Quando falamos em consentimento informado para intervenções
de saúde, sejam cirurgias altamente invasivas ou simples prescrições de
comprimidos, estamos a falar da autonomia do destinatário dessas intervenções.
Porém, a verdade é que, no pensamento de muitos, a primeira
ideia que surge é ainda a que associa o consentimento informado a uma questão
de responsabilidade. Algumas pessoas, influenciadas pela velha designação de
“termo de responsabilidade”, consideram que o “consentimento informado”,
nomeadamente se passado a escrito, é um instrumento de defesa do profissional
de saúde. Creem que, na posse de um papel que diga “consinto”, aqueles ficam
livres de qualquer acusação se algo correr mal. Embora esta interpretação seja,
felizmente, cada vez mais rara, admitimos que no dia -a -dia das nossas
instituições de saúde subsistem numerosos exemplos de falta de respeito pelo
princípio ético da autonomia.
O princípio a que nos referimos exige que haja uma adequada
informação como condição para o adequado consentimento e, como tal, deve estar
sempre presente no relacionamento entre os profissionais de saúde e os
destinatários das suas ações. Por outras palavras, só com informação feita em
«moldes simples, concretos, compreensíveis, suficientes e razoáveis [e com] com
o objetivo de esclarecer sobre o diagnóstico, alcance, envergadura e
consequências (diretas e indiretas) da intervenção ou tratamento»(1) é que se
pode falar em consentimento livre e esclarecido.
Acresce que, além do acima dito, há situações em que, por
razões legais ou outras, se impõe que o consentimento seja feito por escrito.
Também aqui são frequentes os casos de práticas indevidas, seja por falta ou
insuficiência de informação, seja por outras razões. Casos há em que o
consentimento é pedido depois do ato praticado (!) e outros em que o documento
não contém a assinatura e identificação da pessoa que informa e pede o
consentimento. Raras vezes se entrega à pessoa que consente uma cópia do que
ela acabou de assinar e quase nunca é dado tempo para reflexão ou se explica
que todo o consentimento é revogável.
Uma outra questão, da maior importância, deve ser também
merecer a nossa atenção. Trata -se de saber se, mesmo que a informação prévia
seja adequadamente prestada, mesmo que todos os trâmites sejam corretamente
seguidos, a pessoa que consente tem capacidade para o fazer. «A iliteracia, o
analfabetismo ou as manifestações de incompreensão não são razões para deixar
de tentar obter um consentimento livre e esclarecido, antes obrigam a melhores
explicações e a mais adequada informação.»(2)
Mas, se a autonomia pressupõe esclarecimento (informação
adequada), ela também requer liberdade (ausência de coação)(3) e discernimento.
É por tais razões que, quando estamos perante menores de idade ou incapazes por
deficiência mental, importa refletir um pouco mais e tomar certas precauções
derivadas não só do legalmente estabelecido mas, sobretudo, dos imperativos
éticos.
No plano jurídico, a capacidade para consentir é definida
pela idade(4), contudo a própria lei introduz o conceito de discernimento como
complemento. No plano ético, o discernimento deve também ser tido em conta
mesmo antes de cumprido o pressuposto etário – ou seja, a criança, desde que
tenha discernimento, qualquer que seja a sua idade, merece conhecer um mínimo
de informação, adequada a cada situação, sobre o ato de saúde que lhe é
destinado e o profissional deverá tentar que a execução do mesmo seja feita com
o seu assentimento.
Por outro lado, se a «opinião do menor é tomada em
consideração como um fator cada vez mais determinante, em função da sua idade e
do seu grau de maturidade»(5), não se deverá deixar de pensar que pedir um
consentimento, tanto a uma criança como a um adulto capaz, implica aceitar
também o correspondente direito à recusa. Deste modo, manda a prudência que a
abordagem seja feita de modo que, sobretudo em casos de especial gravidade em
que haja risco de lesão séria ou perigo de morte, o pedido de consentimento
para ato médico seja formulado usando mais a persuasão empática do que a mera
confrontação entre o tudo ou nada. Não havendo aparelhos que meçam o
discernimento, cabe dizer que o bom senso, sendo algo que tem muito de intuitivo,
também se aprende e treina.
Naturalmente que estas breves considerações sobre o
“consentimento” para atos de saúde se aplicam também à participação de crianças
em estudos, sejam observacionais ou experimentais(6), sendo que foram redigidas
com o objetivo de estimular a reflexão por parte dos seus leitores sobre
assuntos que constantemente necessitam de atenção e de serem revisitados.
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1. Comissão de Ética para a Saúde da ARSN, Documento-guia sobre Consentimento Informado, 2009
2. Idem
4. Decreto-lei n.º 400/82, de 23 de setembro (Código Penal) – Artigo 38.º - Consentimento (Lei n.º 59/2007, de 4 de setembro) – «3. O consentimento só é eficaz se for prestado por quem tiver mais de 16 anos de idade e possuir discernimento necessário para avaliar o seu sentido e alcance no momento em que o presta.»
5. Resolução da Assembleia da República n.º 1/2001 - Convenção [de Oviedo] para a Proteção dos Direitos do Homem e da Dignidade do Ser Humano face às Aplicações da Biologia e da Medicina.
6. Almeida, R. Carta aberta a um jovem investigador clínico. Rev Port Clin Geral, 2011, 27: 499 -500.