20 maio 2025

Opinião pública inglesa sobre Morte Medicamente Ajudada

Análise à Opinião Pública sobre Morte Ajudada na Inglaterra

Tradução espontânea do Resumo e Conclusões do relatório 

Exploring public views on assisted dying in England

Para aceder ao texto completo original, clicar AQUI

Resumo executivo

(páginas 7-11)

  Em 2023, o Nuffield Council on Bioethics (NCOB - https://www.nuffieldbioethics.org/) convocou o primeiro Júri de Cidadãos [Tribunal Cívico] para analisar a opinião pública sobre a eutanásia na Ingla­terra. Este processo revelou que uma clara maioria dos cidadãos está a favor de uma altera­ção na lei que permita a eutanásia. Após um extenso programa deliberativo, baseado em teste­munhos de espe­cialis­tas, defensores de ambos os lados e pessoas com experiência vivida nas questões, o Júri de Cidadãos concluiu que a lei deve ser alterada para permitir a morte ajudada para pessoas com doen­ças terminais. Não considera­ram que a morte ajudada deva ser permitida em quaisquer ou­tras circunstâncias, por exemplo, em casos de sofrimento intolerável. Foram unânimes em con­cluir que, independentemente de a lei ser alterada para permitir a morte ajudada, deve haver um pro­grama significativo de investi­mento e reforma nos cuidados paliativos.

Porquê conhecer a opinião pública em Inglaterra sobre a morte ajudada?

  Quando o NCOB dialogou com especialistas do governo e do setor de políticas de saúde, ficou claro a todos que seria muito útil ter dados robustos e detalhados sobre a opinião pública para informar o debate sobre a morte ajudada.

  O objetivo deste projeto foi, portanto, obter provas credíveis e bem fundamentadas sobre a opinião em relação à morte ajudada na Inglaterra. Isto foi feito com o objetivo de gerar um debate público informado sobre o assunto e incorporar as conclusões deste debate junto dos principais decisores políticos, de modo a informar as futuras políticas e práticas em matéria de morte ajudada.

Que métodos foram utilizados?

  Foi utilizado um programa de metodologias mistas para conhecer a opinião pública sobre a morte ajudada na Inglaterra. No centro do programa esteve um Júri de Cidadãos, precedido e seguido por dois Inquéritos representativos a nível nacional.

O que é um Júri de Cidadãos?

  Os Júris de Cidadãos são um método valioso para compreender as opiniões públicas quando:

1.      A questão ou área política envolve questões complexas, incertezas ou crenças e valores contraditórios.

2.      A decisão requer uma avaliação dos compromissos entre as diferentes opções políticas.

3.      Os decisores políticos não podem elaborar ou executar políticas sem compreender os valores, princípios e crenças de um público alargado.

  As pessoas são recrutadas para os Júris de Cidadãos de forma a refletirem em linhas gerais a demografia e as atitudes prévias do público em geral. É-lhes pedido que ouçam e ponderem os dados dispo­níveis, deliberem em conjunto, utilizem os seus valores para avaliar alternativas e tomem decisões, chegando a respostas fundamentadas às questões que lhes são colocadas. Os dados provêm de testemunhos especializados que foram preparados para fazer apresentações que proporcionem ao Júri um equilíbrio justo entre as provas mais relevantes.

Questões-chave e visão geral do processo

  As principais questões colocadas ao Júri foram:
  1. A lei na Inglaterra deveria ser alterada para permitir a morte ajudada?
● Quais são as razões mais importantes a favor da legalização da morte ajudada?
● Quais são as razões mais importantes contra a permissão da morte ajudada?
  2. Se a lei for alterada para permitir a morte ajudada na Inglaterra, o que deve incluir? O que deve excluir?
  3. Se a lei não for alterada para permitir a morte ajudada na Inglaterra, há alguma recomendação ou alteração que deva ser feita nas políticas de morte ajudada?
  O Júri de Cidadãos decorreu durante oito semanas, entre abril e junho de 2024. Durante um webinar e seis sessões (quatro online e duas presenciais), os membros do Júri exploraram em profundidade o tema da morte ajudada. Os membros do Júri passaram por um processo de aprendizagem, deliberação e tomada de decisão em três fases, escalonando as suas recomendações e elaborando uma declaração dos seus princípios e principais conclusões.

Este relatório

  Este relatório final do projeto apresenta uma análise qualitativa das conclusões do Júri de Cidadãos, expondo exaustivamente as suas deliberações. Apresenta as conclusões do Júri juntamente com as de dois Inquéritos representativos a nível nacional, quando estas acrescentam um con­texto importante. Em geral, isto proporciona uma visão clara do que pensa e sente uma amos­tra amplamente representativa da população inglesa sobre o tema da morte ajudada.

Quais foram as conclusões?

  A maioria dos membros do Júri (20 dos 28 membros votantes) e a maioria dos inquiridos (69% dos inquiridos no Inquérito 1 e 70% dos inquiridos no Inquérito 2) concordaram em que a lei em Inglaterra deveria ser alterada para permitir a morte ajudada.

As três principais razões apontadas pelos membros do Júri para alterar a lei foram:
● Parar a dor
● Ter a opção de acabar com a própria vida
● Saber que pode morrer com dignidade.

  Esses pontos foram repetidos pelos participantes do Inquérito 2 que apoiam uma alteração na lei, cujas principais explicações para quererem uma alteração na lei foram as seguintes:
● Uma pessoa com uma doença terminal ou sem qualidade de vida deve poder decidir sobre a sua morte
● As pessoas não deviam ter de sofrer
● As pessoas devem ter o direito de optar pela morte ajudada.

  Escolha, autonomia e liberdade foram três conceitos fundamentais que estiveram na base das principais razões apresentadas pelos membros do Júri para alterar a lei inglesa sobre a morte ajudada.
  A análise qualitativa das deliberações do Júri de Cidadãos revelou que as razões mais importantes contra uma alteração da lei identificadas pelo Júri foram:
● A preocupação de que as salvaguardas não sejam suficientemente fortes para proteger os mais vulneráveis da sociedade contra a coação ou outras formas de pressão para que recorram à morte ajudada.
● O desvalorizar a vida à medida que a morte ajudada se torne normalizada.
● Uma constante expansão de critérios, à medida que as contestações à lei vão esvaziando os critérios originalmente bem definidos.
● Que os fundos necessários para a criação de serviços de morte ajudada sejam retirados dos recursos já limitados disponíveis para cuidados paliativos em fim de vida.

  As salvaguardas foram uma preocupação fundamental para todos os membros do Júri ao longo do processo, independentemente de concordarem ou não com uma alteração na lei. Tanto os mem­bros do Júri como os inquiridos no Inquérito 2 afirmaram que uma preocupação em relação a qualquer alteração na lei era a possibilidade de haver consequências indesejadas. Por exemplo, os membros do Júri afirmaram que não querem que a criação de um serviço de morte ajudada em Inglaterra retire fundos existentes dos cuidados sociais e paliativos.

  Os membros do Júri solicitaram o envolvimento de vários especialistas, incluindo juristas, peri­tos em assistência social e psicólogos, para a elaboração de um quadro de salvaguardas prévias à introdução de qualquer legislação. Se isso acontecer, consideraram que a sociedade teria mais confiança em que o devido processo teria sido seguido e que as pessoas vulneráveis seriam efetivamente protegidas.

Critérios para a morte ajudada

  Tanto as conclusões do Júri de Cidadãos como as conclusões do Inquérito revelam apoio a:
● Só serem elegíveis para a morte ajudada pessoas que tenham capacidade mental para tomar as suas próprias decisões.
● Restringir a morte ajudada a condições terminais.
- Os membros do Júri não chegaram a um consenso sobre um prazo específico para o prognóstico, enquanto 70% dos participantes do Inquérito 2 restringiram esse prazo a um prognóstico de seis meses.
● Excluir a doença mental dos critérios de elegibilidade para a morte ajudada.

  No que diz respeito às modalidades de morte ajudada, há também um consenso entre o Júri e os par­ticipantes do Inquérito quanto a:
● Ambos os modos de morte ajudada serem permitidos por lei, com profissionais de saúde a poderem prescrever ou administrar drogas letais destinadas a pôr fim à vida de um doente a seu pedido voluntário.
● Envolvimento dos profissionais médicos no processo de acesso à morte ajudada.
● As pessoas devem poder escolher onde querem que a morte ajudada ocorra, permitindo-lhes escolher um local onde se sintam confortáveis e seguras e possam estar com os seus entes queridos.

  Independentemente de a lei sobre a morte ajudada na Inglaterra ser alterada ou não, os membros do Júri e os participantes do Inquérito concordam em que é necessário mais financiamento, prioridade e foco na prestação de cuidados paliativos de alta qualidade, orientação e assistência emocional a todas as pessoas que se aproximam do fim da vida ou que cuidam de alguém com um diagnóstico terminal:
● Os membros do Júri manifestaram forte apoio a um aumento do financiamento destinado melhorar a qualidade e disponibilidade dos cuidados paliativos do Serviço Nacional de Saúde (SNS).
● 97% dos inquiridos no Inquérito 2 pediram um aumento do financiamento para melho­rar a qualidade e a disponibilidade dos cuidados paliativos do SNS; 81% apelaram à garantia da continuidade dos cuidados com o seu médico de família e 80% ao compromisso do go­verno em apoiar os prestadores de cuidados domiciliários.

  O Júri e os participantes do Inquérito também se mostraram favoráveis a:
● Aumento do debate público aberto sobre a morte e o processo de morrer – os membros do Júri e a maioria dos inquiridos no Inquérito 2 afirmaram que deveria haver um debate na­cional contínuo para apoiar o elaboração de qualquer nova legislação e a sua aplicação.
● O Júri afirmou que apoiar um amigo ou familiar a viajar para pôr fim à sua vida numa clí­nica de morte ajudada noutro país deve ser descriminalizado. A maioria dos inquiridos no Inqué­rito 2 também apoiou esta medida.
● Os membros do Júri também querem que os profissionais de saúde possam aconselhar as pessoas que procuram morte ajudada numa clínica de morte ajudada noutro país, uma opi­nião com a qual 66% dos inquiridos no Inquérito 2 concordaram.

  Existem opiniões divergentes sobre alguns critérios de elegibilidade:
Idade:
● Alguns membros do Júri afirmaram que os menores de 18 anos deveriam ter direito à morte ajudada se tivessem uma doença terminal e o apoio dos pais para tomar essa decisão.
● Outros membros do Júri votaram contra a elegibilidade de menores de 18 anos para a morte ajudada, citando preocupações sobre a sua capacidade e maturidade para tomar uma decisão tão importante.
● No Inquérito 2, 57% apoiaram a possibilidade de morte ajudada para menores de 18 anos com uma doença terminal, mas este valor cai para 47% se a criança não tiver uma doença terminal.
Condições de residência:
● Alguns membros do Júri defendiam veementemente que apenas os residentes na Inglaterra deveriam ter direito à morte ajudada na Inglaterra.
● Para outros membros do Júri, isso não era um problema, pois afirmaram que os não resi­dentes pagariam pelo serviço, gerando receita para o SNS.
● No Inquérito 2, 51% dos inquiridos eram favoráveis a que os não residentes em Inglaterra com uma doença terminal fossem autorizados a viajar para o país para obter morte ajudada, desde que pagassem por esse serviço. 39% opunham-se a que os não residentes fossem elegí­veis para a morte ajudada.

  Os membros do Júri discutiram quais os requisitos que esperariam em diferentes fases do processo de acesso à morte ajudada, caso esta fosse legalizada.
  Entre estes incluíam-se:
● Serviços de aconselhamento facilmente acessíveis e claramente sinalizados, incluindo aconselhamento e assistência espiritual para apoiar a tomada de decisão antes de um pedido formal de morte ajudada ser feito.
● Avaliações psicológicas realizadas repetidamente para garantir que a decisão da pessoa é definitiva e que não está a ser coagida.
● Um período de reflexão: há opiniões divergentes sobre se este deve ser um período padrão ou se deve ser permitida alguma flexibilidade quando a esperança de vida do doente é curta.

  Para os membros do Júri e os participantes do Inquérito, foi essencial que qualquer nova legislação tenha:
● Limites bem definidos para proteção dos cidadãos vulneráveis e garantia de medidas de salvaguarda robustas, como partes nucleares da legislação.
● Diretrizes de aplicação incorporadas.
● Clareza sobre o que é e o que não é permitido pela lei.

 O Júri considerou que um tema tão importante para a sociedade como a morte ajudada deve ser pensado a nível social, independentemente de opiniões, interesses e preferências individuais, e ter em conta uma perspetiva de benefício público. Isto significa que os decisores políticos devem ponderar cuidadosamente se uma alteração da lei trará benefícios para a sociedade em geral.

[…]

Temas principais e conclusões

(páginas 86-87)

A lei na Inglaterra deve ser alterada para permitir a morte ajudada?

   Sim, a maioria dos inquiridos e a maioria dos membros do Júri de Cidadãos responderam que a lei em Inglaterra deveria ser alterada para permitir a morte ajudada.

   As salvaguardas e a rigorosa gestão mereceram destaque. Os mem­bros do Júri propuseram o envolvimento de diversos especia­listas na elabo­ração de um quadro de salvaguardas, antes da introdução de qualquer legislação. O objetivo é garantir a confiança da socie­dade e proteger as pessoas vulneráveis.

Quais são as razões mais importantes para uma alteração na lei?

   Ao refletir sobre as razões de princípio para uma alteração da lei, os participantes em ambos os elementos do projeto chegam a conclusões semelhantes:
● Prevenção da dor.
● Pôr fim ao sofrimento de pessoas com uma doença terminal.
● Dar segurança à escolha.

Quais são as razões mais importantes contra uma alteração da lei?

   De forma semelhante, ao refletir sobre as razões de princípio contra uma alteração da lei, os participantes partilharam a opinião de que:
● Proteger os mais vulneráveis da sociedade é fundamental, mas pode ser muito difícil de alcançar, ou mesmo impossível, se a lei for alterada.
● Aprovar uma alteração na lei poderia levar a que a morte ajudada seja vista como uma alternativa normal aos cuidados paliativos, o que con­sideraram inaceitável.
  Alguns expressaram a opinião de que é sempre errado tirar uma vida.

Se a lei for alterada, quais devem ser os critérios de elegibilidade aplicáveis?

   Tanto os participantes do inquérito como os membros do Júri apoiaram:
● Restringir a morte ajudada a pessoas com doenças terminais – com os participantes do inquérito a apoiarem um prognóstico de 6 meses e o Júri a não chegar a um acordo claro sobre os prazos.
● A doença mental deve ser excluída como critério de elegibilidade.
● Pessoas com capacidade mental para solicitar a morte ajudada – uma capacidade que é avaliada durante o processo de aprovação.
   Houve menos consenso sobre se os seguintes casos deveriam ser elegíveis para solicitar morte ajudada:
● Menores de 18 anos
● Pessoas que não são residentes em Inglaterra.

Se a lei for alterada, quais os modos e processos de morte ajudada que devem ser permitidos?

   Muitos membros do Júri concordam em que:
● Tanto a morte ajudada por um médico (prescrição) como a eutanásia voluntária (administração) devem ser permitidas.
● Os profissionais de saúde devem estar envolvidos no processo de morte ajudada.
● As pessoas devem poder escolher onde a morte ajudada pode ocorrer.
● Devem estar disponíveis serviços de aconselhamento, informação e outro tipo de apoio às pessoas que procuram e são elegíveis para a morte ajudada, bem como aos seus familiares, quando apropriado.
● É necessário um processo formal para solicitar a morte ajudada.
● Avaliações psicológicas repetidas são essenciais para garantir que a opinião do doente está definida e para testar se houve coação.
● Um período de reflexão daria à pessoa que solicita a morte ajudada a oportunidade de refletir sobre a sua decisão.
   Foram expressas várias opiniões sobre as diretivas antecipadas, com alguns a verem valor na possibilidade de expressar uma preferência antes de uma condição ser terminal e outros a temerem que o pedido possa ser mal interpretado ou ser demasiado inflexível, impedindo as pessoas de mudar de opinião quando se aproximar o momento.

Quais são as razões mais importantes para uma alteração na lei?

   Os membros do júri e os participantes do inquérito pediram:
● Melhorias substanciais nos cuidados de saúde, sociais e paliativos através do financiamento e de uma distribuição mais equitativa dos serviços.
● Um debate público continuado sobre a morte, o processo de morrer e a morte ajudada. O objetivo é sensibilizar, informar sobre as políticas e a sua implementação e garantir que os cuidados paliativos continuam a ser uma prioridade na agenda política.
● O ato de levar um amigo ou familiar para viajar a uma clínica de morte ajudada no estrangeiro deve ser descriminalizado, acabando com a incerteza.

Para aceder ao texto original completo, clicar AQUI

Sem comentários:

Enviar um comentário