Ronald W. Pies, MD
The Dilemma of the Competent Patient Who Refuses Recommended Treatment
Tive o privilégio de, há pouco tempo, comentar um relato de caso muito desafiador, apresentado pelo neurologista Dr. Andrew Wilner. O caso gerou muitos comentários e perguntas de leitores do Medscape e gostaria de responder a algumas das questões então levantadas.
Recapitulemos brevemente: o
caso do Dr. Wilner era sobre um homem de 30 anos de idade, oriundo dos
Camarões, muito debilitado e que estava passando por complicações da SIDA,
incluindo tuberculose pulmonar e gastrointestinal, retinite por citomegalovírus
e toxoplasmose do sistema nervoso central. Apesar do envolvimento do sistema
nervoso central, percebemos que o paciente está “no pleno uso das suas
faculdades”. No entanto, tem necessitado de hospitalizações frequentes e está
dependente do apoio da família para as suas necessidades diárias.
O doente aceitava tomar os
medicamentos para as complicações, mas recusava a terapêutica antirretroviral
por acreditar que isso revelaria o diagnóstico de SIDA à sua família –
diagnóstico que ele diz representar um forte estigma no seu país. O doente diz
que “preferia morrer a confessar que tinha SIDA”. Dr. Wilner disse que
“aparentemente ele morrerá das complicações da SIDA se não começar o tratamento
antirretroviral a curto prazo”. Além disso, o doente tem visto a sua dívida ao
hospital, a qual não poderá pagar, a crescer enormemente.
Dr. Wilner perguntava, entre
outras coisas, se “é eticamente exigível ao hospital tratar as complicações da
SIDA neste doente, quando ele se recusa a tratar o problema subjacente (SIDA),
o que iria melhorar ou eliminar tais complicações?”
A minha resposta foi um sim
qualificado: O hospital tem sim uma obrigação ética de tratar as
complicações do doente, mesmo que ele recuse o tratamento antirretroviral,
desde que (1) o doente mantenha a sua capacidade para decidir intacta (isto é,
compreenda os riscos de recusar aquele tratamento, incluindo o risco de morte),
e desde que (2) continue a haver um fundamento médico adequado para prosseguir
com os medicamentos “contra as complicações”.
Também respondi às perguntas do
Dr. Wilner relativas ao fundamento e âmbito da autonomia do doente, notando que
a vontade autónoma é apenas um dos quatro princípios éticos médicos basilares a
ter em conta na equação ética – os outros são a beneficência, a
não-maleficência e a justiça.
As respostas dos leitores foram
profundas e por vezes impetuosas. Alguns leitores argumentaram que a objeção
irrazoável do doente punha os seus médicos e o hospital num constrangimento
insustentável e que o pessoal médico não deve ser forçado a prestar subsequentes
tratamentos inadequados. Um leitor alegou que o princípio da “justiça” é
violado pela prestação de cuidados parciais ou inadequados muito dispendiosos
pelo hospital e dois leitores suscitaram preocupações quanto ao risco de o
paciente contagiar a sua família com tuberculose ou infeção pelo VIH.
Pelo contrário, um leitor
defendeu que a decisão autónoma do paciente deve ser respeitada e outro
advertiu para o caminho perigoso da negação de tratamentos a doentes cujas
doenças são, em certo sentido, “autoinfligidas”. Também houve opiniões
divergentes sobre a questão de saber se os médicos devem “quebrar” a
confidencialidade e informar a família do doente do seu diagnóstico – ou talvez
disfarçar a medicação antirretroviral para que a família não tomasse
conhecimento do diagnóstico de SIDA. (Com efeito, não é claro para mim por que
razão o tratamento antirretroviral não poderia ser dispensado confidencialmente
desde o princípio – mas é um assunto técnico que não quero abordar.)
Vários leitores argumentaram
que a transferência do doente para um ambiente de cuidados paliativos era a
opção mais adequada.
As Dificuldades da Recusa de
Tratamentos
Como eticista médico, penso que
raramente há uma única solução “correta” para problemas complexos quando
cuidamos de doentes – e, pelo contrário, há muito debate e introspeção entre os
clínicos. Penso que isso se reflete em alguns dos sentimentos fortes e das
trocas de palavras mais agudas que os leitores puseram aqui. Estas divergências
são uma espécie de microcosmo de discussões mais intensas e “fraturantes” que
acontecem nas unidades de internamento ou nos serviços de urgência, quando
confrontados com um doente do tipo que o Dr. Wilner descreveu. Como psiquiatra,
penso que é importante que os clínicos estejam cientes dos fortes sentimentos
negativos que doentes como este podem evocar, para que possamos processar essas
reações e não “exteriorizar” a nossa compreensível ira, impotência e
frustração.
Um excelente artigo do Dr.
Joseph Carrese da Johns Hopkins University realça as dificuldades de lidar com
uma recusa de cuidados feitas por um doente capaz [1]. Como afirma
o Dr. Carrese - e como é (aparentemente) verdade no caso do Dr. Wilner – há
muitas vezes um conflito irreconciliável entre “duas obrigações éticas
fundamentais … (1) o dever de promover o bem-estar do doente e protegê-lo
contra danos e (2) o dever de respeitar a vontade de um doente capaz”.
Como defenderam alguns
leitores, existem diferentes maneiras de “sopesar” a contribuição dos quatro
pilares da ética médica: autonomia, beneficência, não-maleficência e justiça.
Este último componente é especialmente problemático no caso de doente Dr. Wilner,
por se estar a gastar tempo precioso, dinheiro e recursos humanos com um doente
que – embora aparentemente mentalmente capaz – recusa os cuidados mais
adequados. É compreensível que alguns médicos queiram resolver a situação
respeitando a vontade autónoma do doente, enquanto outros questionem a
“justiça” de prestar cuidados a um doente que recusa o tratamento da doença de
base.
A meu ver o caso do Dr. Wilner
está resumido pelo Dr. Carrese do seguinte modo [1]:
Em geral … as decisões do
doente são para respeitar. Isto é verdade mesmo que as decisões do doente sejam
percecionadas pelos seus médicos como “más” ou “irracionais”, a menos que haja
uma ameaça de danos para terceiros, uma doença psiquiátrica inadequadamente tratada
ou uma dúvida sobre a real capacidade para decidir.
Com base nas limitadas
informações disponíveis, não creio que o caso em apreço cumpra qualquer destes
critérios, apesar de não beneficiarmos de uma avaliação completa da “capacidade
decisória” (às vezes designada como avaliação da “capacidade de tomar decisões
sobre tratamentos”, embora este seja um termo legal e não clínico)
Agora, como salientaram vários
leitores – no que coincidem com o Dr. Carrese – a autonomia do doente não é
absoluta, independentemente de quão irracional, prejudicial ou ridículo seja o
seu pedido; nem os médicos estão eticamente obrigados a prestar os cuidados que
considerem violar as “boas práticas científicas ou éticas, ou a lei” [1]. Contudo não
vejo uma tal violação no caso do doente do Dr. Wilner. Uma coisa seria se o
doente em questão insistisse em que lhe fizessem uma lobotomia, que lhe dessem
Laetrile ou que fosse exposto a raios gama. Nenhum médico
responsável poderia aderir a essas manifestações de “autonomia” obviamente
prejudiciais e irracionais!
Pelo contrário, é-nos dito que
o doente aceita “a medicação adequada às [suas] complicações da SIDA”. A
palavra-chave é “adequada”. Assim, a manifestação de autonomia do doente, na
minha opinião, não é nem irracional nem prejudicial. Além disso, os medicamentos
prescritos podem efetivamente prolongar a qualidade de vida do doente e reduzir
o seu sofrimento ou incapacidade – embora isso não seja claro a partir das
informações limitadas de que dispomos.
Quanto às medidas coercivas
destinadas a forçar o doente a cumprir um tratamento ótimo recomendado, na
minha opinião, isso não seria justificado ao abrigo das atuais orientações
éticas ou legais, na ausência de qualquer perigo claro e presente para outrem
ou de clara intenção suicida da parte do doente por causa de alguma doença
psiquiátrica, como depressão major. Temos falta de dados para
fundamentar qualquer um destes critérios. A única possível exceção levantada
foi a questão da tuberculose. Como afirmam os Centros de
Controlo e Prevenção de Doenças, “os agentes de Saúde Pública podem,
geralmente, isolar indivíduos com doença tuberculosa se representarem uma
ameaça para a saúde pública”. Se foi estabelecida uma tal ameaça no presente
caso, então pode
justificar-se legalmente isolamento domiciliário ou internamento compulsivo.
Quanto ao risco de o doente vir
a transmitir a sua infeção pelo VIH aos familiares, creio que a melhor forma de
abordar isso não é pela revelação à família do diagnóstico de SIDA, mas sim
pelo cuidadoso ensino aos cuidadores familiares das “precauções universais” no
lidar com o sangue ou fluidos biológicos infetados [2].
Não restam dúvidas de que
informar a família do doente do seu diagnóstico – contra a sua vontade expressa
– seria tanto uma violação das atuais regras do Health Insurance Portability
and Accountability Act como do princípio ético de proteger a informação
confidencial do doente, na falta de autorização deste para a disponibilizar a
terceiros. A confidencialidade – apesar de não ser um direito absoluto mas
antes, realmente, mais um privilégio imposto por lei – não é legitimamente
“quebrada” a menos que haja (1) a obrigação legal de revelar informações
médicas, como, por exemplo, por intimação; ou haja (2) provas claras de dano
iminente para o próprio ou terceiros, como quando acontece uma situação do tipo
Tarasoff (por exemplo, um doente com perturbação psiquiátrica que ameaça lesar
alguém em concreto e o médico assume o “dever de avisar” ou de tomar outras
medidas para proteger o potencial alvo).
No caso do doente do Dr.
Wilner, não vejo qualquer fundamentação ética para informar a sua família do
diagnóstico de SIDA, contra os seus desejos. (Posso pensar de modo diferente se
me aperceber, por exemplo, de que o doente está a ter sexo desprotegido com um
cuidador – mas isto parece extremamente improvável, dado o estado debilitado do
doente). Dito isto, se após a morte do doente os familiares descobrem que o
diagnóstico de SIDA lhes tinha sido ocultado, talvez reajam indignados e até
procurem reparação jurídica; assim, será prudente pela parte do hospital ter
consultadoria legal ou forense sobre este ponto. Por último, embora a maioria
de nós possa compreender que o impulso para “chutar” este difícil doente para
fora do sistema de saúde, simplesmente dando-lhe alta sem seguimento médico
adequado, isso corresponderia ao seu abandono e, na minha opinião, uma violação
ética muito grave. Como nota o Dr. Carrese [1], “no caso de discordâncias médico-doente
irrevogáveis, os médicos devem tomar todas as medidas necessárias para
facilitar uma transferência efetiva de cuidados para outro médico”.
Uma Alternativa Possível?
Lembrei-me de uma alternativa
possível. Seria o doente aceitar ir ao hospital para, digamos, injeções mensais
de agentes antirretrovirais de longa duração, que poderiam resolver o dilema –
desde que sua família não ficasse a par da razão para essas injeções. Mas se,
por algum motivo, o doente recusar esta alternativa, transferi-lo para casa ou
um lar residencial pode ser adequado, partindo do princípio de que isso
satisfaz os critérios habituais para esses cuidados. Isto com a ressalva de que
continua com assistência médica, que a sua medicação “contra as complicações”
continua a poder ser administrada e partindo do princípio de que essas ações
são ainda considerados úteis pelo médico responsável.
Entretanto, se o doente tiver
de se apresentar ao Serviço de Urgência, Faith Lagay, PhD e Art Derse, MD, JD
afirmam claramente: “em qualquer caso, os doentes e feridos graves que recusam
tratamentos [em situações de emergência] devem receber cuidados de conforto e
não ser rejeitados por causa da sua recusa.” [3]
É claro que a abordagem da
equipa médica pode mudar rapidamente, se o doente estiver próximo da morte –
situação em que o objetivo deve ser exclusivamente “ cuidados de conforto”,
alívio da dor e do sofrimento, e apoio psicológico para o doente e para a sua
família.
Agradeço a oportunidade de ter
discutido este difícil e muitas vezes frustrante caso, e espero que as questões
éticas principais tenham ficado esclarecidas.
1. Carrese J. Refusal of care: patients' well-being and physicians' ethical obligations. JAMA. 2006;296:691-695.
2. Rodriguez R. Protect yourself as an HIV caregiver. Everyday Health. May 13, 2009.
3. Lagay F, Derse A. Through the physician's eyes: difficult patient-physician encounters in the emergency department. Virtual Mentor. 2001;3.