Porto Biomed. J. 2017;2(6):247–249
Implicações para a saúde mental e a paz mundial
Óscar F. Gonçalves, Paulo S. Boggio
Neuropsychphysiology Lab, School of Psychology University of Minho , Portugal
Spaulding Center for Neuromodulation, Spaulding Rehabilitation Hospital – Harvard Medical School, USA
Social and Cognitive Neuroscience Laboratory, Mackenzie Presbiterian University, Brazil
Tradução espontânea sem fins lucrativos do artigo
Is there a T.R.U.M.P. brain? Implications for mental health and world peace
publicado em Porto Biomedical Journal em 2017
Resumo - Os neurocientistas começaram a investigar se diferentes atitudes políticas estão associadas a marcadores específicos da mente e do cérebro. Neste artigo, baseamo-nos na investigação da neurociência política para ilustrar brevemente a estrutura e a função de uma mentalidade ameaçadora, reacionária, rancorosa, maquiavélica e partidária (T.R.U.M.P. = Threatening, Reactionary, Unforgiving, Machiavellian, and Partisan). Além disso, discutimos, com base na neurociência e em comprovações clínicas, como contrariar a mentalidade T.R.U.M.P.
A investigação em neurociência da personalidade está a ajudar a identificar tipologias mente-cérebro associadas a atitudes estáveis em relação a acontecimentos atuais e a perspetivas em relação ao futuro da humanidade neste planeta. Com base nestes conhecimentos, os neurocientistas começaram a investigar se diferentes atitudes políticas estão associadas a marcadores mente-cérebro específicos. Neste artigo, baseamo-nos na investigação da neurociência política para ilustrar brevemente a estrutura e a função de um padrão de mentalidade T.R.U.M.P..
T [threatening] - A neurociência de uma mentalidade política “ameaçadora” - Dados de extensas meta-análises mostraram que o “medo” (em resposta à ameaça e à ansiedade relacionada com a morte) é uma emoção central no conservadorismo político. O medo prepara o indivíduo para uma resposta de luta ou fuga. Quanto maior for o medo, mais restrito se torna o nosso foco de atenção. A nossa atenção torna-se altamente seletiva em relação a quaisquer ameaças potenciais, preparando estratégias de evitamento ou de ataque. A perceção constante do medo é o elemento-chave no desenvolvimento de uma mentalidade “ameaçadora”. Kanai e colegas mostraram que níveis elevados de conservadorismo estão associados a uma amígdala direita maior (uma região com um papel central no processamento do medo).
Globalmente, a indução do medo parece ser responsável por um padrão
mente-cérebro caracterizado como “ameaçador”, levando os indivíduos a adotar
uma posição política de direita num eixo liberal-conservador.
R [reactionary] - A neurociência de uma mentalidade política “reacionária” - Um padrão mente-cérebro “reacionário”, tal como ilustrado no conservadorismo político, tem sido referido como estando correlacionado negativamente com atitudes como a abertura à experiência, a tolerância à incerteza e a complexidade integrativa. É interessante notar que estas variáveis psicológicas estão associadas a padrões específicos de atividade cerebral. Há provas de que os indivíduos que obtêm uma pontuação mais elevada no conservadorismo são menos reativos a estímulos que exigem flexibilidade para alterar os padrões de resposta habituais. Isto foi ilustrado pela diminuição da atividade no cíngulo anterior (uma região do cérebro importante para a tomada de decisões e a escolha entre resultados alternativos) em resposta a estímulos contraditórios. Por outras palavras, uma mentalidade “reacionária” parece ser menos sensível quando reage a situações novas, ambíguas e complexas. Estes resultados sugerem que uma mentalidade “reacionária” pode ser menos sensível ao contexto e mais propensa a confiar em padrões de comportamento inflexíveis. Mais importante ainda, uma mentalidade menos aberta à experiência é mais propensa ao neuroticismo e, por conseguinte, mais sensível a sinais de ameaça. A adoção de uma mentalidade “reacionária” leva à restrição do foco de atenção e pode levar o indivíduo a sobrestimar a ocorrência de estímulos perigosos e a subestimar a probabilidade de sinais neutros ou seguros.
U [unforgiving] - A neurociência de uma mentalidade política “rancorosa” - Uma mentalidade “rancorosa” é dominada por sentimentos e atitudes de vingança e comportamento retaliatório. A vingança foi associada a um aumento da reação do núcleo estriado dorsal, uma região do cérebro geralmente associada ao processamento de recompensas. Há, portanto, elementos que sugerem que um subconjunto de indivíduos com hipersensibilidade à ameaça, caracterizada por uma maior ativação da amígdala, compensa experimentando um maior prazer na vingança e um pico correspondente na ativação do núcleo estriado. Se for este o caso, um conjunto mente-cérebro ameaçador acaba por ser reforçado positivamente pela “doce” recompensa dopaminérgica da vingança e, consequentemente, por uma atitude implacável para com os outros. Escusado será dizer que a vingança, por sua vez, reforça o alerta para possíveis ameaças, alimentando este interminável círculo vicioso.
M [Machiavellian] - A neurociência de uma mentalidade política “maquiavélica” - Até agora, descrevemos um padrão mente-cérebro fortemente caracterizado por uma resposta “ameaçadora” (amígdala hiperativa), “reacionária” (diminuição da ativação no cíngulo anterior) e compensatória do ponto de vista emocional com uma resposta “rancorosa” (maior processamento de recompensas no núcleo estriado dorsal associado à vingança). Um quarto elemento, a mentalidade “maquiavélica”, é dominado pela manipulação narcísica em benefício próprio.
Os maquiavélicos tendem a tirar partido dos
parceiros cooperantes num jogo de confiança, com um padrão de ativação em
regiões associadas à inibição de uma resposta socioemocional pré-pôntica (como
o córtex pré-frontal lateral dorsal) e à utilização de estratégias
competitivas/avaliativas (na circunvolução frontal inferior).
Uma
mentalidade “maquiavélica” persegue constantemente o estatuto e a riqueza,
baseando-se na manobra e na manipulação. Os maquiavélicos são particularmente
hábeis em tirar partido de indivíduos vulneráveis e cooperantes através da
ativação de regiões cerebrais associadas à inibição do comportamento pró-social
e ao aumento das respostas competitivas.
P [partisan] - A neurociência de uma mentalidade política “partidária”- O pensamento partidário é caracterizado por uma forte fidelidade ao grupo, que contrasta com a persistência de um preconceito negativo em relação aos membros de um grupo externo. Uma mentalidade “partidária” discrimina os indivíduos de um grupo externo, estigmatizando-os como uma fonte de ameaça. Consequentemente, os membros do grupo exterior tornam-se objeto de manipulação e de atitudes vingativas. Em contrapartida, os membros do grupo interno são tratados com indulgência, mesmo quando se verifica um comportamento injusto.
Os seres humanos experimentam um emparelhamento ação-perceção em que tanto o ator como o observador tendem a partilhar as mesmas redes neuronais. Este parece ser um dos mecanismos centrais subjacentes à empatia. No entanto, esta associação parece ser menos evidente em díades fora do grupo, nomeadamente em indivíduos com uma mentalidade “partidária”. Estes indivíduos têm dificuldade em desenvolver uma ligação neuronal com os outros, mesmo quando assistem ao sofrimento. Por exemplo, quando os indivíduos observam imagens de membros de um grupo que não pertencem ao seu grupo e que estão a sofrer, têm uma ativação reduzida nas regiões cerebrais relacionadas com a dor, em comparação com os do seu grupo, normalmente na chamada matriz da dor – o cíngulo anterior e a ínsula anterior.
Como
contrariar a mentalidade T.R.U.M.P.?
A questão
relevante agora para o psicólogo, clínico e cidadão socialmente responsável é
saber se há alguma coisa que possamos fazer para contrariar a atual pandemia de
mente-cérebro T.R.U.M.P. Felizmente, existem atualmente provas abundantes de
que os nossos cérebros são altamente plásticos e podem adaptar-se em resposta a
mudanças de contexto, psicológicas e sociais. Vamos ilustrar brevemente três
mensagens para levar para casa que estão bem fundamentadas tanto em evidências
clínicas como em investigação neurocientífica.
Modificar
os vieses de atenção
Uma mentalidade “ameaçadora” pode ser contrariada redirecionando persistentemente a atenção do “perigo/medo” para sinais de “segurança”. As intervenções clínicas como a “Attentional Bias Modification” são eficazes para diminuir o estado de alerta, aumentar a procura positiva e reverter as alterações cerebrais causadas pelo excesso de ansiedade.
Proporcionar
um ambiente estimulante
A importância de contextos acolhedores para inverter os efeitos neurotóxicos do stresse crónico e agudo tem sido repetidamente demonstrada. As intervenções destinadas a promover a bondade, a gratidão e o otimismo (por exemplo, “Positive activity intervention”) são particularmente eficazes na redução de algumas caraterísticas da mentalidade T.R.U.M.P. (por exemplo, ameaçadora, rancorosa).
Aumentar
a sensibilidade interpessoal
Por último, a exposição dos indivíduos a contextos interpessoais diversos e a formação em empatia podem ajudar a aumentar a sensibilidade para com os outros grupos e a prevenir o desenvolvimento de atitudes narcisistas, vingativas e manipuladoras.
Com o amadurecimento da neurociência
política, estamos a compreender melhor algumas das caraterísticas mente-cérebro
subjacentes às diferentes atitudes políticas. Mais importante ainda, estamos a
começar a compreender os mecanismos responsáveis por um padrão mente-cérebro
ameaçador, reacionário, rancoroso, maquiavélico e partidário (T.R.U.M.P.). Mas,
acima de tudo, ao basearmo-nos em provas da psicologia e da neurociência,
podemos começar a conceber estratégias para promover um cérebro que seja
generoso, afetuoso, cuidador, altruísta, humanista e interpessoal (G.A.N.D.H.I.
= Giving, Affectionate, Nurturing, Decentered, Humanistic and Interpersonal).
Dada a “coincidência” deste acrónimo, terminemos com o sábio aviso de Mahatma
Gandhi: “Olho por olho deixará todo o mundo cego”. <
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