05 agosto 2019

Não pode ser!

 
Público, 05.08.2019

Estou indignado. Em tempos de costumeira indignação geral, que a velocidade e dimensão das redes sociais tanto fomentam, sinto-me compelido a expressar a minha indignação num meio clássico mesmo que duvide que consiga apoios suficientes para produzir efeitos neutralizadores. 

O sindicato independente dos médicos e a ordem dependente dos médicos recomendam aos profissionais que transferiram responsabilidades para o Estado se algo correr mal em resultado do exercício das suas obrigações. 

Contudo, parece que alguém se está a esquecer (Código Deontológico)  de que “o médico é responsável pelos seus atos” e que, “nas equipas multidisciplinares, a responsabilidade de cada médico deve ser apreciada individualmente”. 

Afirmar não ser responsável pelos seus atos, atirando a culpa para cima, invocando as condições em que se trabalha, pode ser visto de dois modos: (a) se a atitude é permanente, representa uma cega assunção de irresponsabilidade, não compaginável com o mínimo de profissionalismo que se exige; (b) se se trata de uma situação nova, diferente da habitual, faz parecer que o alijar de responsabilidades tem o objetivo único de radicalizar a luta contra os alegados novos responsáveis. 

Temos vindo a assistir a uma radicalização das exigências, com recurso a greves cruéis e eticamente insustentáveis, e vemos agora que a mistura de interesses corporativos, sindicais e políticos está a tornar indiferenciável a imagem dos profissionais da saúde da dos camionistas. 

Indignado, insurjo-me contra a deriva catastrofista de quem devia antes apelar ao profissionalismo, recomendando acréscimo de atenção aos doentes atendendo às difíceis condições em que se labora. 

As organizações que defendem os interesses dos profissionais não podem dizer-lhes que não se importem com o que suceda e que a responsabilidade há de ser assacada a outros. Além do mais, não é verdade: em caso de acidentes ou erros de atuação, a responsabilidade profissional, disciplinar e mesmo penal não se apaga em relação aos agentes envolvidos. 

As organizações que defendem a qualidade do exercício de uma profissão, fazendo-o em nome do bem comum, têm o dever de pugnar por melhores condições de trabalho mas não deviam estimular comportamentos que tornam ainda mais arriscado o exercício. 

Abaixo as greves na Saúde! Fim à conflitualidade! Denuncie-se o que está mal e procurem-se soluções! É preciso captar a simpatia das pessoas que confiam nos profissionais — não é hora de juntar a voz à gritaria! Pim!