17 dezembro 2012

Guia de Epilepsia para Empregadores

Emprego e Epilepsia 
Guia de Epilepsia para Empregadores

tradução e adaptação livre do folheto da 
Epilepsy Scotland – “An employer’s guide to epilepsy

Introdução

O que faria se um dos seus empregados lhe dissesse que tinha epilepsia? Perguntaria logo se essa pessoa precisava de alguma ajuda no trabalho? O objetivo deste folheto é fornecer mais informações e alguns conselhos sobre o modo de ajudar pessoas com epilepsia no seu local de trabalho.
Se sabe pouco sobre epilepsia talvez tenha muitas perguntas a fazer. Há muitas boas razões para informar os patrões sobre esta perturbação neurológica tão comum e muitos querem ajudar os seus trabalhadores. Esta abordagem construtiva ajuda a elevar a moral e a produtividade do pessoal.
(…) 
 Uma em cada 130 pessoas tem epilepsia, portanto é provável que quem está a ler este folheto já tenha entrevistado e admitido uma pessoa com epilepsia alguma vez. Os empregadores não podem saber tudo sobre deficiências e doenças crónicas. Pode até ser difícil saber que perguntas há a fazer e por onde começar. A epilepsia afeta pessoas de modos muito variados. Algumas pessoas com epilepsia não precisam de qualquer apoio e adaptações no seu local de trabalho. Outras há que podem precisar de mudanças de emprego.

Ver o folheto completo AQUI

13 dezembro 2012

Morte em certeza

 

Morte em certeza

Agradeço o convite da Direção da Sociedade Portuguesa de Neurologia para escrever um breve texto sobre “morte cerebral” na publicação comemorativa dos 30 anos desta sociedade científica. Faço-o ao mesmo tempo que ouço, no computador onde escrevo, o adagietto de Mahler (1), recordando o célebre filme de Visconti: “Morte em Veneza”. Tantas vezes ouvida, esta música leva-nos sempre aos mares suaves do isolamento tranquilo.

O desenvolvimento, nomeadamente na área da anestesiologia, de extraordinárias capacidades técnicas que asseguram a ventilação artificial de pessoas vítimas de traumatismos cranianos graves ou de outras patologias causadores de lesões reversíveis a nível cerebral, conduziu, em todo o mundo, à sobrevida de milhões de seres humanos que, sem esse recurso, não escapariam a um destino fatal.

A iminência da morte, em unidades de cuidados intensivos cada vez mais sofisticadas, constitui um desafio a que os profissionais de saúde não negaram forças, empenhamento e criatividade. Hoje essas unidades são locais onde, todos os dias, se trava uma verdadeira luta de vida ou de morte. Os mecanismos poderosos e muitas vezes automatizados de que dispomos, assim como os progressos farmacológicos, levaram ao surgimento de um novo conceito de morte. Além da morte por paragem cardiorrespiratória, constatou-se que havia também a morte “por paragem” neurológica (2). A verificação de que, apesar dos batimentos cardíacos persistirem e da respiração poder ser assistida mecanicamente, um corpo estava já morto levou a que, nesses casos, se considerasse lícito colher órgãos ou tecidos para benefício de quem deles necessitasse.

Contudo, antes das dúvidas sobre a licitude das colheitas para transplantes, houve necessidade de resolver a questão da legitimidade para desligar as máquinas. Na verdade, se se reconhece que uma pessoa morreu, não se compreende, nem se justifica, que se mantenha uma ventilação artificial a um cadáver.

Quando, em 1993, foi aprovada a Lei dos Transplantes (3), ficou definido que a Ordem dos Médicos deveria «enunciar e manter atualizado, de acordo com os progressos científicos que venham a registar-se, o conjunto de critérios e regras de semiologia médico-legal idóneos para a verificação da morte cerebral». Tal vem a verificar-se em 1994 pela publicação de uma Declaração (4) que estabelece os critérios de morte cerebral e afirma que a sua certificação «requer a demonstração da cessação das funções do tronco cerebral e da sua irreversibilidade» . Esta declaração vem a ser corroborada, em 1995, pelo Conselho Nacional de Ética para as Ciências da Vida (5). Contudo só em 1998 é publicado na “Acta Médica Portuguesa” o Guia de Diagnóstico da Morte Cerebral (6), onde se afirma que «o diagnóstico se baseia na noção de que a morte do tronco cerebral é componente necessária e suficiente para a confirmação da morte cerebral. Por isso se pesquisam, um a um, todos os reflexos dependentes do tronco cerebral, incluindo aqueles que, embora de execução mais demorada, são conhecidos como sendo os últimos a desaparecer». Este Guia foi elaborado por uma comissão designada pelo Conselho Nacional Executivo da Ordem dos Médicos que, além do autor destas linhas, integrava o Dr. Mário Lopes (designado pelo Colégio de Anestesiologia), o Dr. Nelson Rocha (designado pelo Colégio de Medicina Interna) e a Doutora Paula Coutinho (designada pelo Colégio de Neurologia). A Comissão pediu a colaboração do Dr. Dílio Alves (da Comissão Diretiva da subespecialidade de Neuropediatria). O texto foi amplamente discutido pelos diversos Colégios da Ordem antes de ser fixada a versão final. Participaram, portanto, na sua redação três membros desta Sociedade.

Ficou, deste modo, resolvido o problema legal da verificação da morte em pessoas internadas em unidades de cuidados intensivos e submetidas a apoio respiratório mecânico. Para alguns subsistem, no entanto, algumas dúvidas.

Do ponto de vista técnico-científico, permanecem algumas correntes que defendem que só se pode falar em morte cerebral quando há lesão irreversível de todo o cérebro e não apenas do tronco cerebral. Esta opção, embora minoritária, é especialmente seguida nos Estados Unidos da América (EUA) e configura o que se pode talvez considerar um excesso de zelo. As controvérsias sobre o receio de que se possa desligar a ventilação a alguém que não está verdadeiramente morto continuam a dar origem a pronunciamentos nem sempre bem fundamentados. Este tema é abordado com clareza, em 2004, por Fernando Pita e Cátia Carmona, num artigo da “Acta Médica Portuguesa” (7).

Do ponto de vista ético, há outras faces do problema que, dentro dos limites espaciais de um texto como este, ainda valerá a pena focar.

Merece reflexão a necessidade de claramente se separar o momento da colheita de órgãos do momento da verificação da morte cerebral. Por outras palavras, deverá tornar-se evidente que só há colheita de órgãos em pessoa morta e não que se apressa uma verificação de morte porque há urgência num transplante. É aliás o que concluiu, em 2008, o Conselho de Bioética do Presidente dos EUA no seu relatório sobre as controvérsias na determinação da morte (8). Veja-se, a este respeito, o citado Guia de Diagnóstico que rege os procedimentos diariamente, entre nós, há mais de uma dúzia de anos e as especiais precauções no que se refere às provas de verificação e às qualidades dos seus intervenientes, separando-os, de modo transparente, dos profissionais envolvidos em transplantes.

Refira-se também a posição expressa por pensadores da área jurídico-filosófica sobre a impossibilidade do legislador estabelecer processos declarativos de morte face à alegada incapacidade de dirimir dúvidas e ao risco de ferir a inviolabilidade da vida (9).

Finalmente, e não menos importante, sobressai a questão do respeito pela dignidade da pessoa humana e em particular pela dignidade dos familiares da pessoa falecida. Daí que importe que todos os atos referentes à verificação da morte, à comunicação da mesma e à eventual colheita de órgãos ou tecidos deverem ser sempre acompanhados de especiais cuidados de explicação, adequada à cultura e literacia dos interlocutores. Sabe-se que as diferentes morais religiosas não coincidem na forma como estes assuntos são encarados.

Se católicos e protestantes consideram os transplantes lícitos, já a moral judaica lhes levantam óbices, apenas ultrapassáveis em condições especiais, dados os seus preceitos de inviolabilidade dos cadáveres. Algo de similar se passa com a moral muçulmana, sendo que esta, tal como a budista, consideram essencial o prévio consentimento em vida (10). Entre nós, a opção por um registo nacional de não-dadores consagrou, sem controvérsia moral ou ética, o consentimento presumido. Todavia, não haverá razões substantivas para deixar de adotar uma posição compassiva perante familiares que invoquem objeções à colheita de órgãos, mesmo depois de adequadamente informados da bondade do mesmo.

A morte e as atitudes perante a morte hão de ser sempre temas que precisam tanto da serenidade da música e como da profundidade do pensamento. 

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(1) Mahler, G. 3.º andamento da 3.ª sinfonia. Bernstein
(2) Almeida, R. Morte há só uma. Revista da Ordem dos Médicos, nº 91. Junho 2008
(3) Lei n.º 12/93, de 22 de abril
(4) Declaração da Ordem dos Médicos (DR, I série, B, nº 235, 11/10/94)
(5) Parecer n.º 10/CNECV/95
(6) Guia de Diagnóstico da Morte Cerebral. Acta-Med-Port, 1998, Vol. 11, Nº 1, pág. 91-95
(7) Pita F, Carmona C. Do medo de ser enterrado vivo ao mito do dador vivo. Acta-Med-Port, 2004, Vol. 17, N.º 1, pág. 70-75:
(8) Controversies in the Determinations of Death. A white paper by the President’s Council on Bioethics.
(9) Geraldes, JO. Finis vitae ou Ficta mortis. Revista da Ordem dos Advogados, ano 70, Lisboa, 2010
(10) Rede Europeia de Cooperação Científica «Medicina e Direitos dos Homens» da Federação Europeia das Redes Científicas - Saúde face aos Direitos dos Homem, à Ética e às Morais. Ed. Conselho da Europa, 1996. Tradução de Maria Teresa Serpa. Instituto Piaget, Lisboa.

01 dezembro 2012

Consentimento e discernimento

 

Quando falamos em consentimento informado para intervenções de saúde, sejam cirurgias altamente invasivas ou simples prescrições de comprimidos, estamos a falar da autonomia do destinatário dessas intervenções.

Porém, a verdade é que, no pensamento de muitos, a primeira ideia que surge é ainda a que associa o consentimento informado a uma questão de responsabilidade. Algumas pessoas, influenciadas pela velha designação de “termo de responsabilidade”, consideram que o “consentimento informado”, nomeadamente se passado a escrito, é um instrumento de defesa do profissional de saúde. Creem que, na posse de um papel que diga “consinto”, aqueles ficam livres de qualquer acusação se algo correr mal. Embora esta interpretação seja, felizmente, cada vez mais rara, admitimos que no dia -a -dia das nossas instituições de saúde subsistem numerosos exemplos de falta de respeito pelo princípio ético da autonomia.

O princípio a que nos referimos exige que haja uma adequada informação como condição para o adequado consentimento e, como tal, deve estar sempre presente no relacionamento entre os profissionais de saúde e os destinatários das suas ações. Por outras palavras, só com informação feita em «moldes simples, concretos, compreensíveis, suficientes e razoáveis [e com] com o objetivo de esclarecer sobre o diagnóstico, alcance, envergadura e consequências (diretas e indiretas) da intervenção ou tratamento»(1) é que se pode falar em consentimento livre e esclarecido.

Acresce que, além do acima dito, há situações em que, por razões legais ou outras, se impõe que o consentimento seja feito por escrito. Também aqui são frequentes os casos de práticas indevidas, seja por falta ou insuficiência de informação, seja por outras razões. Casos há em que o consentimento é pedido depois do ato praticado (!) e outros em que o documento não contém a assinatura e identificação da pessoa que informa e pede o consentimento. Raras vezes se entrega à pessoa que consente uma cópia do que ela acabou de assinar e quase nunca é dado tempo para reflexão ou se explica que todo o consentimento é revogável.

Uma outra questão, da maior importância, deve ser também merecer a nossa atenção. Trata -se de saber se, mesmo que a informação prévia seja adequadamente prestada, mesmo que todos os trâmites sejam corretamente seguidos, a pessoa que consente tem capacidade para o fazer. «A iliteracia, o analfabetismo ou as manifestações de incompreensão não são razões para deixar de tentar obter um consentimento livre e esclarecido, antes obrigam a melhores explicações e a mais adequada informação.»(2)

Mas, se a autonomia pressupõe esclarecimento (informação adequada), ela também requer liberdade (ausência de coação)(3) e discernimento. É por tais razões que, quando estamos perante menores de idade ou incapazes por deficiência mental, importa refletir um pouco mais e tomar certas precauções derivadas não só do legalmente estabelecido mas, sobretudo, dos imperativos éticos.

No plano jurídico, a capacidade para consentir é definida pela idade(4), contudo a própria lei introduz o conceito de discernimento como complemento. No plano ético, o discernimento deve também ser tido em conta mesmo antes de cumprido o pressuposto etário – ou seja, a criança, desde que tenha discernimento, qualquer que seja a sua idade, merece conhecer um mínimo de informação, adequada a cada situação, sobre o ato de saúde que lhe é destinado e o profissional deverá tentar que a execução do mesmo seja feita com o seu assentimento.

Por outro lado, se a «opinião do menor é tomada em consideração como um fator cada vez mais determinante, em função da sua idade e do seu grau de maturidade»(5), não se deverá deixar de pensar que pedir um consentimento, tanto a uma criança como a um adulto capaz, implica aceitar também o correspondente direito à recusa. Deste modo, manda a prudência que a abordagem seja feita de modo que, sobretudo em casos de especial gravidade em que haja risco de lesão séria ou perigo de morte, o pedido de consentimento para ato médico seja formulado usando mais a persuasão empática do que a mera confrontação entre o tudo ou nada. Não havendo aparelhos que meçam o discernimento, cabe dizer que o bom senso, sendo algo que tem muito de intuitivo, também se aprende e treina.

Naturalmente que estas breves considerações sobre o “consentimento” para atos de saúde se aplicam também à participação de crianças em estudos, sejam observacionais ou experimentais(6), sendo que foram redigidas com o objetivo de estimular a reflexão por parte dos seus leitores sobre assuntos que constantemente necessitam de atenção e de serem revisitados.

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BIBLIOGRAFIA
1. Comissão de Ética para a Saúde da ARSN, Documento-guia sobre Consentimento Informado, 2009
2. Idem
3. Nelson RM, Beauchamp T, Miller VA, Reynolds W, Ittenbach RF, Luce MF. The concept of voluntary consent. Am J Bioeth, 2011; 11: 6 -16.
4. Decreto-lei n.º 400/82, de 23 de setembro (Código Penal) – Artigo 38.º - Consentimento (Lei n.º 59/2007, de 4 de setembro) – «3. O consentimento só é eficaz se for prestado por quem tiver mais de 16 anos de idade e possuir discernimento necessário para avaliar o seu sentido e alcance no momento em que o presta.»
5. Resolução da Assembleia da República n.º 1/2001 - Convenção [de Oviedo] para a Proteção dos Direitos do Homem e da Dignidade do Ser Humano face às Aplicações da Biologia e da Medicina.
6. Almeida, R. Carta aberta a um jovem investigador clínico. Rev Port Clin Geral, 2011, 27: 499 -500.