30 julho 2017

Os médicos devem decidir quando é fútil manter Charlie Gard vivo?

Os médicos devem decidir quando é fútil manter Charlie Gard vivo? 
Arthur Caplan, PhD

Tradução espontânea do texto 

Muitos de vós já ouviram falar do triste e trágico caso de Charlie Gard. Trata-se de um rapazinho inglês que está no Hospital de Crianças de Great Ormond Street em Londres e que sofre de uma doença mitocondrial.

Recordemos que as mitocôndrias são umas pequenas baterias que fornecem energia que permite a divisão celular. Charlie não têm mitocôndrias normais. Infelizmente, ficou paralisado, com o cérebro mal desenvolvido. Está cego e surdo e é incapaz de respirar por si mesmo. Está em sofrimento real porque tem défices que resultam do falhanço das suas células em crescer e prosperar. Na verdade, o seu estado é muito raro. Apenas algumas dezenas de crianças nasceram até agora com esta doença. A maioria destas crianças morre porque as células estão tão lesadas que os órgãos não podem funcionar adequadamente.

Os médicos no Hospital de Crianças de Great Ormond Street trataram Charlie, mas eles acham que esgotaram todas as opções e coisas a fazer. Isso levanta uma pergunta: podem os médicos podem dizer o que é fútil, que não há nada a fazer, que fizerem tudo o que podiam; que têm de passar aos paliativos, apoiar a família, ajudar o doente em termos de controlo da dor e dar apoio emocional aos pais no caso de crianças? São os médicos quem pode dizer que não há mais a fazer?

Os médicos neste hospital de Londres tentaram fazer isso, mas a família não concordou de todo. A mãe e o pai disseram: “Não queremos abandonar Charlie; ouvimos dizer que pode haver alguns médicos nos Estados Unidos, dois tipos diferentes de médicos disseram que podem ter um tratamento que poderia beneficiar Charlie”.

O Presidente Donald Trump pronunciou-se sobre este caso e disse que se os pais querem prosseguir, deveriam ter o direito de o fazer. Até mesmo o Papa disse que os pais devem decidir até onde querem continuar com os cuidados de Charlie Gard.

Os pais conseguiram juntar uma grande quantidade de dinheiro pela Internet – quase 2 milhões de dólares. Podem com essa verba trazer os médicos até junto de Charlie. Um médico, perito em mitocôndrias da Universidade de Columbia, visitou Charlie. É possível que pudessem levar Charlie para os Estados Unidos. O Congresso dos EUA tornou Charlie e sua família residentes permanentes, porque o nosso Congresso e o Presidente sentem que se deve deixar os pais de Charlie fazer o que quiserem para tentar prolongar a vida de Charlie.

Eis um difícil impasse moral. Na Inglaterra, há mais respeito pelos médicos do que vemos nos Estados Unidos. O padrão inglês diz que se os médicos pensam que o que os pais querem fazer pode levar ao sofrimento ou dor da criança, então os pais têm de se submeter a uma tutela. Foi nomeado um tutor para Charlie e o tutor concordou com os médicos em que era hora de parar. Em seguida, os pais de Charlie foram para o tribunal e percorreram todos os escalões dos tribunais britânicos, incluindo o Supremo Tribunal do Reino Unido, e todos estiveram ao lado dos médicos. Além disso, os media internacionais chamaram a atenção para Charlie e os pais não estavam preparados para desistir; ainda queriam fazer tudo o que fosse possível.

Penso que há uma linha que os médicos devem ser capazes de desenhar que diz: atingimos a futilidade. Isso não significa abandonar o doente ou a família, mas significa interromper os esforços para tentar prolongar quaisquer tratamentos que possam estar a causar sofrimento a Charlie. Se de facto ele está a ser prejudicado, a ter dores ou qualquer tipo de sofrimento, então prosseguir tentando um longo procedimento experimental não é algo com que os médicos do hospital pediátrico de Londres têm de concordar. Nem, mesmo que os tribunais concordassem, os médicos teriam de dizer sim; nem teriam de continuar a prolongar uma vida que se transformou numa desgraça, num sofrimento.

Para mim, a questão é saber se Charlie ou qualquer doente são lesados ou prejudicados pela continuidade dos cuidados. Se o forem, então deve ser dada razão aos médicos e dizer que já se chegou ao fim, é hora de parar, é hora de passar aos paliativos, não vamos prolongar uma vida onde existe apenas o sofrimento e nada mais. Se Charlie não está a sofrer, se não estiver com dores, então eu acho que os pais têm sobretudo de continuar com os cuidados; isso também vale para quem está cuidando de um avô ou qualquer outra pessoa. Se a pessoa não está a sofrer e eles querem continuar os cuidados, é uma história diferente.

Lembremo-nos que o tutor de Charlie, os tribunais e os médicos Charlie, verdadeiros peritos neste Hospital, todos concordam em que o que os pais querem fazer não é bom para Charlie. Às vezes o amor pode cegar os pais sobre o que pode ser o melhor interesse da criança.