30 dezembro 2007

O "neurologista" Miguel Bombarda ou... a epilepsia nos finais do século XIX

O "neurologista" Miguel Bombarda ou... a epilepsia nos finais do século XIX

Revista Sinapse, n.º 2, vol. 7, supl. 1, dezembro 2007
Sociedade Portuguesa de Neurologia

Um divertimento semi-especulativo apresentado em "Momentos da História" 
Fórum de Neurologia 2005, Luso

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01 dezembro 2007

Consulta de Ética Clínica - manual para comissões de ética para a Saúde

 
MANUAL PARA COMISSÕES DE ÉTICA PARA A SAÚDE
in HANDBOOK FOR HEALTH CARE ETHICS COMMITTEES

por Linda Farber Post, Jeffrey Blustein e Nancy Neveloff Dubler
John Hopkins University Press, Baltimore, 2007

É o primeiro livro a abordar as inúmeras responsabilidades das comissões de ética, incluindo formação, consulta de casos e desenvolvimento de políticas. Através de estudos de casos, os autores exploram questões como o consentimento e a recusa informados, a tomada de decisões e a capacidade de decisão, o dizer a verdade, a tomada de decisões por parte de menores, as questões do fim da vida, os cuidados paliativos, a justiça e o acesso aos serviços de saúde e a ética organizacional.

tradução espontânea das páginas 137 a 153

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Aspetos legais e sociais da Epilepsia

 
com Luís Cardoso Rocha

in Livro Básico da Epilepsia, pp. 355-61, LPCE (2007)

Por ter caráter crónico ou vitalício e por ter manifestações súbitas e mal explicadas, a epilepsia é, talvez, a condição médica que mais vezes se associa a implicações de âmbito social.

Este facto é por demais conhecido e reflete uma tradição secular em que o "epilético" aparece ligado a forças ocultas e estranhas que o impelem a movimentos violentos e assustadores.

Nas últimas décadas o conceito que as pessoas sem formação científica têm a respeito da pessoa com epilepsia modificou-se radicalmente. A Liga Portuguesa contra a Epilepsia terá, de algum modo, contribuído para essa mudança através das suas ações de divulgação e informação sobre a doença.

Apesar disso, subsiste na sociedade portuguesa, assim como nas sociedades dos outros países europeus, um preconceito negativo em relação à epilepsia que se traduz em várias áreas e comporta diversas discriminações, em clara violação do princípio constitucional da igualdade que emana do art. 13.º da Constituição da República Portuguesa (CRP) (1). São algumas destas áreas, cujas experiências riquíssimas temos contactado diretamente, que trataremos de ora em diante.

1. EMPREGO

O acesso ao mundo laboral é consabidamente um percurso complicado, atribulado e, acima de tudo, de perseverança. Hodiernamente, as habilitações apenas não chegam, sendo necessário aliar outros fatores como a idade, a experiência, a adequação do candidato à função e também a aptidão física e psíquica do mesmo.

Ora, a pessoa com epilepsia esconde frequentemente a sua condição quando se candidata a um emprego. E, por seu lado, o empregador que entrevista candidatos a determinada função, classifica com extrema facilidade como inapto ou inapropriado, o candidato que revele ter epilepsia. Esta conduta discriminatória é, infelizmente, usual na nossa sociedade em que há tanta ignorância nesta e noutras matérias de saúde pública.

Poderemos dizer que isto resulta de uma interpretação alargada do conceito de epilepsia para o comum dos cidadãos, ou seja, considera-se que toda a pessoa com epilepsia tem todos os componentes considerados negativos para o trabalho e esquece-se como são variadas as formas com que a epilepsia se apresenta. Será importante não esquecer que o candidato a emprego não tem a obrigatoriedade de informar a entidade patronal da sua epilepsia (2), a menos que esta influa decisivamente nas tarefas que vai desempenhar, como poderemos constatar no art. 97.º, n.º 2 do Código do Trabalho (Lei n.º 99/2003, de 27 de Agosto) “O trabalhador tem o dever de informar o empregador sobre aspetos relevantes para a prestação da atividade laboral.”.

Os valores constitucionais da reserva da intimidade da vida privada e familiar e da proteção legal contra quaisquer formas de discriminação do art. 26.º da CRP deverão prevalecer.

A par de casos de controlo completo sob medicação regular existem epilepsias cuja frequência de crises é tão baixa que apenas acarretam riscos mínimos, bem como há várias formas de epilepsia que têm crises tão subtis que não interferem de todo com o desempenho de muitas tarefas e atividades.

A informação que importa passar, desde logo aos próprios doentes e às suas famílias, é a de saberem se a perturbação de natureza epilética que lhes foi diagnosticada interfere ou não com esta ou com aquela profissão.

Por outro lado, a entidade patronal dispõe hoje dos exames médicos de admissão para aferir da aptidão ou não do candidato para a prestação de trabalho, exames esses que se encontram estabelecidos no art. 245º da Regulamentação do Código do Trabalho (Lei nº 35/2004, de 29 de Julho), por remissão do art. 276º CT (3).

É sabido que, numa sociedade com taxas de desemprego elevadas, as pessoas com desvantagens, ainda que pequenas, são as primeiras a sofrer na competição do acesso ao trabalho. Por isso, a mensagem que é necessário repetir é a de que, na seleção dum candidato a um emprego, a primeira coisa a avaliar pela entidade patronal deve ser a aptidão, ou seja, aferir se o candidato tem a formação necessária e se sabe realizar a tarefa, e só após a aplicação desse critério se poderá escolher o melhor candidato entre os melhores.

A grande maioria das profissões é acessível às pessoas com epilepsia. As pessoas com epilepsia correm, regra geral, os mesmos riscos quer trabalhem, quer não trabalhem, e a maioria prefere, naturalmente, trabalhar (4).

2. REFORMA POR INVALIDEZ

A invocação de epilepsia como diagnóstico para obter a reforma por invalidez, não falando dos casos em que à epilepsia estão associados outros problemas (défices intelectuais ou motores), levanta muitas vezes a pergunta sobre a razão por que uma situação que sempre existiu passa a ser motivo para a invalidez. Também aqui a influência da situação social sobre as motivações dos cidadãos é notória. Além disso, verifica-se que enquanto uns médicos procuram insistentemente o controlo das crises e a adaptação dos doentes às situações sem completo controlo, há outros que apoiam mais facilmente a pretensão de obter algum ganho económico, cuidando menos de avaliar se o “defeito” condiciona ou não a incapacidade real para o trabalho.

Obviamente que muitos trabalhadores portugueses sofrem de epilepsia e trabalham diariamente sem que tal afete a sua rentabilidade ou ponha em risco a sua segurança laboral, contudo o agravamento da sua epilepsia pode tornar impossível a manutenção da relação laboral quando põe em causa a saúde do próprio e a segurança dos demais trabalhadores. Nesse caso, outra solução não resta que não seja a reforma por invalidez.

Cada situação terá de ser avaliada em separado mas não deixa de ser verdade que é chocante que, a um jovem inteligente e bem formado, com 2 ou 3 convulsões por ano, eventualmente mal motivado para os estudos e não conseguindo obter trabalho, se atribua o estatuto de deficiente só para que entrem mais uns euros no escasso rendimento familiar.

3. SEGUROS

As pessoas com epilepsia que pretendem fazer um contrato de seguro de acidentes pessoais ou de vida, são obrigadas pelas companhias seguradoras a preencher um inquérito de saúde, muitas vezes realizado ao balcão de um banco ou em outro local e, regra geral, sem a devida informação.

Mais uma vez a discriminação acontece quando o tomador do seguro refere que sofre duma doença cardiovascular, de epilepsia ou outra. Pelo que a solução mais simples é a de não assumir a doença e omitir esse facto à contraparte. Nada de mais errado!

A pessoa que sofre de epilepsia deve assumir a sua condição e não negá-la. A declaração verdadeira habitualmente condiciona um agravamento do prémio de seguro ou, por vezes, a recusa de contratar, o que será legítimo. Em tais casos, os doentes devem pedir ao seu neurologista que faça uma declaração formal sobre o seu caso específico com referência aos riscos específicos de crise e/ou de acidente. Uma declaração destas pode ajudar a inverter atitudes tomadas por companhias de seguros ainda influenciadas pelo preconceito referido acima.

Ao invés, diz-nos a experiência que caso seja acionada a apólice de seguro, a companhia seguradora imediatamente fará uma investigação para verificar se o segurado padece de alguma doença, como é o caso da epilepsia, caso em que declarará o contrato de seguro nulo, por inexatidões ou omissões no preenchimento do inquérito de saúde, nos termos do art. 429.º do Código Comercial.

Na prática o segurado além de perder o direito à indemnização ou prestação que iria auferir, perde ainda todos os prémios de seguro que tinha pago até essa altura, bem como poderá tornar-se uma situação complicada aqueles casos em que o seguro de vida está associado a um crédito à habitação.

4. ENSINO

Esta será talvez a área onde mais progressos se fizeram nos últimos tempos.

Graças à real eficácia dos esquemas terapêuticos atuais – após os anos 70 do século passado – as crianças com epilepsia deixaram praticamente de ser rejeitadas na escola, pese embora o facto de os pais das crianças que sofrem de epilepsia sentirem frequentemente dificuldade em aceitar de modo adequado o seu filho doente (5).

Mesmo aquelas crianças que têm, além da epilepsia, défices devidos a atrasos de desenvolvimento intelectual ou físico, têm encontrado alguma resposta tanto dos serviços oficiais (embora em algumas regiões insuficiente) como das associações de pais e amigos, o que é justo salientar e homenagear.

Curiosamente ainda há médicos que aconselham os pais a não revelarem na escola uma epilepsia diagnosticada a um filho. Perde-se assim uma boa ocasião para ensinar aos professores e aos colegas da criança conceitos corretos sobre as epilepsias e desperdiça-se uma excelente oportunidade para desfazer na própria criança o tabu. O tabu – coisa de que se não fala ou que é proibida, sagrada, interdita, perigosa – começa a gerar-se na criança que, não percebendo o que tem, desconfia que deve ser coisa grave.

Outro dos problemas no ensino prende-se com os pré-requisitos de admissão às Universidades e Escolas Superiores. A questão que usualmente se coloca é a de saber se a epilepsia poderá ser considerada um obstáculo ou um fator a ter em conta nos pré-requisitos de admissão às Universidades.

Em termos de legislação, os pré-requisitos de admissão às Universidades e Escolas Superiores encontram-se plasmados no art. 22.º do Regime de Acesso e Ingresso no Ensino Superior (Dec.-Lei n.º 296-A/98, de 25 de Setembro, alterado posteriormente pelos Dec.-Lei n.º 99/99, de 30 de Março, Dec.-Lei n.º 26/2003, de 7 de Fevereiro, Dec.-Lei n.º 76/2004, de 27 de Março e Dec.-Lei n.º 158/2004, de 30 de Junho), sendo resumidamente os seguintes:

1.º Ser titular de um curso de ensino secundário;

2.º Ter sido considerado apto no pré-requisito do grupo;

3.º Ter a nota mínima na prova de ingresso.

O pré-requisito que interessa abordar é o segundo, o da aptidão do candidato no pré-requisito de grupo.

Neste particular este pré-requisito consiste numa seleção, em que se garanta no candidato a ausência de deficiência psíquica, sensorial ou motora, que interfira gravemente com a capacidade funcional e de comunicação interpessoal a ponto de impedir a aprendizagem própria ou alheia. Como é simples de perceber o candidato pode sofrer de epilepsia e estudar normalmente como qualquer outro universitário, aprendendo e interrelacionando-se com os seus colegas e professores.

Esta forma de comprovação do pré-requisito é feita através de atestado médico, sob a forma de resposta a um questionário, nos termos do Regulamento publicado como Anexo III da Deliberação n.º 2/2004 da Comissão Nacional de Acesso ao Ensino Superior.

Esse questionário individual de saúde tem diversas rubricas, nomeadamente, sobre o sistema músculo-esquelético, sobre a visão, a audição, a sensibilidade, o sistema neuromuscular, o comportamento, a comunicação interpessoal e a medicação.

Sabemos da heterogeneidade e das sequelas da doença em cada uma das pessoas que padecem de epilepsia, contudo, ninguém melhor que o médico está em condições de determinar se o candidato possui aptidões físicas e psíquicas para se candidatar ao Ensino Superior.

No final desse questionário o médico atestará se o candidato está ou não apto.

Em suma, referindo-se no atestado que o candidato com epilepsia está apto a concorrer ao Ensino Superior não pode, nem deve existir qualquer entrave ou barreira na candidatura.

Em termos jurídico-legais são estas, resumidamente, as condicionantes dos pré-requisitos de admissão às Universidades e Escolas Superiores, mesmo assim, deveremos estar alerta para formas obscuras, que por vezes existem, de criar obstáculos à integração das pessoas que padecem de epilepsia na sociedade e numa sua componente tão essencial como é o Ensino Universitário.

5. CONDUÇÃO DE VEÍCULOS

As restrições genéricas assentes num diagnóstico genérico são causa de injustiças, discriminações e resultam regra geral em sistemáticas infrações da lei.

A lei portuguesa era o exemplo do que acaba de se referir – a lei proibia a condução a pessoas com epilepsia e as pessoas com epilepsia escondiam a sua condição para poderem conduzir. Esta realidade levava, e aparentemente ainda há restos disso, a que pessoas que não deviam conduzir conduzissem e a que muitos que podiam conduzir estivessem limitados nessa atividade essencial dos nossos dias.

Em vários países europeus o processo de modificação da legislação sobre condução de veículos sofreu evoluções mais ou menos aceleradas e, em Portugal, só em 1998 foi finalmente publicada uma legislação que diferencia as situações consoante elas sejam ou não fator de risco.

A Liga Internacional contra a Epilepsia (ILAE) e a Agência Internacional para a Epilepsia (IBE) (6) têm procurado influenciar os decisores europeus a nível da Comissão Europeia e os decisores nacionais tendo em vista o estabelecimento de normas similares neste grande espaço económico e social. As tradições e as diferenças culturais não têm permitido que todos sigam o mesmo percurso. Embora a União Europeia tenha publicado em 1991 uma Diretiva que deveria estar transcrita para o direito português passados dois anos, essa Diretiva ficou aquém do que a Inglaterra (7) e a Holanda, por exemplo, já praticavam.

A legislação atual em Portugal sobre as limitações de saúde para a condução está regulada pelo Dec.-Lei n.º 45/2005, de 23 de Fevereiro que transpõe uma outra Diretiva europeia de 2000. Assim, tal como desde 1998, a presença de algumas doenças do sistema nervoso (incluindo a epilepsia) continua a ser incompatível com o exercício de condução de veículos a motor. O referido decreto prevê que, no caso de condutores de veículos ligeiros, “a carta de condução pode ser emitida ou renovada” mas a autoridade de saúde “julgará da situação da epilepsia ou de outras perturbações da consciência, da sua forma e sua evolução clínica (não ter havido crises desde há dois anos, por exemplo), do tratamento seguido e dos resultados terapêuticos”. Quanto aos condutores de veículos pesados e profissionais, a “carta de condução não deve ser emitida ou renovada a qualquer candidato ou condutor que apresente ou possa apresentar crises de epilepsia”.

A questão do tempo de controlo das crises tem levantado algumas dúvidas e suscitado alguma polémica. Por um lado, está a possibilidade de o doente esconder do médico a existência de crises e, por outro, o receio que o médico tem de, ajudando à concessão de direito a conduzir, estar a introduzir um risco demasiado grande para o seu doente e para a sociedade.

É neste desiderato que entra em jogo a confidencialidade e a relação médico-doente. Só mentirá o doente que não confia no seu médico. Só estando a par da frequência das crises o médico pode corrigir as suas propostas de tratamento. Importa, pois, estabelecer uma relação com base em informações verdadeiras para que seja útil ao doente.

O clínico deve ser capaz de convencer o seu doente quando achar que ele não está em condições de conduzir. O segredo profissional deve ser respeitado o mais possível. Antes de o quebrar, por razões ponderosas e de interesse público, pode ainda o médico usar o argumento de que, caso continue a conduzir e caso tenha um acidente, não poderá contar com a sua colaboração para o ajudar a fugir às responsabilidades. Há ainda o argumento de que as companhias seguradoras hão de fazer as suas investigações e descobrir que algo de errado se passou.

É por essa razão que atualmente, os impressos para a primeira carta já têm uma declaração do candidato onde este afirma, sob compromisso de honra, que são verdadeiras as informações prestadas ao examinador. Essa pode ser uma fórmula que o médico deve utilizar quando emitir um atestado para apoiar uma revalidação em pessoa com epilepsia controlada há mais de 2 anos, ou seja, pedir ao interessado que assine uma declaração similar no próprio atestado médico.

Concluiremos, por fim, que a epilepsia não é um mal tout court que deva ser escondido ou ocultado a sete chaves”. Na vida em sociedade, a informação e a transmissão da informação são fundamentais para a defesa da dignidade da pessoa humana e, em particular, da defesa das pessoas que padecem de epilepsia. Saber usar essa informação é fundamental na defesa dos direitos, liberdades e garantias fundamentais para que a discriminação social não vingue e se prossigam os ideais duma sociedade mais justa e fraterna.

_______________________
(1) Nas palavras de GOMES CANOTILHO e VITAL MOREIRA “…São igualmente ilícitas as diferenciações de tratamento fundadas em outros motivos, sempre que eles se apresentem como contrários à dignidade humana, incompatíveis com o princípio do Estado de direito democrático, ou simplesmente arbitrários ou impertinentes.” (Constituição da República Portuguesa Anotada, 3ª ed., Coimbra Editora, 1993, p. 128).
(2) A epilepsia não consta das doenças de declaração obrigatória previstas na Portaria nº 1071/98, de 31/12, de acordo com o Código da 10ª Revisão da Classificação Internacional de Doenças. Sobre este assunto, veja-se, PAULA QUINTAS e HÉLDER QUINTAS, Da prática laboral à luz do novo Código do Trabalho, Almedina, 2004, pp. 56-57.
(3) Para mais desenvolvimentos, veja-se, TERESA ALEXANDRA COELHO MOREIRA, Da esfera privada do trabalhador e o controlo do empregador, Coimbra Editora, 2004, pp. 214-217. (4) Manual para treino - Epilepsia e Emprego. Editores: Jim Troxell e Rupprecht Thorbecke, Segunda Comissão sobre o Emprego do IBE, Abril 1992. Publicado por "The International Bureau for Epilepsy", P.O. Box 21, 2100 AA Heemstede, The Netherlands.
(5) SOFIA MOREIRA, DULCE SOEIRO, RAQUEL MOREIRA e RUI MOREIRA, Boletim da Liga Portuguesa Contra a Epilepsia, suplemento 2, 1986.
(6) II European Working Group On Driving And Epilepsy - International Bureau For Epilepsy / European Union Association, 14-15/3/1996.
(7) Medical Aspects of Fitness To Drive - A guide for Medical Practitioners, Ed.: Dr J. F. Taylor -The Medical Commission on Accident Prevention -Fifth edition -1995.

A classificação das crises epiléticas e das epilepsias

com Paula Breia

in Livro Básico da Epilepsia, pp. 111-9, LPCE (2007)

1. Introdução

Ao longo dos tempos, muitos têm sido os termos usados para descrever crises e epilepsia. A proliferação de palavras descritivas conduziu a alguma confusão desnecessária quer entre os doentes quer entre os próprios técnicos de saúde. Neste capítulo revê-se a terminologia e a classificação das crises e dos síndromos Epiléticos.

A palavra crise é frequentemente usada de modo vago para descrever um acontecimento súbito, catastrófico, especialmente se a sua origem precisa é desconhecida. Outros termos são usados com o mesmo significado como desmaio ou ataque. Neste livro, a crise epilética é definida como “uma ocorrência de sinais e/ou sintomas, limitada no tempo, resultante de atividade neuronal cerebral anómala e excessiva ou síncrona”1.

A maioria das crises não é epilética, isto é, não tem uma origem primariamente cerebral. As crises não epiléticas podem ser orgânicas ou psicogénicas. As crises não epiléticas orgânicas traduzem uma resposta do sistema nervoso a um distúrbio externo, como por exemplo a hipoxia, a febre, a hipoglicemia ou a ação de tóxicos. As crises não epiléticas psicogénicas são frequentemente uma reação ao stress psíquico.

Um dos mais importantes desenvolvimentos da epileptologia foi a adoção das Classificações Internacionais das Crises (1981)2  e dos Síndromos Epiléticos (1989)3 pela Liga Internacional contra a Epilepsia.

O esquema central da classificação das crises é o reconhecimento de duas categorias principais: as que se iniciam numa região específica do cérebro (parciais ou focais) e as que afetam globalmente todo o cérebro desde o início (generalizadas). Adicionalmente às características clínicas, o eletroencefalograma (EEG) é complementar na classificação das crises: as parciais têm descargas focais, enquanto as generalizadas apresentam apenas descargas generalizadas.

As crises epiléticas surgem portanto de áreas cerebrais distintas e são causadas por uma disfunção global dos mecanismos bioquímicos.

As crises epiléticas distinguem-se das não epiléticas fundamentalmente por serem estereotipadas e repetitivas, faltando-lhes a modulação típica do comportamento voluntário. Por exemplo, uma crise tónica envolve contração máxima muscular, seguida de relaxamento, repetindo-se o mesmo ciclo várias vezes por segundo. Trata-se de um padrão de movimento muito primitivo que não cumpre nenhuma função útil, em contraste com a atividade habitualmente complexa e modulada que o mesmo grupo muscular é capaz de desempenhar.

As crises tónico-clónicas generalizadas podem sê-lo desde o início ou evoluírem de crises focais que entretanto se propagaram aos dois hemisférios cerebrais. Esta distinção é importante porque acarreta decisões terapêuticas e prognósticos diferentes.

Mais frequentes do que as crises tónico-clónicas generalizadas são as crises focais ou parciais. Estas podem ser simples ou complexas, consoante esteja conservada ou alterada a corrente de consciência do doente. O primeiro tipo pode evoluir para o segundo e ambos para crises tónico-clónicas secundariamente generalizadas.

2. Classificação das Crises Epiléticas

2.1. Crises Focais ou Parciais

As crises focais podem apresentar-se de modos diferentes: com sinais motores e/ou sintomas somatossensitivos, sensoriais, autonómicos ou psíquicos. A pessoa mantém-se consciente enquanto o fenómeno ocorre; movimentos clónicos rápidos de um membro ou da hemiface ou versivos da cabeça ou do tronco (crise motora); sensação tátil, parestesias, flashes ou distorções visuais, sintomas auditivos, olfativos, gustativos ou vertiginoso (crise somatossensorial); sensação epigástrica, sudorese, “flushing”, piloereção, midríase (crise autonómica); os sintomas psíquicos incluem medo, raiva, estados crepusculares e sensações de “déjà vu” ou de “déjà vécue” (crise psíquica). Estes episódios são por vezes difíceis de distinguir de fenómenos psiquiátricos. No entanto, as crises epiléticas ocorrem geralmente sem aviso prévio, sem precipitantes conhecidos, duram menos de um minuto e geralmente em doentes sem patologia psiquiátrica prévia (embora possam coexistir).

Um indivíduo com crises parciais pode ter um comportamento aparentemente adequado, interagir até com o meio circundante, mas pode estar também desajustado da realidade, não entendendo o que se passa consigo nem ao seu redor e não memorizando o acontecimento. Por vezes é difícil saber até que ponto há perturbação da consciência e quando ocorrem manifestações complexas (daí o ainda usado termo de crises parciais complexas), isso deve-se a alteração do funcionamento dos lobos temporais mesiais, dos lobos orbitofrontais ou em áreas mais generalizadas do cérebro. As crises parciais complexas eram chamadas, no passado, “crises psicomotoras” e “equivalentes Epiléticos”, termos vagos e imprecisos que foram abandonados. Também foram designadas por “crises do lobo temporal”, mas podem ter outras origens, como vimos. Pela sua duração, geralmente breve, confundem-se por vezes com as ausências e chegaram a ser designadas por “ausências do lobo temporal”. Por conseguinte, todos estes termos imprecisos ou errados devem ser abandonados do nosso léxico quando nos queremos referir a uma crise parcial complicada de automatismos ou sintomas vivenciais. Estas crises duram geralmente de alguns segundos a poucos minutos, seguidos de um período de confusão mental e, quase sempre, de amnésia para os acontecimentos ocorridos durante a crise. Os automatismos que por vezes acompanham estas crises – movimentos simples repetitivos ou incluindo comportamentos estranhos – raramente têm um seguro valor localizador da origem do foco epilético. 

Crises focais (autolimitadas)
Crises neonatais não especificadas de outro modo
Crises focais sensoriais
- com sintomas sensoriais elementares (exº crises do lobo occipital ou parietal)
- com sintomas sensoriais vivenciais (exº crises da junção temporo-parieto-occipital)
Crises focais motoras
- com sinais motores clónicos elementares
- com crises motoras tónicas assimétricas (exº crises da área motora suplementar)
- com automatismos (lobo temporal) típicos (exº crises do lobo mesial temporal)
- com automatismos hipercinéticos
- com mioclonus negativo focal
- com crises motoras inibitórias
Crises gelásticas (riso)
Crises hemiclónicas
Crises secundariamente generalizadas
Crises reflexas em síndromos Epiléticos focais

 2.2. Crises tónico-clónicas secundariamente generalizadas

Qualquer tipo de crise focal pode evoluir para uma crise generalizada tónico-clónica. As pessoas que sofrem de crises focais apresentam-se frequentemente ao clínico após terem sofrido uma crise tónico-clónica generalizada secundária. Este será o caso da maioria das crises ocorridas em adultos. Não deve, portanto, ser logo assumido que uma crise é sempre primariamente generalizada. A história clínica – preferencialmente com ajuda de testemunhas, se o doente não se recordar da crise – e o exame neurológico fornecem pistas valiosas.

2.3. Crises primariamente generalizadas

As crises primariamente generalizadas podem ser convulsivas ou não convulsivas.

As ausências são mais frequentes na infância e adolescência e manifestam-se por interrupção breve da consciência, pestanejo, olhar parado e outros movimentos faciais minor. Duram geralmente segundos a um minuto. No entanto, como podem ocorrer várias vezes ao dia, em sucessão rápida, interrompendo a continuidade das atividades em curso, acarretam frequentemente significativo compromisso cognitivo. Apresentam um padrão eletroencefalográfico típico de ponta-onda a 3 Hz.

As crises mioclónicas caracterizam-se por movimentos musculares bruscos e rápidos unilaterais ou bilaterais. A consciência nem sempre está alterada. Fazem geralmente parte de síndromos Epiléticos específicos. A atividade mioclónica pode no entanto ocorrer associada a outras doenças neurológicas (doença de Creutzfeldt-Jakob, anoxia).

As crises tónicas consistem em espasmos tónicos da musculatura axial e facial associada a flexão das extremidades superiores e a extensão dos membros inferiores. Podem surgir em qualquer idade, mas são mais frequentes nas crianças e resultam geralmente em queda.

As crises clónicas, também mais frequentes em crianças, assemelham-se a mioclonias, mas associam-se sempre a perda de vigília e o padrão de repetição do movimento é mais lento que nas mioclonias.

Crises Generalizadas (autolimitadas)
Crises tónico-clónicas (inclui variantes iniciando-se por fase tónica ou mioclónica)
Crises clónicas
- sem componentes tónicos
- com componentes tónicos
Crises de ausências típicas
Crises de ausência atípicas
Crises de ausências mioclónicas
Crises tónicas
Espasmos
Crises mioclónicas
Mioclonias palpebrais
- sem ausências
- com ausências
Crises atónico-mioclónicas
Mioclonus negativo
Crises atónicas
Crises reflexas em síndromos Epiléticos generalizados

 As crises tónico-clónicas generalizadas são de todas as mais dramáticas. Iniciam-se subitamente, sem aviso prévio (se o doente refere um aviso ou “aura” – mal estar epigástrico, alteração visual, auditiva, etc. – é mais provável que se trate de uma crise focal com generalização secundária). Tipicamente o doente grita no início da crise, consequência da expiração forçada que deriva da contração tónica dos músculos do tronco. A fase tónica generalizada é interrompida por períodos breves de relaxamento, seguida de contrações tónicas. Os períodos de relaxamento tornam-se mais frequentes e inicia-se a fase clónica. A crise dura 1 a 2 minutos e acompanha-se de taquicardia e hipertensão arterial. Após o fim da crise, pode ocorrer incontinência dos esfíncteres, devido ao seu relaxamento. O indivíduo demora geralmente vários minutos até recuperar a consciência. A fadiga e período confusional pós-crítico podem durar de horas a dias.

As crises atónicas são caracterizadas por perda súbita do tónus dos músculos posturais, resultando invariavelmente em queda, sem qualquer aviso prévio. Geralmente duram segundos e associam-se geralmente a perda da consciência. São frequentes sobretudo em crianças com síndromo de Lennox-Gastaut. Por vezes é difícil a distinção entre crises tónicas e atónicas.

Crises contínuas
Estado de mal generalizado
Estado de mal tónico-clónico generalizado
Estado de mal clónico
Estado de mal de ausências
Estado de mal tónico
Estado de mal mioclónico
Estado de mal focal
Epilepsia partialis continua de Kojevnikov
Aura contínua
Estado de mal límbico (status psicomotor)
Estado de mal hemiconvulsivo com hemiparesia

 3. Classificação dos Síndromos Epiléticos

Até agora abordámos a classificação das crises epiléticas que são afinal um sintoma inespecífico de várias doenças do sistema nervoso central, cujo diagnóstico deve ser aprofundado. O clínico deve assim tentar determinar qual o síndromo Epilético subjacente, o que tem implicações diretas no tratamento e no prognóstico. A Liga Internacional contra a Epilepsia (LICE) desenvolveu (2001)4 uma nova proposta de classificação das epilepsias e dos síndromos Epiléticos na tentativa de melhor orientar o diagnóstico da situação patológica subjacente. Muitos destes síndromos têm uma idade própria de início e características clínicas e eletroencefalográficas específicas. Sendo embora muito usada a classificação de 1989, esta manifestou-se no entanto insuficiente ao longo dos anos quer porque alguns síndromos não encontravam lugar na classificação, quer porque a evolução do conhecimento genético e neurofisiológico deu origem a novos síndromos não facilmente classificáveis. Surgiu então uma proposta de nova classificação que é aqui abordada.

Epilepsia, neste livro, define-se como um “distúrbio do cérebro caracterizado por uma predisposição para a ocorrência persistente de crises epiléticas e pelas consequências neurobiológicas, cognitivas, psicológicas e sociais associadas” 1.

O primeiro passo na identificação de um síndromo Epilético é a identificação correta do tipo de crise que a pessoa apresenta. Um síndromo Epilético pode ser caracterizado por um só tipo de crise (ex: epilepsia de ausências juvenil apenas com ausências) ou mais de que um (ex.: epilepsia mioclónica juvenil incluindo mioclonias, ausências e crises tónico-clónicas generalizadas).

Na nova classificação da LICE, a primeira distinção é baseada no tipo de crise, focal ou generalizada. Os síndromos focais são frequentemente causados por lesões identificáveis, enquanto os generalizados são idiopáticos ou primários, isto é de causa desconhecida, muitos deles genéticos.

Muitas das causas da epilepsia são identificáveis e permitindo classificá-las como secundárias ou sintomáticas. O termo criptogénico (não consensual na nova proposta de classificação) é usado quando se desconhece a etiologia, admitindo-se contudo uma causa subjacente ainda não identificada.

Para além do(s) tipo(s) de crise(s) e da etiologia outros fatores são determinantes na identificação de um síndromo Epilético: a história familiar, o EEG ictal e interictal, os exames de imagem, em especial a Ressonância Magnética (RM) encefálica, a resposta à terapêutica e a história natural da doença.

3.1. Síndromos Epiléticos Focais

Os síndromos focais são descritos como idiopáticos ou sintomáticos. Na categoria idiopática (possivelmente genética), foram identificados apenas alguns síndromos específicos com aparecimento na infância e características clínicas e EEG próprias. Vários síndromos sintomáticos foram identificados.

3.1.1. Idiopáticos

Epilepsia benigna da infância com pontas centro-temporais (antiga epilepsia rolândica) é um síndromo frequente, correspondendo a 25% das epilepsias em idade escolar. Inicia-se entre os 3 e os 13 anos. As crises têm um início focal simples, geralmente motor ou sensitivo com início numa hemiface. Ocorrem geralmente ao adormecer e generalizam frequentemente para crise tónico-clónica generalizada. A criança tem exame neurológico normal e não apresenta doenças associadas. O EEG é típico e revela pontas e ondas abruptas de grande amplitude na região central ou centro-temporal, sobretudo durante a sonolência. A clínica e o EEG são tão característicos e diagnósticos que os exames de imagem são habitualmente dispensados. A etiologia é genética, autossómica dominante para o “traço” eletroencefalográfico, embora menos de 25% das pessoas com as alterações elétricas venham a ter crises. O prognóstico é excelente, mesmo sem tratamento e a maioria dos jovens não apresenta crises depois dos 15 anos.

Epilepsia da infância com pontas occipitais é muito mais rara, embora sub-identificada. É caracterizada por crises diurnas de experiências visuais, seguidas de crises parciais complexas. Após a crise o doente tem frequentemente uma cefaleia. O EEG mostra descargas bilaterais de ponta-onda de grande amplitude na região occipital. A evolução é favorável.

3.1.2. Sintomáticos

As epilepsias sintomáticas focais são as mais frequentes nos adultos e têm múltiplas causas identificáveis (vasculares, infeciosas, tumorais, degenerativas, congénitas, traumáticas e criptogénicas). Apesar das causas diversas, as crises são geralmente focais e, se não tratadas, progridem para crises tónico-clónicas secundariamente generalizadas. Portanto, a fenomenologia da crise dirige a atenção do clínico para uma patologia identificável e potencialmente tratável, mas nada acrescenta quanto a essa etiologia, que deve ser investigada pelos meios complementares de diagnóstico disponíveis. Nos últimos anos a RM de alta resolução permitiu caracterizar melhor alguns quadros como a esclerose mesial temporal e revelar a etiologia de síndromos que eram classificados como criptogénicos, identificando por exemplo heterotopias e displasias corticais.

3.2. Epilepsias e Síndromos Epiléticos Generalizados

As epilepsias generalizadas são mais comuns em idade pediátrica. Alguns síndromos idiopáticos (genéticos) têm vindo a ser identificados recentemente e mapeados geneticamente, cimentando o conceito de síndromos identificáveis específicos.

3.2.1. Idiopáticos com início relacionado com a idade

Convulsões benignas neonatais familiares constituem um síndromo raro caracterizado por crises generalizadas que ocorrem durante a primeira semana de vida. Deve ser diferenciado de uma longa lista de crises neonatais sintomáticas graves. Existe uma história familiar inequívoca e as crises remitem espontaneamente após alguns dias. Foi identificada uma deleção no cromossoma 20q13.3 e o X dessa região codifica um canal de potássio, evidenciando assim uma relação clara entre o produto do gene e o síndromo clínico.

Epilepsia mioclónica benigna da infância é também um síndromo pouco frequente e é diferenciado por um EEG com surtos de ponta-onda generalizados sobrepostos numa atividade elétrica basal normal. A evolução é benigna, sem compromisso neurológico.

Outros tipos definidos pela localização e etiologia

Epilepsia de ausências da infância (antigo “Pequeno-mal”) corresponde a 2 a 4% das crianças com epilepsia. As suas características foram já descritas e o diagnóstico diferencial é feito com crises parciais complexas breves. O EEG é típico e são geralmente desnecessários estudos estruturais. Existe uma predisposição genética forte e suspeita-se de um locus genético específico.

Epilepsia mioclónica juvenil tem o seu início na adolescência e é caracterizada por uma tríade de crises (mioclónicas, ausências e tónico-clónicas generalizadas). As crises mioclónicas são habitualmente matinais e envolvem as extremidades superiores. A queixa mais comum é a falta de jeito matinal com quedas de objetos durante a higiene ou o pequeno-almoço – que deve ser inquirida, pois é geralmente desvalorizada pelo próprio e familiares – e exacerbada pelo stress. O diagnóstico é frequentemente feito apenas quando ocorre uma crise tónico-clónica generalizada matinal. As crises de ausências são por vezes difíceis de detetar e a pessoa pode não ter todos os tipos de crises. A história clínica típica e o EEG são diagnósticos. O síndromo deve ser diferenciado de outros com origem focal porque a terapêutica a instituir é diferente.

3.2.2. Sintomático e/ou Idiopático Este grupo de epilepsias generalizadas consiste numa diversidade grande de síndromos clínicos, unidos por manifestações clínicas semelhantes. Algumas crianças destes grupos têm causas identificáveis, sintomáticas, enquanto noutras a etiologia é idiopática ou criptogénica. Ao contrário do grupo anterior, no qual as crises ocorrem num contexto de inteligência normal, neste o atraso mental é comum.

Síndromo de West ou Espasmos Infantis inicia-se entre os 4 e os 12 meses. É caracterizado por um espasmo que tipicamente consiste na flexão da cabeça, bacia e membros, com abdução ou adução dos membros superiores. São rápidos (cerca de um segundo) e ocorrem em salvas, por vezes dezenas por dia. As crianças têm um desenvolvimento psicomotor normal até ao início dos espasmos, começando então a regredir ou a não progredir. Cerca de 2/3 apresentam um padrão de hipsarritmia no EEG – desorganização da atividade de base e sobreposição de pontas e de ondas lentas difusas. O prognóstico depende da doença subjacente e da resposta à terapêutica. O síndromo idiopático que responde rapidamente à terapêutica tem o melhor prognóstico. Os que têm uma encefalopatia grave subjacente têm pior evolução. A mortalidade é de 20% antes dos 5 anos de idade e 75% a 93% dos sobreviventes têm atraso mental; 50% têm epilepsia mais tarde e metade destes evolui para um Síndromo de Lennox-Gastaut.

Síndromo de Lennox-Gastaut compreende uma combinação de crises tónicas axiais, tónico-clónicas, ausências atípicas e atónicas associadas a atraso mental e a EEG de ponta e onda lenta (<2,5 Hz). O início ocorre entre os 1 e 8 anos de idade. É frequentemente refratário à terapêutica médica.

3.3. Epilepsias indeterminadas quanto à origem focal ou generalizada

Este grupo incluiu vários síndromos pediátricos cuja natureza clínica não foi completamente elucidada e que envolvem padrões clínicos e EEG com componentes mistos de crises focais ou generalizadas. Compreende várias epilepsias mioclónicas com atraso mental.

SÍNDROMOS EPILÉTICOS
Crises neonatais benignas familiares
Encefalopatia mioclónica precoce
Síndromo de Ohtahara
Síndromo de West
Epilepsia mioclónica benigna da infância
Crises familiares benignas infantis
Crises benignas infantis (não-familiares)
Síndromo de Dravet
Síndromo HHE (hemiconvulsão-hemiplegia-epilepsia)
Epilepsia benigna da criança com pontas centro-temporais
Epilepsia occipital benigna da criança com início precoce (tipo Panayiotopoulos)
Epilepsia occipital da criança com início tardio (tipo Gastaut)
Epilepsia com ausências mioclónicas
Epilepsia com crises mioclónico-astáticas
Síndromo de Lennox-Gastaut
Síndromo de Landau-Kleffner
Epilepsia com ponta-onda contínua no sono de ondas lentas (não inclui S. Landau-Kleffner)
Epilepsia de ausências da infância
Epilepsias mioclónicas progressivas
Epilepsias generalizadas idiopáticas com fenótipos variáveis
Epilepsia de ausências juvenil
Epilepsia mioclónica juvenil
Epilepsia apenas com crises tónico-clónicas generalizadas
Epilepsias reflexas
Epilepsia do lobo occipital fotossensível idiopática
Outras epilepsias sensitivas visuais
Epilepsia primária da leitura
Epilepsia do susto (surpresa)
Epilepsia noturna do lobo frontal, autossómica dominante
Epilepsias do lobo temporal familiares
Epilepsia focais sintomáticas (ou provavelmente sintomáticas)
- Epilepsias límbicas
Epilepsia do lobo temporal mesial com esclerose do hipocampo
Epilepsia do lobo temporal mesial definida por etiologias específicas
Outros tipos definidos pela localização e etiologia
- Epilepsia neocorticais
Síndromo de Rasmussen

3.4. Síndromos Especiais

Este grupo compreende situações em que as crises não ocorrem espontaneamente, mas são desencadeadas por estímulos específicos. Ao contrário dos outros síndromos descritos, o tratamento para estas situações consiste em evitar ou estímulo e/ou tratar na fase de provocação. Neste grupo incluem-se também pessoas que têm crises isoladas e que apresentam simplesmente um baixo limiar epileptogénico.

Crises relacionadas com algumas situações

Convulsões febris ocorrem dos 3 meses aos 5 anos em crianças que têm febre sem evidência de outras causas. Há frequentemente uma história familiar de crises (8 % a 22% dos pais e 9% a 17% dos irmãos). Uma mutação na subunidade β1 do canal de sódio no cromossoma 19q13.1 é a responsável pelo quadro em algumas famílias, embora outros genes tenham sido já identificados. Os estudos de base populacionais prospetivos indicam que as convulsões febris são relativamente benignas. Não se associam a risco aumentado de atraso mental ou a compromisso neurológico. Cerca de 3% das crianças podem vir a ter epilepsia pelos 7 anos e aproximadamente 7% poderá ter crises pelos 25 anos. O risco de recorrência de convulsões febris é de 34%, sendo maior nas crianças mais pequenas. O tratamento é, no entanto controverso. Muitos neuropediatras não recomendam o tratamento crónico convulsões febris simples, mas apenas o diazepam retal como preventivo na subida da temperatura.

SITUAÇÕES DE CRISES EPILÉTICAS que não obrigam ao diagnóstico de EPILEPSIA
Crises neonatais benignas
Crises febris
Crises reflexas
Crises por privação do álcool
Crises induzidas por fármacos e outros químicos
Crises pós-traumáticas imediatas ou precoces
Crises isoladas ou grupos isolados de crises
Crises raramente repetidas (oligo-epilepsia)

4. Esquema diagnóstico

Este trabalho pretende apresentar da forma mais simples possível uma realidade difícil e complexa. Na verdade, sob a palavra Epilepsia estão numerosas epilepsias muito diferentes entre si. A divisão dicotómica dos conceitos em chavetas ou o arrumo dos casos em gavetas é uma tarefa sempre dificultada pela existência de múltiplos fatores. Daí que tenhamos usado ainda muitos conceitos e termos das classificações antigas e tenhamos colocado em quadro as propostas da nova classificação de Engel4. Salientemos agora o principal contributo que a LICE apresenta – o conceito de esquema diagnóstico. Mais do que classificar cada caso, mais do que impor terminologias rígidas, embora necessárias, defende-se que o diagnóstico individual assenta ou deve assentar em cinco eixos:

Eixo 1 refere-se à semiologia ictal, descrevendo claramente o início e evolução do fenómeno crítico com terminologia padronizada.
Eixo 2 é o tipo (ou tipos) de crise epilética vivido pelo doente.
Eixo 3 é o diagnóstico sindromático e deriva da lista de síndromos Epiléticos embora seja admitido que nem sempre é possível estabelecer.
Eixo 4 serve para especificar a etiologia quando conhecida.
Eixo 5 é uma designação opcional do grau de deficiência causada pela situação.

_____________________
1 Fisher RS, van Emde Boas W, Blume W, Elger C, Genton P, Lee P, Engel J Jr. Epileptic seizures and epilepsy: definitions proposed by International League Against Epilepsy (ILAE) and the International Bureau for Epilepsy (IBE). Epilepsia. 2005 Apr;46(4):470-2.
2 Commission on Classification and Terminology of the International League against Epilepsy. Proposal for re-vised clinical and eletroencephalographic classification of epileptic seizures. Epilepsia 22:489-501, 1981.
3 Commission on Classification and Terminology of the International League against Epilepsy. Proposal for re-vised classification of epilepsies and epileptic syndromes. Epilepsia 30:389-399, 1989.
4 Engel J Jr, International League Against Epilepsy (ILAE). A proposed diagnostic scheme for people with epileptic seizures and with epilepsy: report of the ILAE Task Force on Classification and Terminology. Epilepsia. 2001 Jun;42(6):796-803.

18 junho 2007

Cortesia

 


A informática no contexto da humanização
minuta de ofício enviado pelo Conselho Diretivo da ARS Norte em 18.06.2007

O recurso à tecnologia informática pelos profissionais da saúde é cada vez maior. As vantagens do arquivo e da circulação da informação em suporte eletrónico são enormes. São óbvios os ganhos na clareza dos dados e na velocidade de acesso, assim como na economia de meios.

Acresce que a entrada da informática se faz sentir cada vez mais no interior do próprio ato médico com comprovadas mais-valias, entre as quais o apoio à decisão, as implicações epidemiológicas e os avanços da investigação clínica.

Na entrevista médica surge assim uma nova e incontornável presença – o computador – o qual, por vezes, ganha um estatuto tal que se interpõe perversamente entre o médico e o doente. Começam a surgir queixas de utentes que manifestam incómodo por se sentirem, aparentemente, menos importantes que o computador no decurso de uma consulta. Nalguns casos extremos, não chega a haver verdadeiro diálogo, limitando-se a entrevista ao preenchimento de formulários, sem espaço para o estabelecimento de uma comunicação com empatia.

É conhecida de todos a importância da entrevista médica e dos requisitos que ela deve ter – desde o utente se fazer acompanhar por pessoa de sua livre escolha, passando pela dignidade do espaço onde se realiza, não esquecendo a adequada importância do toque físico e terminando na garantia de confidencialidade.

Para que isto tudo se verifique, o computador não é, nem pode ser, um fator de perturbação. O seu uso não anula as exigências gerais da boa consulta. O profissional deve fazer sentir ao seu interlocutor que a atenção que temporariamente presta ao computador é feita no seu interesse e com a sua anuência.

Assim, vimos recomendar que, na Instituição que V. Ex.ª dirige, seja promovida a discussão ativa desta temática e adotadas medidas para que o uso do equipamento informático não cesse de crescer mas que, em paralelo, os profissionais (médicos e outros) treinem e melhorem as posturas necessárias a evitar que o computador desumanize a entrevista. Para tal, estamos a remeter para divulgação junto de todos os profissionais, pelos meios ao Vosso dispor, o documento sobre “Cortesia” que se anexa.  

CORTESIA

O direito a um tratamento cortês faz parte integrante do primeiro direito da Carta dos Direitos e Deveres do Doente editada pela Direção-Geral da Saúde: “O doente tem direito a ser tratado no respeito pela dignidade humana”.

A cortesia é a arte de lidar com o outro, usando os termos que melhor se adequam à pessoa e à circunstância.

Os adultos são tratados, em princípio, pelo nome da sua preferência precedido de Senhor ou Dona. Os profissionais de saúde, ao atender uma pessoa, procuram saber o nome por que esta prefere ser tratada e, se tal ainda não tiver sido feito antes, assinalam essa preferência na capa do processo ou ficha, para memória futura.

Quando se desconheça a preferência, os homens são chamados pelo último nome e as senhoras pelo primeiro ou primeiros. Em alternativa ou em ocasiões mais formais, são utilizados o primeiro e último nome.

O tratamento por tu está limitado a crianças ou jovens de acordo com as regras gerais da etiqueta, não esquecendo que há jovens que se sentem melhor com um tratamento por você, pelo primeiro nome, sem necessidade do uso de Senhor ou Dona. Os tratamentos pretensamente carinhosos (como “avozinho”, “querida” ou “minha filha”) são evitados.

Quando se reconheça uma profissão geralmente referida em tratamento coloquial, é sempre usado o título – exemplos: Doutor/a (juízes, professores do ensino secundário, médicos, etc.), Engenheiro/a, Enfermeiro/a, Arquiteto/a – precedido de Senhor ou Senhora, conforme for mais adequado.

As expressões “faça favor”, “dê-me licença” e outras equivalentes são usadas sem limites.

Os profissionais adotam medidas para que a sua identificação e grupo profissional sejam facilmente reconhecidos por qualquer utente.

Todos os profissionais zelam e contribuem para que não haja barulhos desnecessários nos locais onde estão utentes e providenciam ou mandam providenciar para que as condições de temperatura, luminosidade e higiene geral das instalações não contribuam para agravar o incómodo resultante de estar numa unidade de saúde.

Evita-se, sempre que possível, interromper uma consulta ou uma conversa. Os profissionais, quando há interrupções, procuram minimizar os seus efeitos.

Quando se registam atrasos na efetivação de atos marcados, a apresentação de desculpas é feita, ainda que não caibam responsabilidades diretas ao profissional envolvido. Sempre que adequado, é dada uma explicação sumária que justifique a demora de um atendimento. Quando há impedimentos temporários para atender uma pessoa, o profissional indica, sempre que possível, o tempo previsto para a espera.

Perante uma reclamação nunca é negado ou desencorajado o acesso ao Livro de Reclamações, embora seja tentado o possível esclarecimento.

Quando se adivinham ou registam desacordos, a busca dos entendimentos é sempre feita em ambiente que permita um mínimo de privacidade.

O sorriso, longe de ser obrigatório, é considerado um elemento crucial para prevenir ou atenuar desacordos. O mesmo se aplica ao tom de voz e à postura adotada.

A cortesia e o bom senso são devidos mesmo quando o utente não é cortês ou sensato.

Todo o atendimento começa por uma saudação e uma postura de atenção personalizada. A passagem ao uso de equipamento informático é sempre precedida de uma breve explicação da sua necessidade.

20 maio 2007

Epilepsia e legislação

 
Sinapse, maio de 2007, n.º 1, vol. 7

Comunicação: Epilepsia e legislação

Resumo: A propósito dos direitos especiais que as pessoas com epilepsia (PcE) têm, o autor desenvolve algumas explicações sobre o direito a conduzir automóveis e as condições que a lei prevê. Depois de uma breve referência aos antecedentes históricos sobre a matéria e ao panorama de outros países, são referidas também as conhecidas limitações decorrentes de certas formas de epilepsia e os deveres das PcE no que se refere à segurança rodoviária. Aborda-se também a problemática do sigilo médico em contraponto com o valor social da proteção da vida de terceiros. Relacionando a questão dos atestados de incapacidade com a das declarações de aptidão, o autor dedica algum tempo aos possíveis conflitos de interesse em que PcE pretendem usufruir, ao mesmo tempo, dos benefícios derivados da incapacidade e dos direitos gerais próprios de quem não tem limitações. São referidos exemplos de aposentação por invalidez, benefícios fiscais e outros, desenvolvendo-se algumas considerações sobre as especificidades que as Epilepsias condicionam no quotidiano das pessoas, estejam elas no ativo ou não. A situação das PcE no que se refere à necessidade de tomarem, na quase totalidade dos casos, medicação durante toda a vida, leva o autor a tecer considerações sobre o regime de comparticipação do Estado no preço dos medicamentos e a descrever os direitos nesse campo existentes. Termina com palavras sobre o papel que o movimento associativo, em especial a EPI pode ter no reivindicar responsável em defesa dos legítimos interesses das PcE.

01 abril 2007

Sigilo profissional dos médicos – o dever e os limites

 Revista OM - abril/2007

O presente texto é uma adaptação/actualização do que o autor publicou em 2000 no “Papel do Médico”, efémero jornal eletrónico, e é aqui apresentado a título de contribuição pessoal para uma reforma do nosso velho Código Deontológico, de onde foram extraídas as frases a azul.

O sigilo médico é condição essencial ao relacionamento médico-doente, assenta no interesse moral, social e profissional, pressupõe e permite uma base de verdade e de mútua confiança.

O médico deve guardar segredo de todos os factos de que tenha conhecimento em resultado do exercício do seu mister, ou por causa dele, e deve zelar para que os seus colaboradores e colegas se conformem com as regras do segredo profissional, cabendo-lhe esclarecer os membros da equipa de saúde quanto ao caráter confidencial das informações clínicas.

O segredo profissional compreende, especialmente, os factos revelados diretamente pela pessoa, por outrem a seu pedido ou por terceiros com quem tenha contactado durante a prestação de cuidados ou por causa dela; abrange também os factos apercebidos pelo médico, provenientes ou não da observação clínica ou de terceiros e, ainda, os factos comunicados por outro profissional obrigado, quanto aos mesmos, a segredo profissional.

A obrigação de segredo existe, quer o serviço solicitado tenha ou não sido prestado, quer seja ou não remunerado, e é extensiva a todas as categorias de doentes, qualquer que seja o estatuto do local ou da entidade onde ocorre a relação médico-doente.

Excluem o dever de segredo profissional – para além do consentimento do doente ou, em caso de impedimento, do seu representante legal (desde que a revelação não prejudique terceiras pessoas com direito de manutenção do segredo) – o que for absolutamente necessário à defesa da dignidade, da honra e dos legítimos interesses do médico, não podendo, no entanto, o médico revelar mais do que o necessário e sem prévia consulta ao Presidente da Ordem.

A verdade como base da relação médico-doente

O prognóstico e o diagnóstico devem, por regra, ser sempre revelados ao doente, salvo se, por motivos que, em sua consciência, julgue ponderosos, o médico entender não o dever fazer. Um prognóstico fatal só pode ser revelado ao doente com as precauções aconselhadas pelo exato conhecimento do seu temperamento, das suas condições específicas e da sua índole moral.

Quando, por motivos que, em sua consciência, julgue ponderosos, o médico entender ocultar ao doente diagnóstico ou prognóstico fatais, é permitida, a título excecional, a sua revelação a familiar ou pessoa intimamente relacionada com o doente. No entanto, se tiver havido proibição expressa por parte do doente, o médico deve dar conhecimento desse facto à Comissão de Ética da instituição onde trabalhe ou, em alternativa, ao Conselho Nacional de Ética e Deontologia da Ordem dos Médicos.

A natureza essencial do sigilo não é um valor absoluto

A obrigação do segredo profissional não impede que o médico tome as precauções necessárias e promova ou participe em medidas de defesa sanitária, indispensáveis à salvaguarda da vida e saúde de pessoas que possam contactar com o doente, nomeadamente dos membros da sua família ou outros conviventes. Depois de esgotados todos os esforços para obter o consentimento do doente, é dever do médico proceder desse modo, mesmo que daí resulte quebra de segredo médico. No entanto, a eventual quebra de segredo, em caso de oposição expressa do doente, obriga a que o médico dê conhecimento do facto à Comissão de Ética da instituição onde trabalhe ou, em alternativa, ao Conselho Nacional de Ética e Deontologia da Ordem dos Médicos.

A participação a uma Comissão de Ética de qualquer quebra de segredo profissional deve ser feita antes da sua ocorrência ou, o mais tardar, nas 24 horas seguintes. Ao decidir revelar matéria de segredo profissional o médico deve estar preparado para explicar e justificar essa decisão.

O direito de acesso à informação e o sigilo

O segredo médico deve igualmente ser respeitado quando o médico tem de enviar doentes para entidades não vinculadas a segredo profissional ou quando da cobrança (judicial ou extrajudicial) de honorários.

No caso das entidades coletivas prestadoras de serviços de saúde, públicas ou privadas, os diretores médicos, os chefes de serviço e os médicos assistentes dos doentes estão obrigados, singular e coletivamente, a guardar segredo profissional quanto às informações clínicas que, constituindo objeto de segredo profissional, constem do respetivo processo individual do doente ou integrem bases de dados, seja qual for o suporte da informação, competindo-lhes a identificação dos elementos dos respetivos processos clínicos que, não estando abrangidos pelo segredo profissional, podem ser comunicados a entidades, mesmo hierárquicas ou estranhas à instituição médica, que os tenham solicitado.

Quando há um pedido de informações clínicas feito por entidade que condiciona a concessão de benefícios ao conhecimento daquelas, o médico deve, por sua vez, condicionar essa revelação ao consentimento por parte do doente.

O médico que, nessa qualidade, seja devidamente intimado como testemunha ou perito deverá comparecer no tribunal, mas não poderá prestar declarações ou produzir depoimento sobre matéria de segredo profissional.

Quando um médico alegue segredo profissional para não prestar esclarecimentos pedidos por entidade pública, deve solicitar à Ordem dos Médicos declaração que ateste a natureza inviolável do segredo em causa.

Atestados

Os atestados médicos, certificados, relatórios ou declarações são documentos particulares de caráter pericial, destinados a fazer fé perante terceiros, são assinados pelo seu autor de forma reconhecível, só são emitidos a pedido do interessado, ou do seu representante legal, deles devendo constar a menção desse pedido. No caso de atestados de doença, além da correta identificação do interessado, devem afirmar, sendo verdade, a existência de doença, a data do seu início, os impedimentos resultantes e o tempo provável de incapacidade que determine; não devem especificar o mal de que o doente sofre, salvo por solicitação expressa deste e, nesse caso, o médico deve referir esse condicionalismo. Para prorrogação do prazo de incapacidade deve proceder-se à emissão de novo atestado. Constitui falta deontológica o facto de o médico emitir atestados de complacência ou relatórios tendenciosos sobre o estado de saúde de qualquer pessoa.

É dever do médico relatar, por iniciativa própria, sobre o internamento e sobre outros atos médicos major de que seja responsável, informando o doente e fornecendo dados clínicos que assegurem a continuidade de cuidados.