01 dezembro 2007

A classificação das crises epiléticas e das epilepsias

com Paula Breia

in Livro Básico da Epilepsia, pp. 111-9, LPCE (2007)

1. Introdução

Ao longo dos tempos, muitos têm sido os termos usados para descrever crises e epilepsia. A proliferação de palavras descritivas conduziu a alguma confusão desnecessária quer entre os doentes quer entre os próprios técnicos de saúde. Neste capítulo revê-se a terminologia e a classificação das crises e dos síndromos Epiléticos.

A palavra crise é frequentemente usada de modo vago para descrever um acontecimento súbito, catastrófico, especialmente se a sua origem precisa é desconhecida. Outros termos são usados com o mesmo significado como desmaio ou ataque. Neste livro, a crise epilética é definida como “uma ocorrência de sinais e/ou sintomas, limitada no tempo, resultante de atividade neuronal cerebral anómala e excessiva ou síncrona”1.

A maioria das crises não é epilética, isto é, não tem uma origem primariamente cerebral. As crises não epiléticas podem ser orgânicas ou psicogénicas. As crises não epiléticas orgânicas traduzem uma resposta do sistema nervoso a um distúrbio externo, como por exemplo a hipoxia, a febre, a hipoglicemia ou a ação de tóxicos. As crises não epiléticas psicogénicas são frequentemente uma reação ao stress psíquico.

Um dos mais importantes desenvolvimentos da epileptologia foi a adoção das Classificações Internacionais das Crises (1981)2  e dos Síndromos Epiléticos (1989)3 pela Liga Internacional contra a Epilepsia.

O esquema central da classificação das crises é o reconhecimento de duas categorias principais: as que se iniciam numa região específica do cérebro (parciais ou focais) e as que afetam globalmente todo o cérebro desde o início (generalizadas). Adicionalmente às características clínicas, o eletroencefalograma (EEG) é complementar na classificação das crises: as parciais têm descargas focais, enquanto as generalizadas apresentam apenas descargas generalizadas.

As crises epiléticas surgem portanto de áreas cerebrais distintas e são causadas por uma disfunção global dos mecanismos bioquímicos.

As crises epiléticas distinguem-se das não epiléticas fundamentalmente por serem estereotipadas e repetitivas, faltando-lhes a modulação típica do comportamento voluntário. Por exemplo, uma crise tónica envolve contração máxima muscular, seguida de relaxamento, repetindo-se o mesmo ciclo várias vezes por segundo. Trata-se de um padrão de movimento muito primitivo que não cumpre nenhuma função útil, em contraste com a atividade habitualmente complexa e modulada que o mesmo grupo muscular é capaz de desempenhar.

As crises tónico-clónicas generalizadas podem sê-lo desde o início ou evoluírem de crises focais que entretanto se propagaram aos dois hemisférios cerebrais. Esta distinção é importante porque acarreta decisões terapêuticas e prognósticos diferentes.

Mais frequentes do que as crises tónico-clónicas generalizadas são as crises focais ou parciais. Estas podem ser simples ou complexas, consoante esteja conservada ou alterada a corrente de consciência do doente. O primeiro tipo pode evoluir para o segundo e ambos para crises tónico-clónicas secundariamente generalizadas.

2. Classificação das Crises Epiléticas

2.1. Crises Focais ou Parciais

As crises focais podem apresentar-se de modos diferentes: com sinais motores e/ou sintomas somatossensitivos, sensoriais, autonómicos ou psíquicos. A pessoa mantém-se consciente enquanto o fenómeno ocorre; movimentos clónicos rápidos de um membro ou da hemiface ou versivos da cabeça ou do tronco (crise motora); sensação tátil, parestesias, flashes ou distorções visuais, sintomas auditivos, olfativos, gustativos ou vertiginoso (crise somatossensorial); sensação epigástrica, sudorese, “flushing”, piloereção, midríase (crise autonómica); os sintomas psíquicos incluem medo, raiva, estados crepusculares e sensações de “déjà vu” ou de “déjà vécue” (crise psíquica). Estes episódios são por vezes difíceis de distinguir de fenómenos psiquiátricos. No entanto, as crises epiléticas ocorrem geralmente sem aviso prévio, sem precipitantes conhecidos, duram menos de um minuto e geralmente em doentes sem patologia psiquiátrica prévia (embora possam coexistir).

Um indivíduo com crises parciais pode ter um comportamento aparentemente adequado, interagir até com o meio circundante, mas pode estar também desajustado da realidade, não entendendo o que se passa consigo nem ao seu redor e não memorizando o acontecimento. Por vezes é difícil saber até que ponto há perturbação da consciência e quando ocorrem manifestações complexas (daí o ainda usado termo de crises parciais complexas), isso deve-se a alteração do funcionamento dos lobos temporais mesiais, dos lobos orbitofrontais ou em áreas mais generalizadas do cérebro. As crises parciais complexas eram chamadas, no passado, “crises psicomotoras” e “equivalentes Epiléticos”, termos vagos e imprecisos que foram abandonados. Também foram designadas por “crises do lobo temporal”, mas podem ter outras origens, como vimos. Pela sua duração, geralmente breve, confundem-se por vezes com as ausências e chegaram a ser designadas por “ausências do lobo temporal”. Por conseguinte, todos estes termos imprecisos ou errados devem ser abandonados do nosso léxico quando nos queremos referir a uma crise parcial complicada de automatismos ou sintomas vivenciais. Estas crises duram geralmente de alguns segundos a poucos minutos, seguidos de um período de confusão mental e, quase sempre, de amnésia para os acontecimentos ocorridos durante a crise. Os automatismos que por vezes acompanham estas crises – movimentos simples repetitivos ou incluindo comportamentos estranhos – raramente têm um seguro valor localizador da origem do foco epilético. 

Crises focais (autolimitadas)
Crises neonatais não especificadas de outro modo
Crises focais sensoriais
- com sintomas sensoriais elementares (exº crises do lobo occipital ou parietal)
- com sintomas sensoriais vivenciais (exº crises da junção temporo-parieto-occipital)
Crises focais motoras
- com sinais motores clónicos elementares
- com crises motoras tónicas assimétricas (exº crises da área motora suplementar)
- com automatismos (lobo temporal) típicos (exº crises do lobo mesial temporal)
- com automatismos hipercinéticos
- com mioclonus negativo focal
- com crises motoras inibitórias
Crises gelásticas (riso)
Crises hemiclónicas
Crises secundariamente generalizadas
Crises reflexas em síndromos Epiléticos focais

 2.2. Crises tónico-clónicas secundariamente generalizadas

Qualquer tipo de crise focal pode evoluir para uma crise generalizada tónico-clónica. As pessoas que sofrem de crises focais apresentam-se frequentemente ao clínico após terem sofrido uma crise tónico-clónica generalizada secundária. Este será o caso da maioria das crises ocorridas em adultos. Não deve, portanto, ser logo assumido que uma crise é sempre primariamente generalizada. A história clínica – preferencialmente com ajuda de testemunhas, se o doente não se recordar da crise – e o exame neurológico fornecem pistas valiosas.

2.3. Crises primariamente generalizadas

As crises primariamente generalizadas podem ser convulsivas ou não convulsivas.

As ausências são mais frequentes na infância e adolescência e manifestam-se por interrupção breve da consciência, pestanejo, olhar parado e outros movimentos faciais minor. Duram geralmente segundos a um minuto. No entanto, como podem ocorrer várias vezes ao dia, em sucessão rápida, interrompendo a continuidade das atividades em curso, acarretam frequentemente significativo compromisso cognitivo. Apresentam um padrão eletroencefalográfico típico de ponta-onda a 3 Hz.

As crises mioclónicas caracterizam-se por movimentos musculares bruscos e rápidos unilaterais ou bilaterais. A consciência nem sempre está alterada. Fazem geralmente parte de síndromos Epiléticos específicos. A atividade mioclónica pode no entanto ocorrer associada a outras doenças neurológicas (doença de Creutzfeldt-Jakob, anoxia).

As crises tónicas consistem em espasmos tónicos da musculatura axial e facial associada a flexão das extremidades superiores e a extensão dos membros inferiores. Podem surgir em qualquer idade, mas são mais frequentes nas crianças e resultam geralmente em queda.

As crises clónicas, também mais frequentes em crianças, assemelham-se a mioclonias, mas associam-se sempre a perda de vigília e o padrão de repetição do movimento é mais lento que nas mioclonias.

Crises Generalizadas (autolimitadas)
Crises tónico-clónicas (inclui variantes iniciando-se por fase tónica ou mioclónica)
Crises clónicas
- sem componentes tónicos
- com componentes tónicos
Crises de ausências típicas
Crises de ausência atípicas
Crises de ausências mioclónicas
Crises tónicas
Espasmos
Crises mioclónicas
Mioclonias palpebrais
- sem ausências
- com ausências
Crises atónico-mioclónicas
Mioclonus negativo
Crises atónicas
Crises reflexas em síndromos Epiléticos generalizados

 As crises tónico-clónicas generalizadas são de todas as mais dramáticas. Iniciam-se subitamente, sem aviso prévio (se o doente refere um aviso ou “aura” – mal estar epigástrico, alteração visual, auditiva, etc. – é mais provável que se trate de uma crise focal com generalização secundária). Tipicamente o doente grita no início da crise, consequência da expiração forçada que deriva da contração tónica dos músculos do tronco. A fase tónica generalizada é interrompida por períodos breves de relaxamento, seguida de contrações tónicas. Os períodos de relaxamento tornam-se mais frequentes e inicia-se a fase clónica. A crise dura 1 a 2 minutos e acompanha-se de taquicardia e hipertensão arterial. Após o fim da crise, pode ocorrer incontinência dos esfíncteres, devido ao seu relaxamento. O indivíduo demora geralmente vários minutos até recuperar a consciência. A fadiga e período confusional pós-crítico podem durar de horas a dias.

As crises atónicas são caracterizadas por perda súbita do tónus dos músculos posturais, resultando invariavelmente em queda, sem qualquer aviso prévio. Geralmente duram segundos e associam-se geralmente a perda da consciência. São frequentes sobretudo em crianças com síndromo de Lennox-Gastaut. Por vezes é difícil a distinção entre crises tónicas e atónicas.

Crises contínuas
Estado de mal generalizado
Estado de mal tónico-clónico generalizado
Estado de mal clónico
Estado de mal de ausências
Estado de mal tónico
Estado de mal mioclónico
Estado de mal focal
Epilepsia partialis continua de Kojevnikov
Aura contínua
Estado de mal límbico (status psicomotor)
Estado de mal hemiconvulsivo com hemiparesia

 3. Classificação dos Síndromos Epiléticos

Até agora abordámos a classificação das crises epiléticas que são afinal um sintoma inespecífico de várias doenças do sistema nervoso central, cujo diagnóstico deve ser aprofundado. O clínico deve assim tentar determinar qual o síndromo Epilético subjacente, o que tem implicações diretas no tratamento e no prognóstico. A Liga Internacional contra a Epilepsia (LICE) desenvolveu (2001)4 uma nova proposta de classificação das epilepsias e dos síndromos Epiléticos na tentativa de melhor orientar o diagnóstico da situação patológica subjacente. Muitos destes síndromos têm uma idade própria de início e características clínicas e eletroencefalográficas específicas. Sendo embora muito usada a classificação de 1989, esta manifestou-se no entanto insuficiente ao longo dos anos quer porque alguns síndromos não encontravam lugar na classificação, quer porque a evolução do conhecimento genético e neurofisiológico deu origem a novos síndromos não facilmente classificáveis. Surgiu então uma proposta de nova classificação que é aqui abordada.

Epilepsia, neste livro, define-se como um “distúrbio do cérebro caracterizado por uma predisposição para a ocorrência persistente de crises epiléticas e pelas consequências neurobiológicas, cognitivas, psicológicas e sociais associadas” 1.

O primeiro passo na identificação de um síndromo Epilético é a identificação correta do tipo de crise que a pessoa apresenta. Um síndromo Epilético pode ser caracterizado por um só tipo de crise (ex: epilepsia de ausências juvenil apenas com ausências) ou mais de que um (ex.: epilepsia mioclónica juvenil incluindo mioclonias, ausências e crises tónico-clónicas generalizadas).

Na nova classificação da LICE, a primeira distinção é baseada no tipo de crise, focal ou generalizada. Os síndromos focais são frequentemente causados por lesões identificáveis, enquanto os generalizados são idiopáticos ou primários, isto é de causa desconhecida, muitos deles genéticos.

Muitas das causas da epilepsia são identificáveis e permitindo classificá-las como secundárias ou sintomáticas. O termo criptogénico (não consensual na nova proposta de classificação) é usado quando se desconhece a etiologia, admitindo-se contudo uma causa subjacente ainda não identificada.

Para além do(s) tipo(s) de crise(s) e da etiologia outros fatores são determinantes na identificação de um síndromo Epilético: a história familiar, o EEG ictal e interictal, os exames de imagem, em especial a Ressonância Magnética (RM) encefálica, a resposta à terapêutica e a história natural da doença.

3.1. Síndromos Epiléticos Focais

Os síndromos focais são descritos como idiopáticos ou sintomáticos. Na categoria idiopática (possivelmente genética), foram identificados apenas alguns síndromos específicos com aparecimento na infância e características clínicas e EEG próprias. Vários síndromos sintomáticos foram identificados.

3.1.1. Idiopáticos

Epilepsia benigna da infância com pontas centro-temporais (antiga epilepsia rolândica) é um síndromo frequente, correspondendo a 25% das epilepsias em idade escolar. Inicia-se entre os 3 e os 13 anos. As crises têm um início focal simples, geralmente motor ou sensitivo com início numa hemiface. Ocorrem geralmente ao adormecer e generalizam frequentemente para crise tónico-clónica generalizada. A criança tem exame neurológico normal e não apresenta doenças associadas. O EEG é típico e revela pontas e ondas abruptas de grande amplitude na região central ou centro-temporal, sobretudo durante a sonolência. A clínica e o EEG são tão característicos e diagnósticos que os exames de imagem são habitualmente dispensados. A etiologia é genética, autossómica dominante para o “traço” eletroencefalográfico, embora menos de 25% das pessoas com as alterações elétricas venham a ter crises. O prognóstico é excelente, mesmo sem tratamento e a maioria dos jovens não apresenta crises depois dos 15 anos.

Epilepsia da infância com pontas occipitais é muito mais rara, embora sub-identificada. É caracterizada por crises diurnas de experiências visuais, seguidas de crises parciais complexas. Após a crise o doente tem frequentemente uma cefaleia. O EEG mostra descargas bilaterais de ponta-onda de grande amplitude na região occipital. A evolução é favorável.

3.1.2. Sintomáticos

As epilepsias sintomáticas focais são as mais frequentes nos adultos e têm múltiplas causas identificáveis (vasculares, infeciosas, tumorais, degenerativas, congénitas, traumáticas e criptogénicas). Apesar das causas diversas, as crises são geralmente focais e, se não tratadas, progridem para crises tónico-clónicas secundariamente generalizadas. Portanto, a fenomenologia da crise dirige a atenção do clínico para uma patologia identificável e potencialmente tratável, mas nada acrescenta quanto a essa etiologia, que deve ser investigada pelos meios complementares de diagnóstico disponíveis. Nos últimos anos a RM de alta resolução permitiu caracterizar melhor alguns quadros como a esclerose mesial temporal e revelar a etiologia de síndromos que eram classificados como criptogénicos, identificando por exemplo heterotopias e displasias corticais.

3.2. Epilepsias e Síndromos Epiléticos Generalizados

As epilepsias generalizadas são mais comuns em idade pediátrica. Alguns síndromos idiopáticos (genéticos) têm vindo a ser identificados recentemente e mapeados geneticamente, cimentando o conceito de síndromos identificáveis específicos.

3.2.1. Idiopáticos com início relacionado com a idade

Convulsões benignas neonatais familiares constituem um síndromo raro caracterizado por crises generalizadas que ocorrem durante a primeira semana de vida. Deve ser diferenciado de uma longa lista de crises neonatais sintomáticas graves. Existe uma história familiar inequívoca e as crises remitem espontaneamente após alguns dias. Foi identificada uma deleção no cromossoma 20q13.3 e o X dessa região codifica um canal de potássio, evidenciando assim uma relação clara entre o produto do gene e o síndromo clínico.

Epilepsia mioclónica benigna da infância é também um síndromo pouco frequente e é diferenciado por um EEG com surtos de ponta-onda generalizados sobrepostos numa atividade elétrica basal normal. A evolução é benigna, sem compromisso neurológico.

Outros tipos definidos pela localização e etiologia

Epilepsia de ausências da infância (antigo “Pequeno-mal”) corresponde a 2 a 4% das crianças com epilepsia. As suas características foram já descritas e o diagnóstico diferencial é feito com crises parciais complexas breves. O EEG é típico e são geralmente desnecessários estudos estruturais. Existe uma predisposição genética forte e suspeita-se de um locus genético específico.

Epilepsia mioclónica juvenil tem o seu início na adolescência e é caracterizada por uma tríade de crises (mioclónicas, ausências e tónico-clónicas generalizadas). As crises mioclónicas são habitualmente matinais e envolvem as extremidades superiores. A queixa mais comum é a falta de jeito matinal com quedas de objetos durante a higiene ou o pequeno-almoço – que deve ser inquirida, pois é geralmente desvalorizada pelo próprio e familiares – e exacerbada pelo stress. O diagnóstico é frequentemente feito apenas quando ocorre uma crise tónico-clónica generalizada matinal. As crises de ausências são por vezes difíceis de detetar e a pessoa pode não ter todos os tipos de crises. A história clínica típica e o EEG são diagnósticos. O síndromo deve ser diferenciado de outros com origem focal porque a terapêutica a instituir é diferente.

3.2.2. Sintomático e/ou Idiopático Este grupo de epilepsias generalizadas consiste numa diversidade grande de síndromos clínicos, unidos por manifestações clínicas semelhantes. Algumas crianças destes grupos têm causas identificáveis, sintomáticas, enquanto noutras a etiologia é idiopática ou criptogénica. Ao contrário do grupo anterior, no qual as crises ocorrem num contexto de inteligência normal, neste o atraso mental é comum.

Síndromo de West ou Espasmos Infantis inicia-se entre os 4 e os 12 meses. É caracterizado por um espasmo que tipicamente consiste na flexão da cabeça, bacia e membros, com abdução ou adução dos membros superiores. São rápidos (cerca de um segundo) e ocorrem em salvas, por vezes dezenas por dia. As crianças têm um desenvolvimento psicomotor normal até ao início dos espasmos, começando então a regredir ou a não progredir. Cerca de 2/3 apresentam um padrão de hipsarritmia no EEG – desorganização da atividade de base e sobreposição de pontas e de ondas lentas difusas. O prognóstico depende da doença subjacente e da resposta à terapêutica. O síndromo idiopático que responde rapidamente à terapêutica tem o melhor prognóstico. Os que têm uma encefalopatia grave subjacente têm pior evolução. A mortalidade é de 20% antes dos 5 anos de idade e 75% a 93% dos sobreviventes têm atraso mental; 50% têm epilepsia mais tarde e metade destes evolui para um Síndromo de Lennox-Gastaut.

Síndromo de Lennox-Gastaut compreende uma combinação de crises tónicas axiais, tónico-clónicas, ausências atípicas e atónicas associadas a atraso mental e a EEG de ponta e onda lenta (<2,5 Hz). O início ocorre entre os 1 e 8 anos de idade. É frequentemente refratário à terapêutica médica.

3.3. Epilepsias indeterminadas quanto à origem focal ou generalizada

Este grupo incluiu vários síndromos pediátricos cuja natureza clínica não foi completamente elucidada e que envolvem padrões clínicos e EEG com componentes mistos de crises focais ou generalizadas. Compreende várias epilepsias mioclónicas com atraso mental.

SÍNDROMOS EPILÉTICOS
Crises neonatais benignas familiares
Encefalopatia mioclónica precoce
Síndromo de Ohtahara
Síndromo de West
Epilepsia mioclónica benigna da infância
Crises familiares benignas infantis
Crises benignas infantis (não-familiares)
Síndromo de Dravet
Síndromo HHE (hemiconvulsão-hemiplegia-epilepsia)
Epilepsia benigna da criança com pontas centro-temporais
Epilepsia occipital benigna da criança com início precoce (tipo Panayiotopoulos)
Epilepsia occipital da criança com início tardio (tipo Gastaut)
Epilepsia com ausências mioclónicas
Epilepsia com crises mioclónico-astáticas
Síndromo de Lennox-Gastaut
Síndromo de Landau-Kleffner
Epilepsia com ponta-onda contínua no sono de ondas lentas (não inclui S. Landau-Kleffner)
Epilepsia de ausências da infância
Epilepsias mioclónicas progressivas
Epilepsias generalizadas idiopáticas com fenótipos variáveis
Epilepsia de ausências juvenil
Epilepsia mioclónica juvenil
Epilepsia apenas com crises tónico-clónicas generalizadas
Epilepsias reflexas
Epilepsia do lobo occipital fotossensível idiopática
Outras epilepsias sensitivas visuais
Epilepsia primária da leitura
Epilepsia do susto (surpresa)
Epilepsia noturna do lobo frontal, autossómica dominante
Epilepsias do lobo temporal familiares
Epilepsia focais sintomáticas (ou provavelmente sintomáticas)
- Epilepsias límbicas
Epilepsia do lobo temporal mesial com esclerose do hipocampo
Epilepsia do lobo temporal mesial definida por etiologias específicas
Outros tipos definidos pela localização e etiologia
- Epilepsia neocorticais
Síndromo de Rasmussen

3.4. Síndromos Especiais

Este grupo compreende situações em que as crises não ocorrem espontaneamente, mas são desencadeadas por estímulos específicos. Ao contrário dos outros síndromos descritos, o tratamento para estas situações consiste em evitar ou estímulo e/ou tratar na fase de provocação. Neste grupo incluem-se também pessoas que têm crises isoladas e que apresentam simplesmente um baixo limiar epileptogénico.

Crises relacionadas com algumas situações

Convulsões febris ocorrem dos 3 meses aos 5 anos em crianças que têm febre sem evidência de outras causas. Há frequentemente uma história familiar de crises (8 % a 22% dos pais e 9% a 17% dos irmãos). Uma mutação na subunidade β1 do canal de sódio no cromossoma 19q13.1 é a responsável pelo quadro em algumas famílias, embora outros genes tenham sido já identificados. Os estudos de base populacionais prospetivos indicam que as convulsões febris são relativamente benignas. Não se associam a risco aumentado de atraso mental ou a compromisso neurológico. Cerca de 3% das crianças podem vir a ter epilepsia pelos 7 anos e aproximadamente 7% poderá ter crises pelos 25 anos. O risco de recorrência de convulsões febris é de 34%, sendo maior nas crianças mais pequenas. O tratamento é, no entanto controverso. Muitos neuropediatras não recomendam o tratamento crónico convulsões febris simples, mas apenas o diazepam retal como preventivo na subida da temperatura.

SITUAÇÕES DE CRISES EPILÉTICAS que não obrigam ao diagnóstico de EPILEPSIA
Crises neonatais benignas
Crises febris
Crises reflexas
Crises por privação do álcool
Crises induzidas por fármacos e outros químicos
Crises pós-traumáticas imediatas ou precoces
Crises isoladas ou grupos isolados de crises
Crises raramente repetidas (oligo-epilepsia)

4. Esquema diagnóstico

Este trabalho pretende apresentar da forma mais simples possível uma realidade difícil e complexa. Na verdade, sob a palavra Epilepsia estão numerosas epilepsias muito diferentes entre si. A divisão dicotómica dos conceitos em chavetas ou o arrumo dos casos em gavetas é uma tarefa sempre dificultada pela existência de múltiplos fatores. Daí que tenhamos usado ainda muitos conceitos e termos das classificações antigas e tenhamos colocado em quadro as propostas da nova classificação de Engel4. Salientemos agora o principal contributo que a LICE apresenta – o conceito de esquema diagnóstico. Mais do que classificar cada caso, mais do que impor terminologias rígidas, embora necessárias, defende-se que o diagnóstico individual assenta ou deve assentar em cinco eixos:

Eixo 1 refere-se à semiologia ictal, descrevendo claramente o início e evolução do fenómeno crítico com terminologia padronizada.
Eixo 2 é o tipo (ou tipos) de crise epilética vivido pelo doente.
Eixo 3 é o diagnóstico sindromático e deriva da lista de síndromos Epiléticos embora seja admitido que nem sempre é possível estabelecer.
Eixo 4 serve para especificar a etiologia quando conhecida.
Eixo 5 é uma designação opcional do grau de deficiência causada pela situação.

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1 Fisher RS, van Emde Boas W, Blume W, Elger C, Genton P, Lee P, Engel J Jr. Epileptic seizures and epilepsy: definitions proposed by International League Against Epilepsy (ILAE) and the International Bureau for Epilepsy (IBE). Epilepsia. 2005 Apr;46(4):470-2.
2 Commission on Classification and Terminology of the International League against Epilepsy. Proposal for re-vised clinical and eletroencephalographic classification of epileptic seizures. Epilepsia 22:489-501, 1981.
3 Commission on Classification and Terminology of the International League against Epilepsy. Proposal for re-vised classification of epilepsies and epileptic syndromes. Epilepsia 30:389-399, 1989.
4 Engel J Jr, International League Against Epilepsy (ILAE). A proposed diagnostic scheme for people with epileptic seizures and with epilepsy: report of the ILAE Task Force on Classification and Terminology. Epilepsia. 2001 Jun;42(6):796-803.