Demência
Frontotemporal
Para
este espectador ocasional, Bruce Willis era uma força quase invencível,
vigorosa, vital, um dos “imortais”. Infelizmente, com o seu diagnóstico de DFT,
sabemos que mesmo um duro como Willis, agora com apenas 67 anos de idade, pode
ter de suportar anos de declínio progressivo. Se a doença seguir o seu caminho
típico, isso incluirá provavelmente desligar-se lentamente e perder
progressivamente o juízo e controlo emocional, bem como perder a compreensão
razoável do que está a acontecer ou porquê. Pode também sofrer uma deterioração
progressiva do controlo das funções corporais e da saúde em geral.
A maioria das pessoas com demência perde as
suas capacidades neurocognitivas por uma série de vias diferentes, todas elas
resultando em diminuição do cérebro, desconexão, neuropatologia óbvia,
expressões neurocomportamentais de perda e manifestações de confusão. A doença
de Alzheimer lidera a lista como a forma mais comum de demência, mas demências
vasculares, demências com corpos Lewy, demências “mistas”, demências associadas
a Parkinson, Huntington ou outras doenças, demências resultantes de alcoolismo
ou outras agressões cerebrais, doença de Lyme, VIH ou uma série de outras infeções cerebrais ou
de encefalopatias traumáticas (crónicas ou recentes) estão presentes em
qualquer clínica de neurologia ativa. Estas são as chamadas “demências do avô” –
os tipos mais frequentemente associados à velhice.
A demência
frontotemporal é uma variante particularmente interessante por várias razões.
Primeiro, surge habitualmente em indivíduos relativamente jovens, com sintomas
iniciais pelos 50 ou 60 anos. Na maioria dos casos,
não há qualquer explicação genética e, com raras exceções, sem qualquer outra
explicação de origem – exceto a velha resposta médica: má sorte.
Em segundo lugar, a DFT tem pouco impacto
inicial na memória mais ampla do doente e nas capacidades cognitivas
associadas. O doente tropeçará para chegar à palavra seguinte e acabará por lentificar
o seu discurso à medida que o seu cérebro se debate com a fluência verbal;
lutará para traduzir os seus sentimentos e emoções em ações rápidas e
apropriadas expressas na sua mente e no seu corpo físico, enquanto a sua
memória parecerá intacta.
Em todas as outras demências, as perdas
cognitivas podem ser profundas, enquanto o controlo social e emocional e a
produção volúvel da fala são geralmente mais bem mantidas. Imagine o impacto que estas lutas na fluência
verbal e na calibração e resposta emocional devem ter num ator experiente.
Segundo todos os testemunhos, Willis prosseguiu vigorosamente o trabalho que
amava até ao momento do seu diagnóstico de demência, mesmo quando os seus
colegas viram quase de certeza que ele estava a lutar. Infelizmente, a falta
desse tipo de autoconhecimento é uma consequência esperada da DFT.
A
Rede de Saliências e os Neurónios von Economo
Terceiro e mais intrigante para um ‘cromo’
neurocientífico, como eu, é que os doentes com DFT sofrem uma perda inicial de
uma população especial de neurónios corticais localizados dentro da rede de
saliências do nosso cérebro, os chamados neurónios von Economo. Essa rede está
concebida para ler e avaliar rapidamente os nossos pensamentos e emoções
complexas e, através desses neurónios, iniciar respostas neurológicas e físicas
adequadas.
Partilhamos este instrumental
com grandes símios, baleias, elefantes e algumas
espécies de mamíferos especialmente sociais.
Quando vemos ou ouvimos ou sentimos algo que
induz medo, alarme ou uma potencial recompensa, a rede de saliências no nosso
cérebro atua como uma espécie de porteiro. Primeiro, avalia a situação
emergente ou em mudança, depois inicia rapidamente uma resposta emocional e
física. Ao sentar-me com um doente em óbvia aflição no meu consultório, a minha
rede de saliências aciona um sinal de alarme empático. O meu cérebro e o meu
corpo ajustam-se imediatamente para iniciar reações simpáticas adequadas. Os
neurónios von Economo – aqueles mesmos neurónios que morrem significativamente
num cérebro com DFT – são os vetores deste sistema de resposta rápida de
emoções e de sinais corporais complexos.
A resposta emocional controlada está no âmago
da nossa humanidade. É um triste dia quando a perdemos.
Noutras condições
clínicas neurológicas marcadas pela perda de células cerebrais específicas,
diferentes formas de “atrofia por falta de uso” estão em parte na sua origem.
Não sabemos se é esse o caso da demência frontotemporal. Os cientistas têm
demonstrado que formas específicas de exercícios cerebrais computorizados podem
aumentar acentuadamente os níveis de atividade na rede de saliências, o que está ligado a melhorias no controlo
regulatório do sistema nervoso autónomo – um dos principais alvos mediadores de
resposta dos neurónios von Economo da rede.
Curiosamente, os
gerontes que mantêm a saúde do corpo e do cérebro na casa dos 90 (e mais além)
morrem com um conjunto completo de neurónios von Economo a operar alegremente numa rede de saliências
ainda vigorosa.
Enquanto neurocientista posso antever que chegaremos a um dia em que avaliaremos rotineiramente a integridade deste importante sistema cerebral e manteremos de forma mais fiável a sua boa saúde. Manter esses neurónios muito especiais vivos teria provavelmente permitido que Willis se mantivesse em palco e na sua melhor forma durante muito tempo. Infelizmente, como tantas coisas na medicina, é só uma promessa. Mas neste momento para este famoso doente, a nossa ciência médica atual parece estar um dia atrasada e ter um dólar a menos.
* Michael Merzenich, PhD, é
frequentemente creditado pela descoberta da plasticidade ao longo da vida,
sendo o primeiro a aproveitar a plasticidade para benefício humano (na sua
co-invenção do implante coclear), e por ser pioneiro no campo do exercício cerebral
computorizado baseado na plasticidade. É professor emérito na UCSF e Laureado
Kavli em Neurociência, e tem sido homenageado pelas Academias Nacionais de
Ciências, Engenharia e Medicina dos EUA. É mais conhecido por uma série de
programas especiais sobre o cérebro na televisão pública. O seu foco atual é BrainHQ, uma aplicação de exercício cerebral.