10 maio 2015

Testamento Vital, Corredores e Barreiras

 

Testamento Vital, Corredores e Barreiras 

John G. Carney, MEd, President and CEO, Center for Practical Bioethics

Tradução espontânea de Living Wills, Greyhounds and Goalposts

Durante anos, tive curiosidade em saber se as pessoas não entregavam Diretivas Antecipadas de Vontade e não nomeavam Procuradores de Cuidados de Saúde por mero adiamento de decisão ou por um falso sentimento de confiança de que têm muito tempo para tratar disso mais tarde.

A verdade é que, se só se faz quando tem de ser feito, é provável que não se faça bem. Nomear alguém para nos representar em cima de uma crise pode ser francamente cruel, nomeadamente quando temos de partilhar muita coisa que é realmente importante para nós.

Partilhar o que é importante

Que coisas são essas? Bem, são cruciais e monumentais. Podem ser coisas como saber quão importante é para nós rir, falar, partilhar e mesmo “ser”. Não se consegue chegar lá quando estamos ligados a sondas de alimentação. Pensemos por exemplo no que significa partilhar uma refeição. É um meio para alcançar um fim ou é um fim em si?

Uma vez partilhei uma casa com um amigo solteiro mais velho do que eu e jurei que em casa ele não cozinharia nada que não viesse numa caixa e pudesse ir ao micro-ondas. Pela minha parte, comecei a cozinhar sempre usando cebolas e alho em azeite. A comida tinha, para nós, significados completamente diferentes e isso tornou-se evidente para mim quando conversámos sobre o início precoce do Alzheimer do seu pai e vi como ele passou a encarar o tema das sondas de alimentação quando tal aconteceu no seio da sua família.

Portanto parem de se preocupar com uma sonda em cada orifício! Pensemos antes sobre a partilha do que acima de tudo queremos – mesmo no fim. Não nos preocupemos em preencher uma diretiva antecipada (também conhecida como Testamento Vital) ao ponto de ficarmos paralisados. Em vez disso, dediquemo-nos a partilhar com alguém que nós amamos, que se interessa pelo que é importante para nós e que pensa como nós sobre a vida em geral, nomeadamente em fases finais. Centremo-nos no positivo – os aspetos mais gratificantes da nossa vida. Não se trata de uma “lista fúnebre” de itens mas antes de partilhar valores e convicções. O que significam para nós relações, solidão, fé, natureza, afirmação pessoal, arte, trabalho, música e família?

Quando assim acontecer, peça a essa pessoa para ser o seu Procurador. E então prometa a essa pessoa que voltará a falar-lhe no prazo de um ou dois anos – ou se acontecer algo de muito importante na sua vida – desde o nascimento de uma criança ao diagnóstico de uma doença grave. A vida corre e, enquanto os nossos desejos e sonhos podem modificar-se, contentemo-nos com o facto de que os valores – crenças reais sobre a vida e o amor – permanecem os mesmos. Mas não presuma que mesmo os que nos são muito próximos sabem isso tudo.

Reconhecer Corredores e Barreiras

Ao longo dos anos percebi que há dois síndromos muito importantes com que todos nós lidamos de modo diferente. Um é o chamado “Síndromo dos Corredores Velozes” [greyhounds = galgos]. É o fenómeno em que, por vezes, vivemos a grande liberdade do anonimato de sermos um perfeito desconhecido (num autocarro viajando através do país), partilhando os nossos pensamentos mais profundos mais livremente do que alguma vez fizemos com quem partilhamos tudo ao longo da vida. Os voluntários de lares de idosos podem maravilhar-nos com histórias que ouvem, nunca antes reveladas, de doentes em fim de vida. Não são necessariamente segredos obscuros do nosso passado ou sequer tesouros escondidos nunca verbalizados. Algumas são partilhas valiosas antes da morte; outras são relativas ao funeral. É preciso ver bem o que é o quê.

O outro síndromo é chamado das “Barreiras” [goalposts = traves de baliza]. Este fenómeno acontece quando algumas condições ou estados de saúde futuros podem parecer inaceitáveis numa dada altura da nossa vida e muito mais aceitáveis noutras ocasiões. É por isso que preencher quadradinhos e listas em formulários de Testamento Vital não funciona bem para pessoas em relativa boa saúde. Contudo os pensamentos, valores e convicções funcionam sempre.

Ter uma conversa sobre cuidados hoje

Decida-se e partilhe as suas histórias com alguém que ama. E, no dia 16 de abril, no Dia Nacional das Decisões Sobre Cuidados de Saúde, tenha uma conversa sobre cuidados. Escolha um Procurador. Comece por falar sobre o que mais lhe interessa e não transforme a discussão em algo deprimente e triste. Pense nisso como uma dádiva para quem ama, que leve à paz de espírito para eles e para si. Porque provavelmente assim será – certamente mais provável do que se deixar as coisas correrem ao acaso. Perto de 85% de nós há de confiar em alguém que torne conhecidas as nossas vontades.

Pense bem e torne o que lhe parecia macabro e mórbido num momento maravilhoso e glorioso. Pode mesmo descobrir qualquer coisa sobre um ente querido que ajude ambos agora e para sempre.