais opositores admitem, algo cinicamente, no entanto, que, se houvesse, nunca deveriam ser os médicos a agir.
Vamos
por partes. Desmontar esta argumentação é obrigação de quem a deteta e vê uma
oportunidade para a desmentir, mesmo sabendo que nunca conseguirá demover os
seus divulgadores. O debate público, infelizmente, não parece conseguir ser
suficiente para modificar a forma de pensar da maioria das pessoas.
Aparentemente, quem se pronuncia em artigos de opinião ou noutros fóruns, vê-se
a pregar aos convertidos. Porém, há destinatários que não são de desprezar – os
deputados. Se formos claros e racionais, temos de acreditar que os detentores
do poder legislativo tomarão as suas decisões no sentido certo da história, da
civilização e do bem.
Assim,
quando alguns profissionais de saúde dizem que o seu primeiro dever é curar e
não matar, no que são acompanhados por preopinantes jurídicos, omitem o dever
de assistir na morte. A assistência na morte não pode ser tida sempre como o
seu evitar – a obstinação terapêutica é uma prática condenada por todos os
códigos e diretivas. Reconhecer que se chegou ao fim, que a cura é impossível e
não prosseguir com medidas geradoras de mais sofrimento é uma postura
deontologicamente certa que ninguém pode considerar como atentatória do direito à vida. Sim,
é verdade que esse reconhecimento é feito, muitas vezes, por ambas as partes: o
doente e a equipa de saúde. Sim, tanto acontece ser o doente como o médico o
primeiro a chegar a essa conclusão. Sim, há situações em que cabe ao
profissional de saúde mostrar que ainda há algo a fazer e há situações em que
ambos concordam que o fim está iminente.
Havendo,
portanto, circunstâncias em que o mais correto é parar com medidas terapêuticas
inúteis e com a realização de exame fúteis, importa reafirmar que as medidas
paliativas são obrigação de quem cuida. Acabaram os tempos (acabaram mesmo?) em
que, nos hospitais e nos domicílios, os médicos, reconhecendo que “não valia a
pena investir”, abandonavam os doentes à sua sorte e esperavam pelo fim sem os assistir.
Sim, há muito a fazer para prestar assistência às agonias – seja em unidades especializadas,
seja em serviços “normais”, seja nas casas dos doentes. Para todos será óbvio
que os cuidados paliativos hão de ser prestados por profissionais de saúde e
que têm de ser um recurso verdadeiramente disponível no nosso tempo.
Restam as tais
circunstâncias excecionais em que, perante a inevitabilidade da morte e a inutilidade
das medidas, é o próprio doente que pede a antecipação do desfecho. Quem melhor
do que o médico que tentou curar ou que tentou aliviar para assistir nessa ocasião.
Morte assistida = morte ajudada. Dizer que quem ajuda, compassivamente, a acabar
com um sofrimento, antecipando uma morte certa e próxima, está a matar é um eufemismo
invertido. É usar uma expressão agressiva para definir uma atitude moralmente
aceitável.
Aproximando-se a discussão parlamentar de várias
propostas de legislação para definir quais as condições em que deixe de ser
considerado homicida e vá para a prisão quem, a pedido do próprio, ajude e
assista no modo de antecipação da morte, iremos ver que a consciência de alguns
deputados será assaltada por dúvidas relativas a várias questões. Oxalá a ideia
peregrina de que não devem ser os médicos a assistir, caso se aceite que há circunstâncias
excecionais para despenalizar a morte assistida, não ganhe vencimento.
30 março 2018
Plano Ajustado de Cuidados e Tratamentos Urgentes a Respeitar
PACTUAR consigo: Planear connosco
Recommended Summary Plan for Emergency Care and Treatment = RESPECT
RESPECT and You: Planning Together
O que é PACTUaR?
PACTUaR é o acrónimo de Plano
Ajustado de Cuidados e Tratamentos Urgentes a Respeitar. PACTUaR é um PROCESSO
e um FORMULÁRIO. Traduz-se numa recomendação sobre os seus cuidados clínicos
urgentes em situações em que não possa tomar decisões ou manifestar as suas
vontades.
Como funciona?
O processo consiste em pôr a
conversar o doente com os seus profissionais de saúde. Estas conversas produzem
recomendações sobre o tipo de cuidados e tratamentos que você quereria ou não
quereria que fossem usados numa emergência. O formulário é preenchido quando
você e os seus profissionais de saúde estiverem certos quanto ao que é preciso
ser registado. O objetivo do processo e do formulário é possibilitar uma
recomendação abreviada e personalizada que garanta que você terá o melhor tratamento
para a sua situação pessoal. Este plano, escrito como um formulário, fica
consigo e deve ser disponibilizado de imediato aos profissionais de saúde
chamados para o socorrer numa emergência, seja em sua casa ou seja onde for que
esteja a ser atendido.
Os profissionais (das
ambulâncias, os médicos chamados ocasionalmente ao domicílio, o pessoal do hospital
e outros) estarão em melhores condições para tomar decisões rápidas sobre o que
é melhor para ajudar numa emergência se puderem ver o seu formulário PACTUaR.
Quem toma as decisões?
Se você e o seu profissional de
saúde acordarem num plano, este será usado para orientar os seus cuidados e
tratamentos urgentes. Se não o tiver, as decisões dos profissionais de saúde
serão tomadas tentando agir no seu melhor interesse e em seu benefício.
É importante compreender que o
formulário PACTUaR não pode ser usado para pedir tratamentos que provavelmente
não lhe sejam benéficos e que não lhe seriam prestados. A quem se destina?
Este processo personalizado
pode ser para qualquer pessoa, mas terá maior importância no caso de pessoas
com necessidades de saúde mais complexas, pessoas que se admite estarem perto
do fim das suas vidas e pessoas em risco de deterioração súbita ou de paragem
cardíaca. Você pode, claro, querer que fiquem registadas as suas preferências
de cuidados e tratamentos por quaisquer outras razões.
E se uma pessoa não tem
capacidade para fazer um PACTUaR?
Pode acontecer que você esteja
a cuidar de uma pessoa que não tem capacidade (incapaz de compreender as
informações que lhe são dadas e de usá-las para tomar decisões informadas) de
decidir o que precisa para um plano como o PACTUaR. Contudo, pode fazer-se um
plano que esteja de acordo com os seus melhores interesses (para seu benefício
global). Não se trata de simplesmente pôr outros a decidir em nome do doente,
mas antes de um processo dialogado com quem melhor conhece a pessoa para
garantir que o plano é tão próximo quanto possível daquele que a pessoa
quereria que fosse. Este diálogo é exigível por lei.
Por que é que PACTUaR é
útil?
O processo permite uma
discussão informada sobre as suas preferências de cuidados e tratamentos numa
emergência. O formulário devidamente preenchido com o resultado dessa discussão
é para você ter consigo (e uma cópia para o processo clínico) e ajuda os profissionais
de saúde a, antes de tudo, respeitarem as suas vontades.
Posso beneficiar disso já?
O PACTUaR (ReSPECT) tem sido
testado há vários anos no Reino Unido e pode ainda não estar disponível no
local onde você vive. Está em curso o lançamento de uma rede de comunidades de
cuidados de saúde para adotar e aplicar este processo. A sua concretização será
gradual, com as diferentes comunidades que o adotam e aplicam definindo
diferentes metas de acordo com as circunstâncias locais ou regionais.
Se não está em uso na sua
localidade, mas gostaria de dar já os primeiros passos para que as suas vontades
relativas a tratamentos e cuidados sejam conhecidas e registadas, então, na
Inglaterra e no País de Gales, você pode redigir uma DECISÃO ANTECIPADA DE
RECUSA DE TRATAMENTOS (Em Portugal, Diretivas
Antecipadas de Vontade). Pode encontrar mais informação e preencher uma
Diretiva em www.mydecisions.org.uk
(Em Portugal, ver AQUI).
01 março 2018
Questões Éticas dos Estudos de Saúde em Crianças
RESUMO
A investigação
em Saúde é um dever moral porque é a base dos cuidados baseados em provas praticados
por todos os profissionais de saúde. No Canadá há políticas e regulamentos específicos
que presidem às investigações em humanos; a avaliação ética das investigações é
obrigatória antes de estas se iniciarem. A investigação em crianças põe desafios
importantes no que toca ao consentimento informado e assentimento, vulnerabilidade
e potenciais conflitos de interesse (CDI). Os investigadores pediátricos devem defender
a participação de crianças em estudos, sempre cuidando de mitigar os riscos.
Ver tradução
completa AQUI