01 maio 2015

Sedação paliativa


Sedação paliativa
Tradução espontânea de 2 textos encontrados em Gènétique1ersite d’actualité bioéthique, de 2015.

Em Portugal a Sedação paliativa está prevista na Lei n.º 31/2018, de 18 de julho, que a define como um dos «direitos das pessoas em contexto de doença avançada e em fim de vida»

A SEDAÇÃO "É UMA PARALISIA, NÃO UM SONO" 
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Sylvain Pourchet, antigo diretor da Unidade de Cuidados Paliativos do Hospital Paul-Brousse em Villejuif, foi entrevistado pelo Ouest-France sobre o novo direito à sedação profunda e contínua criado pela proposta de lei Leonetti-Claeys. Sylvain Pourchet começa por limitar o debate ao precisar que o fim de vida não é sinónimo de sofrimento e que "a agonia não é forçosamente dolorosa". Recordou igualmente que "é natural morrer" e que morrer não é, em si, uma doença. À pergunta de se saber se a sedação é uma boa solução para evitar que o doente sofra no fim de vida, responde: "Não pensem que o fim de vida é doloroso e que o seu tratamento é a sedação. As coisas não são assim", pois a sedação "é uma paralisia, não um sono". A sedação pode ser utilizada quando se esgotaram "todas as outras formas de tratamento – suficientes na maioria das situações". Sylvain Pourchet especifica que a sedação nada consegue contra os sofrimentos existenciais, pelo contrário. "A sedação interrompe a relação. Ora, a relação é o melhor tratamento da angústia." A sedação como resposta única vira-se contra os doentes em fim de vida. "Quando pensamos resolver tudo apenas com um medicamento, impedimos a procura de soluções melhores, as mais adequadas ao doente e à sua situação."

Na proposta de lei Leonetti-Claeys está também prevista a criação de um direito a diretivas antecipadas exequíveis. A associação destes dois novos direitos tem por consequência tornar possível a prescrição de um tratamento (sedação) sem "bases médicas" (na vontade do doente). Para Sylvain Pourchet, se cabe ao médico "ratificar" um direito do doente e não é precisa a competência médica, "por que terá o médico de ser chamado?" A entrevista conclui com um apelo cheio de sabedoria: "O direito fundamental do doente não é o de prescrever o seu medicamento mas o de ser tratado o melhor possível em quaisquer circunstâncias".


O GRANDE MAL-ENTENDIDO DA "MORTE A DORMIR" 
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O semanário Famille Chrétienne dedica o dossiê desta semana ao fim de vida e à proposta de lei Leonetti-Claeys, que passou na comissão em 17 de fevereiro e será discutida pelos deputados a 10 de março.

Por que é que a "sedação contínua e profunda até ao falecimento" põe problemas?

A proposta de lei Leonetti-Claeys introduz uma nova prática de sedação que põe numerosas questões éticas – a "sedação contínua e profunda até ao falecimento". Se, enquanto for intermitente, "a sedação é um gesto de bom tratamento pois é reavaliada continuadamente", refere o Dr. Pascale Vincent [1], a sedação contínua priva o doente das suas capacidades relacionais e da sua autonomia. Além disso, a sua intenção não é clara. "Estamos na fronteira da eutanásia", comentou a Dr.ª Blanchet [2]. E o Dr. Gomas [3] confirmou que "muitos doentes veem já o seu fim de vida acelerado por sobredosagens". "Para uma grande parte das equipas de cuidados intensivos, a proposta de lei Leonetti-Claeys contribui para a confusão entre sedação e eutanásia", segundo a análise do semanário. Sendo certo que a prática da sedação é mais controlada em serviços especializados do que em equipas móveis e em serviços sobrecarregados, o risco de sedações excessivas e da sua generalização é bem real.

A "morte a dormir" é um bem?

Adormecer um doente não causa morte imediata. O Dr. Gomas chama a atenção para o que a proposta de lei não tem em conta: "mesmo quando se interrompem todos os tratamentos, inclusive a alimentação e a hidratação, se o doente não se deixa ir, este pode sobreviver dias e dias". [4] "No final de contas, quem adormecemos com este novo direito? O doente? A morte? Os que pedem eutanásia? As suas famílias? Ou será toda a sociedade?" pergunta o jornal. Segundo a Dr.ª Blanchet, "fazer crer que a morte ideal é uma morte a dormir é um fantasma". Fazer crer ao doente que ele pode dominar a sua morte com uma última "automedicação" é um engano, dada a situação de fragilidade psicológica no limiar da sua vida.

Jean Leonetti ficou aprisionado neste "novo direito"?

Em fevereiro de 2012, Jean Leonetti afirmou que "hoje em dia, na França, a lei sobre o fim de vida define os limites até onde se pode ir sem conceder voluntariamente a morte". Ir além da lei de 2005 seria "ultrapassar a linha vermelha". Então o que se passou para JeanLeonetti aceitar redigir uma proposta de lei com Alain Claeys? Diz-se que está atormentado pelo caso Hervé Pierra, o jovem que faleceu em 2006. Jean Leonetti reconhece que a sedação pode ser "ambígua" e que " pode ser estreita a fronteira" com a eutanásia. Fez saber que se o teor da sua proposta de lei for alterada pela maioria, não quererá mais ser seu relator e que depois essa lei "ficará sem mim". Alguns deputados deram a entender que Jean Leonetti está condicionado pelo governo. "Foi bem jogado", reconheceu Philippe Gosselin (UMP, Manche) pois Jean Leonetti chamou a atenção da Assembleia para o facto de a sua precedente lei ter sido votada por unanimidade. Para Jean-Frédéric Poisson (UMP, Yvelines) "tentar encontrar um compromisso é entrar na lógica da maioria", pois "sabemos que se a esquerda se distanciar do seu pensamento, ele votará contra, segundo me disse". Por outro lado, Véronique Besse (Vendée), com cerca de 80 deputados, apresentou uma proposta de lei para o desenvolvimento de cuidados paliativos que recusa "o adormecimento definitivo como única solução".

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[1] O Dr. Pascale Vincent é responsável da equipa de cuidados paliativos do hospital Cochin.
[2] A Dr.ª Véronique Blanchet é especialista em dor e cuidados paliativos dos Hospitais universitários Est Parisien-Saint-Antoine.
[3] O Dr. Jean-Marie Gomas é médico coordenador da unidade funcional "dores crónicas – cuidados paliativos" no hospital Sainte-Périne (Paris).
[4] Cf. Vincent Lambert que sobreviveu 31 dias à primeira tentativa de eutanásia da sua equipa médica em maio de 2013.