“A importância da
manifestação de vontade: reflexão sobre o testamento vital e a eutanásia”
Rosalvo Almeida e André
Dias Pereira, membros do CNECV *
As Diretivas Antecipadas de Vontade (Testamento
Vital e designação de Procurador de Cuidados de Saúde) e a Morte Medicamente
Ajudada (Eutanásia e Suicídio Assistido) estão intimamente relacionadas: seja
por se referirem ao final de vida, seja por se basearem no primordial princípio
da autonomia da pessoa doente.
Contudo, sobressaem diferenças essenciais: as DAV
são, fundamentalmente, manifestações negativas (recusas) e na MMA são positivas
(pedidos de atuação). Por outro lado, as DAV são documentos firmados antes de
ocorrerem os acontecimentos a que dizem respeito e na MMA há obrigação de repetidas
confirmações presenciais e atuais.
Acresce que os instrumentos legais que regulam
essas circunstâncias diferem bastante: as DAV foram aprovadas por unanimidade (Lei n.º 25/2012) no Parlamento e são
socialmente aceites, enquanto a MMA mereceu, apesar de aprovação maioritária (Lei n.º 22/2023), contestação social e
sucessivas reservas constitucionais.
O CNECV tem um longo acervo de posicionamentos (Pareceres
n.os 11/1995, 59/2010, 69/2013, 70/2013, 82/2015, 95/2017, 100/2018, 101/2018, 105/2019, 107/2020, 108/2020, 109/2020, 110/2020, 116/2022, 118/2022, 121/2023, 129/2024, 134/2025) em que ambas as
matérias são referenciadas, verificando-se que são predominantemente favoráveis
às DAV e desfavoráveis à MMA. De assinalar que está em preparação uma Tomada de
Posição sobre as DAV com eventual proposta de medidas para a sua melhor divulgação.
A manifestação antecipada de aceitar ou rejeitar
a participação em ensaios clínicos, caso a pessoa fique incapaz de subscrever o
consentimento informado e esclarecido, é abordada em alguns destes pareceres
como uma forma de ultrapassar constrangimentos e de facilitar decisões de
investigadores, tanto no sentido positivo quanto no negativo. O mesmo se pode
dizer no que diz respeito a decisões clínicas perante pessoas com problemas de
saúde mental (medidas de contenção, greves de fome ou tratamentos compulsivos).
A lei de despenalização da MMA não permite o
testamento vital eutanásico. Ou seja, no contexto de sofrimento intenso e
irreversível em fase terminal, e diante de solicitações reiteradas e atuais de
acesso a medicação letal, a existência de DAV não configura, por si só,
autorização suficiente para a prática da MMA. Contudo, tal documento pode
contribuir para a formação de juízo mais consistente acerca dos valores,
princípios e trajetória existencial do outorgante, servindo como elemento
complementar na avaliação da sua vontade esclarecida e persistente.
Resta uma questão de ordem procedimental sobre a
qual aparentemente não há certeza jurídica – como assegurar que uma DAV ou um
pedido de MMA é uma manifestação absolutamente livre e esclarecida, não
influenciada por fatores económicos ou apreciações afetadas emocional ou
psicologicamente? Importa salvaguardar que o sistema de saúde preserva o valor
da equidade e da justiça e que se cumpra o direito social à saúde, em todas as
fases da vida, para que nenhuma decisão seja condicionada por outros motivos.
Merece ainda referência a Lei n.º 31/2018, que regulamenta os
direitos das pessoas em contexto de doença avançada e fim de vida em
Portugal. Esta lei consagra o direito a não sofrer de forma
desproporcionada e prevê o acesso a cuidados paliativos, apoio espiritual,
apoio à família e a realização de testamento vital. l
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* O presente texto exprime
as opiniões dos seus autores, não tendo sido alvo de apreciação institucional
pelo CNECV, face às condicionantes de tempo e espaço decorrentes do honroso
convite da Ordem dos Advogados.
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